Skip to main content

Alguns títulos transcendem o tempo em que foram lançados. Esse é o caso de System Shock 2, um dos FPS mais influentes de sua geração. Vinte e cinco anos depois de vender muito pouco, ele está de volta com um remaster. É uma dádiva e, simultaneamente, uma maldição. Por um lado, é fundamental que novos jogadores descubram essa pérola. Por outro lado, o jogo original continua tão redondo que eu me perguntei muitas vezes: por quê?

A segunda pergunta que veio na minha mente foi: como analisar um jogo que amo e que já escrevi minha declaração definitiva em 2014, em meu blog pessoal? Se a Nightdive Studios pode pegar algo antigo, passar verniz por cima e colocar de novo no mercado, resolvi fazer o mesmo. Sejam bem-vindos ao remaster da minha análise original de System Shock 2.

System Shock 2: 25th Anniversary Remaster

O elefante cibernético na sala

Ao contrário de diversos jogos que receberam remasters e remakes na última década (incluindo o primeiro System Shock), o que nós temos aqui é uma obra absolutamente desnecessária. Já existia uma versão digital de System Shock 2 nas melhores lojas, atualizada para sistemas modernos e rodando perfeitamente. Eu sei, porque eu tenho e voltei a ela para comparar com o remaster. Não é rigorosamente o mesmo jogo, mas posso atestar com 100% de certeza de que é possível jogar a versão (agora) Clássica, sem prejuízo de experiência, com a vantagem de um preço muito mais acessível do que esse relançamento.

A produtora Nightdive Studios se especializou em necromancia, muitas vezes mergulhando em labirintos jurídicos para desbloquear marcas que estavam perdidas. É um trabalho imensamente louvável, de um mérito inquestionável. Inclusive foi esse mesmo trabalho que trouxe de volta System Shock 2 de volta para as lojas da primeira vez, já melhorado e atualizado.

Então, o que esse remaster traz para a mesa, além de celebrar os 25 anos do jogo original? Visualmente, as diferenças são mínimas, como eu consegui atestar com algumas capturas de tela. Ousaria dizer que houve até um prejuízo na qualidade de iluminação. Em termos de áudio, não há diferença alguma, porém o remaster apresenta legendas (em inglês, infelizmente), uma grande ausência em 2000. Portanto, em termos cosméticos, as melhorias pouco acrescentam.

System Shock 2
Original
System Shock 2: 25th Anniversary Remaster
Remaster

Em termos técnicos, o remaster também é humilde em suas inovações, trazendo, por exemplo, suporte para 120 FPS e controles melhorados. Tanto suporte para ultra-widescreen como suporte para resolução 4K já estavam disponíveis anteriormente.

O grande trunfo para System Shock 2: 25th Anniversary Remaster é sua chegada nos consoles, inclusive com suporte para crossplay no multiplayer, para quem quiser encarar SHODAN em companhia de amigos. Esse único aspecto já justifica a existência dessa versão, uma vez que permite que o jogo alcance mais jogadores. Por outro lado, para quem está no PC, a versão Clássica já é adequada.

System Shock 2: clássico dos clássicos

Antes de GLaDOS, havia SHODAN. Antes de Bioshock, havia System Shock 2.

Quando a Irrational Games nasceu em 1997, das cinzas da finada Looking Glass, ela estava destinada a grandes feitos. Isso estava óbvio para qualquer um que tenha jogado seu primeiro jogo, em 1999. Meses depois do lançamento, menos de 60 mil felizardos haviam descoberto a pérola escondida. Desafiando as convenções vigentes dos FPS e das continuações, System Shock 2 se tornou um clássico instantâneo, apesar das vendas fracas, e arremessou a vilã SHODAN para todas as listas de maior inimigo dos jogos eletrônicos de todos os tempos.

System Shock 2
Original
System Shock 2: 25th Anniversary Remaster
Remaster

Solidão, os erros e os limites da humanidade dão a tônica da obra de Ken Levine e sua trupe de engenheiros a partir deste ponto. Entender System Shock 2 é entender tudo o que veio depois. Misturando elementos de RPG, como gerenciamento de itens e evolução de habilidades, Levine antecipou também Deus Ex em vários aspectos. Um deles era a habilidade de abordar os problemas de formas diferentes.

Entretanto, onde Spector construiu uma narrativa intricada das relações humanas, ideologias e organizações, aproveitando o sentimento global de virada de milênio e brilhando em diálogos geniais, aqui a Irrational Games aborda a solidão do homem diante do infinito e dos perigos da tecnologia, aproveitando o silêncio e o vazio de uma espaçonave nos confins do Universo para encenar o confronto final entre o Homem e o Pós-Humano.

O fim do sonho

No futuro distante, a Humanidade se prepara para testar seu primeiro reator FTL (“faster than light, o mítico motor capaz de ultrapassar a velocidade da luz). A nave experimental Von Braun parte para o espaço, escoltada pela nave militar acoplada Rickenbacker. A bordo, instalações confortáveis, estufas, os melhores cientistas, centros de entretenimento para a longa jornada, a nata da tecnologia, a nata dos recursos humanos.

Com fanfarra e otimismo, a expedição parte. Tudo terminará em tragédia.

System Shock 2
Original
System Shock 2: 25th Anniversary Remaster
Remaster

Você começa System Shock 2 acordando do sono criogênico após o desastre já ter ocorrido. Seus companheiros de viagem são cadáveres ou estranhos mutantes com sede de sangue. Através de logs de áudio, você irá desvendar o triste destino das duas espaçonaves e sua tripulação: uma infecção biológica autônoma que atende como Many (“Muitos”) conquistou o corpo e a mente de todos, transformando sua carne e alterando seus pensamentos. Qualquer semelhança com Dead Space, é algo a ser perguntado para a Visceral Games.

Com poderes psíquicos fazendo parte do universo de System Shock 2, as duas naves se tornam o protótipo da casa mal-assombrada no espaço. Há visões de acontecimentos violentos, há inimigos medonhos em cada esquina, há a sujeira e a deterioração de espaços antes tão utópicos, há o constante clamor da voz de Many em sua cabeça, pedindo, implorando, ameaçando para que você se junte à sua “glória”.

O horror não está presente apenas nos combates de vida e morte a bordo da Von Braun ou da Rickenbacker. Ele também aparece em cabines abandonadas e semi-destruídas, em registros de voz de pessoas a beira do desespero, em histórias de amor despedaçadas sem dó ou pena, em personagens que cederam ao orgulho ou à culpa para fazer parte do Many.

O ápice da civilização desmorona no vazio solitário. Você não tem aliados. Exceto Ela.

System Shock 2: 25th Anniversary Remaster

Despertar da deusa

SHODAN é o principal elo com o jogo anterior. Não é necessário ter experimentado o primeiro System Shock para entender que ela é perigosa: uma Inteligência Artificial megalomaníaca que acredita do fundo de seus bits que é uma Deusa e despreza toda e qualquer forma de vida.

Seus experimentos do passado para criar uma nova biologia geraram o Many. Como uma criança que cansa de seus brinquedos, ela agora deseja sua extinção. Entre as duas abominações, você transita, tentando sobreviver a um fogo cruzado, onde não pode haver vitorioso algum.

Onde GLaDOS é ora calculista, ora sarcástica, mas sempre racional, SHODAN é a definição de insanidade. Se declara perfeita, mas seu discurso trava diversas vezes, como uma gagueira cibernética que seria cômica, se não fosse pela distorção, pela reverberação e pelo seu profundo significado: ela não é perfeita, é incapaz de admitir e as piores consequências podem advir deste falso senso de divindade.

System Shock 2: 25th Anniversary Remaster

Ao contrário de tantos chefes de jogo, que declaram suas intenções no começo do jogo e são confrontados novamente apenas no final, salvo por um ocasional interlúdio no meio, SHODAN aqui é enigmática e onipresente. Perdido em uma nave lotada de monstros e fantasmas, o jogador tem como único interlocutor a Inteligência Artificial psicótica.

Com o poder correto, SHODAN pode e vai erradicar a vida do Universo. Ou seria apenas outro delírio de grandeza?

Triunfo do indivíduo

O herói aprisionado não tem nome, como tantos outros antes dele. Atende pela alcunha de Soldier G65434-2. Ele é um número de série em um duelo de inumanos. antes dele. Atende pela alcunha de Soldier G65434-2. Ele é um número de série em um duelo de inumanos.

System Shock 2: 25th Anniversary Remaster
O remaster também traz artes conceituais e material promocional

Entretanto, a Irrational Games se recusa a construir outro fuzileiro espacial exterminador de monstros. O personagem é customizável, pode ser treinado em classes cuja jogabilidade varia, pode adquirir habilidades de acordo com a preferência do jogador, inclusive habilidades fora de sua classe. Ele é um papel em branco, mas um que pode ser recortado e moldado para ser algo único.

Em um confronto onde de um lado temos a massa homegeinizadora do Many e sua consciência coletiva e o niilismo cibernético de SHODAN, a Irrational Games opta por um protagonista que será ímpar para cada jogador, para cada partida, com liberdade de ação e de resolver os enigmas.

Em um ambiente tomado por monstros, você pode se esgueirar, pode tentar teleporte ou invisibilidade (se tiver esses poderes), pode invadir o sistema das torres de segurança e promover um massacre ou pode entrar no corredor de armas em punho e uma prece nos lábios.

System Shock 2: 25th Anniversary Remaster

Essa liberdade não significa tranquilidade. System Shock 2 não é apenas um RPG ou um FPS, mas também um Survival Horror, com letras maiúsculas. O protagonista é frágil, seu equipamento se deteriora. É preciso gerenciar recursos escassos todo o tempo: há munições específicas para determinados inimigos, evoluções a se escolher para as armas, itens para se comprar em terminais espalhados, avanços tecnológicos para pesquisar, enquanto o tempo não para ao seu redor. Uma decisão errada pode trazer uma morte horrenda para o personagem.

Logoff, Reiniciar ou Suspender?

Desde 1999, espera-se uma continuação de System Shock 2. O final deixa claro que SHODAN não é um oponente a ser menosprezado. Seu fantasma assombra jogadores e desenvolvedores e esteve certamente presente na mente daqueles que criaram GLaDOS, o Marker, a Red Queen e tantos outros elementos influenciados diretamente pela obra de Ken Levine e seu conclave.

System Shock 3 entrou em desenvolvimento em 2015 e desapareceu. Em algum lugar do universo, SHODAN aguarda seu retorno. As velas em seu altar se acendem uma vez mais com esse remaster, A continuação não está nas mãos da Nightdive, mas, com certeza, a devoção não é menor.

Em algum lugar do limbo do ciberespaço, a Deusa aguarda, pacien01110100 01100101 00101110 00100000 01010011 01001000 01001111 01000100 01000001 01001110 00100000 01110010 01100101 01110100 01101111 01110010 01101110 01100001 01110010 11000011 10100001 00101100 00100000 01101001 01101110 01110011 01100101 01110100 01101111 01110011 00101110

95 %


Prós:

🔺 Um dos mais influentes FPS já feitos
🔺 História imersiva e assustadora
🔺 Trilha sonora inesquecível
🔺 SHODAN

Contras:

🔻 Pouquíssimas melhorias gráficas

Ficha Técnica:

Lançamento: 26/06/2025
Desenvolvedora: Nightdive Studios
Distribuidora: Nightdive Studios
Plataformas: PC, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series
Testado no: PC