The Callisto Protocol foi um dos games que mais aguardei em 2022. Na mesma ansiedade de God of War Ragnarök e Elden Ring. Sou apaixonado pelo gênero survival horror e desde a franquia Dead Space eu esperava por um game com a mesma fórmula: aventura espacial com alienígenas aterrorizando geral. O jogo de estreia da Striking Distance Studios, fundada e dirigida por Glen A. Schofield (criador de Dead Space), traz exatamente o que se espera, mas com seu próprio universo e ideias.
Chegando tarde no calendário de lançamentos do ano, The Callisto Protocol acabou ficando de fora de premiações importantes como o The Game Awards, onde poderia facilmente concorrer em várias categorias: eu votaria nele para Melhor Design de Áudio, Melhor Direção de Arte e Melhor Direção de Jogo. E olha que a concorrência este ano é pesada, heim!
Dentre suas qualidades, a maior do jogo fica para o seu visual. Minha nossa, como os gráficos de The Callisto Protocol são bonitos – ainda mais no modo qualidade dos consoles. E não é só a ambientação cuidadosamente projetada, com iluminação nos pontos certos para criar tensão constante, que chama a atenção. O protagonista Jacob e outros personagens que surgem na trama dão um show à parte, trazendo um nível de realismo facial e corporal que não se vê com frequência e que felizmente não invade o vale da estranheza.
Caindo na Lua Morta de Júpiter
Ambientado no ano de 2320, os pilotos de carga Jacob Lee e Max Barrow estão seguindo viagem com um misterioso carregamento endereçado à Callisto, a Lua Morta de Júpiter. Uma misteriosa intrusa tenta roubá-lo, mas acaba falhando e sabotando a viagem. A nave cai em Callisto, onde Jacob é localizado e tratado como invasor, sendo preso pelo Capitão Leon Ferris e então levado à prisão de segurança máxima Ferro Negro.
Detido injustamente e com um dispositivo de identificação implantado atrás de seu pescoço, o protagonista vira o prisioneiro 532-521. Não demora para as coisas desandarem e você sair livre em meio ao caos. Andando pelo complexo, você conhece Elias Porter e ambos viram aliados na fuga. Ele te dá uma chave-inglesa adaptada como faca – usada para abrir portas e matar inimigos furtivamente – e pede ajuda para abrir sua cela. No processo, sobrevivendo ao ataque de outros prisioneiros soltos, você adquire um martelo de cabo alongado que fica temporariamente sendo sua arma de ataque corpo a corpo.
Todo esse trecho inicial funciona como tutorial, explicando a HUD em seu pescoço (que informa sua saúde) e o combate. Com o analógico esquerdo, você deve desviar dos ataques inimigos escolhendo entre esquerda e direita, observando e indo no sentido contrário do golpe do adversário. E colocando pra trás você bloqueia, ainda que perca um pouco de saúde no impacto. Rapidamente, os primeiros humanos transformados dão as caras e tudo fica mais difícil. Eles são rápidos, ferozes e dão pouca margem para erros.
Inicialmente, não tem como não odiar o combate. Basta errar o lado umas 3 vezes no direcional e você vai pro chão para morrer de forma brutal. E por mais que você se esforce, os erros ocorrerão com frequência. Eu preferia uma esquiva feita junto de um botão, mas a decisão de game design ao menos faz sentido: você tem que sentir medo dos inimigos, de todos eles. Neste ponto, The Callisto Protocol tira de letra do começo ao fim. Mas a frustração vem junto, como inimigos cada vez mais resistentes. O equilíbrio na dificuldade vem com a aquisição de armas e o GAR, um gerador de campo de gravidade que permite agarrar e lançar objetos e inimigos.
Áreas de risco pra todo lado
É justamente com o GAR que o jogador pode ter um pouco de respiro, puxando os inimigos pra perto para ter a vantagem de começar o ataque ou arremessando-os contra paredes de espinhos, hélices enormes e trituradores. Por que diabos existem estas coisas perigosas em ambientes de trabalho? Eu não faço a mínima ideia. Nem banheiro tem direito, se for pra avaliar o realismo da estação. Sei que isto é um jogo, que estas coisas estão ali em prol da diversão e também para facilitar o combate, mas dava pra ter feito de outros formas, mais críveis.
Por outro lado, o combate corpo a corpo e com armas de fogo – que você cria com dioramas e faz melhorias em impressoras 3D – é muito caprichado. Isso graças à captura de movimento feita em parceria com a Sony, gerando um imenso banco de dados. Tanto que o estúdio anunciou que lançará mais animações de mortes de Jacob e inimigos em forma de DLC, o que rendeu uma certa polêmica. Glen se defendeu no Twitter comentando que o material será totalmente novo. O jogo também sofreu duras críticas na versão de PC, que saiu totalmente instável no lançamento.
O Passe de Temporada cobre novos conteúdos que serão produzidos para o game em 2023, nos próximos seis meses, trazendo novos trajes, Novo Jogo+ e modos hardcore como Epidemia (com poucos recursos e morte permanente) e Motim, que oferecerá desafios com ondas de inimigos. O pacotão ainda oferecerá uma expansão da história, o que me deixou animado e curioso.
Imersão levada à sério
O visual de The Callisto Protocol certamente contribui na imersão, mas o jogo não seria o mesmo se não fosse o trabalho incrível realizado no departamento de áudio. Tanto que recomendo você jogar somente com fone de ouvido e de preferência no escuro. Você ouve os inimigos se deslocando pelos dutos de ar, grunhindo, ensandecidos pra fazer novas vítimas. Barulhos de metal, mecanismos ligando e desligando, explosões distantes… Acontece de tudo, como uma orquestra planejada para elevar a tensão. E caso for jogar no PlayStation 5, poderá experimentar as adaptações feitas exclusivamente para o DualSense.
As criaturas possuem sons distintos, tanto durante seus ataques quanto ao serem abatidos. É tudo muito visceral, com sons de carne rasgando e ossos partindo. O combate tem peso, tanto visualmente quanto sonoramente, dando uma satisfação muito grande durante a jogatina – até mesmo quando você morre. Jacob sofre bastante, claro, mas é legal conferir as possibilidades de morte como se fossem fatalities.
A varidade de criaturas e comportamentos soma muito à imersão. E tudo fica ainda mais tenebroso quando surgem os inimigos com tentáculos na barriga: se não matar rápido, eles sofrem mutações em tempo real e ficam ainda mais fortes. O bestiario não é extenso, mas esbanja criatividade. E quando estão em bando, dão uma canseira daquelas. O bastão de choque – que substitui o martelão do início do game – acaba sendo seu maior aliado, o único meio de sobrevivência quando acaba a munição e resta o combate corpo a corpo e o uso do GAR. Sorte que as melhorias destas duas opções dão uma equilibrada em tudo, inclusive com um golpe carregado e mais forte do bastão.
Mais à frente na campanha, você adquire uma armadura que confere o aumento de saúde e do limite do inventário. Com isso, o combate não fica tão penoso como nas primeiras horas e você logo passa a enfrentar os monstrões mais persistentes do game.
Protocolo de falhas
Eu tenho algumas críticas a fazer, mas há uma em especial que me incomodou demais: o desenvolvimento da história. Com a ajuda de Elias, você passa um bom tempo resolvendo tretas pra avançar no complexo penitenciário da CJU. No caminho você encontra logs com texto, foto e aúdio (que infelizmente não dá pra ouvir enquanto segue andando, como em Dead Space) para saber o que aconteceu em diversos departamentos de Callisto, especialmente nos laboratórios. Ainda assim, demora bastante para compreender tudo o que aconteceu ali.
Você sabe que houve uma epidemia na Europa, que é um vírus muito perigoso, e só. Somente no último terço do game que as coisas começam a tomar forma, com a rebelde Dani Nakamura entrando efetivamente em cena. É quando a história realmente passa a importar, o que eu gostaria que ocorresse no game inteiro. No fim, você se vê mais passando por áreas apertadas, corredores e ambientes lineares, em busca de itens e sobrevivendo aos inimigos (e sustos), do que curtindo a trama.
Eu não tenho problemas com jogos lineares. Neste gênero eu até prefiro que seja assim, sem prolongar a campanha com repetições. Mas senti que não houve a devida atenção com a história, que por muito tempo fica em segundo plano salvo algumas trocas de diálogos. Além de previsível, ela não escapa de clichês como cientistas metendo o nariz onde não deve e mensagens escritas com sangue nas paredes.
Notei também algumas outras falhas, como um inimigo sem os braços me matar – durante a animação de morte – com mãos que não existem mais. Em outro exemplo, corri por áreas infestadas até a próxima porta e me safar, para depois retornar e ver que todos os inimigos haviam sumido sem qualquer explicação. Em alguns casos eles usam os dutos pra chegar até você, o que é ótimo pra manter o tensão, mas nem sempre isso acontece. Rolou também de eu morrer ao mesmo tempo que o inimigo e, ao reiniciar, não ter mais nenhuma ameaça no local.
Há estranhezas até na impressora 3D. Ela é bem detalhada, sendo legal demais assistir a construção e melhoria do arsenal. Porém não dá pra comprar munição em grande quantidade de uma só vez, por exemplo. Também não há opção para vender uma arma que você não usa para recuperar créditos e reinvestir nas suas favoritas, mesmo que se arrependa e a compre de volta depois.
Tem a questão estética também, com acessórios sendo impressos diretamente nas armas. Mas indo na contramão dessa ideia, o bastão de choque não muda nunca de visual, a não ser pela cor de sua corrente elétrica. Não custava adicionar algumas mudanças em seu corpo. Outro detalhe é que as variações de pistolas e uma das espingardas (Skunk) confundem o jogador no menu de troca rápida, por conta da semelhança nos desenhos. Direto eu trocava pra a arma errada e morria no processo por não ter munição.
Semelhanças demais e um único grande confronto
The Callisto Protocol é inegavelmente parecido com Dead Space. A ambientação sombria e tecnológica, o posicionamento da câmera, o inventário projetado holograficamente, a HUD no corpo do protagonista, o pisão no chão, mover objetos controlando a gravidade, desmembrar inimigos, tem tudo isso. O jogo ao menos consegue trazer suas próprias inovações, como inimigos que podem ser despedaçados em camadas. Seu corpo pode ser dustruído de várias formas, revelando até as entranhas e ossos. E a movimentação das criaturas é um show à parte, muito bem feito.
Com cerca de 10 horas de duração, isso explorando e morrendo muito, a campanha entrega uma experiência bastante imersiva. E só uma pena que o combate, em vários trechos, segure tanto o jogador pela dificuldade elevada. Morrer faz parte, mas a paciência esgota rápido em áreas em que você é obrigado a fazer a limpa. E olha que alguns tipos de inimigos finalizam Jacob com uma animação de morte mais longa. É como tomar fatality toda hora, tendo que esperar uns 10 segundos pra voltar a jogar.
É frustrante também quando acaba a munição de todas as armas e lhe resta apenas o combate corpo a corpo. Isso se intensifica contra inimigos fortes, como o “Duas Cabeças”, que demora uma eternidade pra morrer e o GAR não funciona contra ele. Minha saída foi carregar um save manual próximo da impressora 3D e gastar créditos com munição, pra ter mais chance de sobreviver. E fazendo essa escolha várias vezes, pra balancear o combate, fui perdendo a chance de novos upgrades nas armas.
Chefões? Sinto lhe informar, mas The Callisto Protocol só tem um chefão e no final. É legal, dá trabalho para vencê-lo, mas preferia que houvessem uns quatro ao longo da campanha. Dead Space dá um show nesse quesito. O jogo da Visceral Games é mais interessante também no gameplay, com armas muito distintas e com as melhorias do protagonista acontecendo de forma bastante visual, com seu traje espacial mudando aos poucos. A armadura de Jacob é uma só, que o protege do frio intenso do lado externo e passa a ficar com você até o fim da jornada, mas sem possibilidade de melhorias.
The Callisto Protocol oferece uma experiência única, bastante imersiva. Um survival horror recheado de ação e até com sessões de furtividade. Seu desafio é propositalmente alto, mas a satisfação vem no mesmo nível. Só lamento a história ser tão simplória e manjada, com um desfecho claramente pensado para haver uma continuação – com a vindoura expansão. Fico na expectativa para uma boa conclusão, com mais momentos de clímax e, quem sabe, um final feliz para Jacob.