Faz 17 anos que as bombas caíram. 17 anos desde que Joseph Seed passou de louco a profeta. A seita que todos achavam ser formada por loucos, por pessoas perdidas e desmioladas estava no caminho certo e protegeu seus habitantes. Mas um novo amanhecer está por vir e a esperança está de volta em Hope County.
A Ubisoft Montreal traz a nós Far Cry New Dawn, um spin-off de Far Cry 5, seguindo sua linha narrativa e tendo como canône um dos dois possíveis finais do jogo. Como os jogos anteriores da série, Far Cry: New Dawn é um FPS de mundo aberto, agora também conhecido como clone de Doom e Rage. Ou, para pessoas lusófonas nascidas no século XXI, um jogo de tiro em primeira pessoa, com liberdade para se movimentar em um mapa de proporções épicas.
Bombs Ahoy!
Caso você não saiba o que acontece nos finais de Far Cry 5, desculpe-me por ter mandado um spoiler ali em cima. É que o texto daquele jeito fica tão dramático que não resisti. Mas vamos lá, segue o jogo. Far Cry: New Dawn escolhe um dos finais e toma como verdadeiro. As bombas nucleares caíram e o mundo caiu em um inverno nuclear.
Dezessete anos se passaram e as pessoas já estão novamente vivendo sobre o solo terrestre. A natureza tomou conta de boa parte de tudo o que existia. Os animais não são mais como os conhecíamos. Maiores, mais raivosos, mais brilhantes. O mundo todo está em uma gradação de cor mais vívida. Devo admitir que gostei.
Mais uma vez, Far Cry: New Dawn te dá a opção de escolher o sexo e a aparência do protagonista que você viverá, mas não faz muita diferença além de poucas cenas que podemos ver o corpinho em terceira pessoa. Faz tão pouca diferença que, na maior parte do tempo, tanto as legendas quanto a dublagem não levam em consideração o sexo do personagem, exibindo as opções para o sexo masculino independentemente da escolha feita.
Mesmo levando em conta a crítica da falta de adaptabilidade das interações dos NPCs com a personagem principal, vale ressaltar que a dublagem e a localização brasileira ficaram absolutamente incríveis, tanto na qualidade das interpretações, quanto na variedade de dubladores, quanto no trabalho de sincronia. Fora a quantidade absurda e maravilhosa de palavrões. Todos nos seus devidos lugares.
Além disso, quando paramos para analisar os NPCs padrão, aqueles que estão mais ao redor dos acontecimentos principais e até além deles, vendo também os que ficam mais afastados, mais periféricos, o que podemos ver é uma bela distribuição no que tange à representatividade. Considerando que os Estados Unidos também são um país relativamente miscigenado, considero importante levar em conta a presença de personagens representando toda a escala Pantone e todos os possíveis formatos de seres humanos.
Pegando embalo nesse lindo bonde, a customização do personagem principal, desde sua criação, é muito boa. Uma grande gama de formas, cores e tipos de rostos estão disponíveis, assim como cabelos e barbas (tanto para homens quanto mulheres), porém vale dizer que estes estão com uma qualidade gráfica bem ruim ainda – dá pra ver os tufos de cabelos flutuando acima da cabeça.
Vamos à narrativa. Tomamos o papel de um dos homens de confiança de Thomas Rush, uma espécie de Bob, o Construtor deste mundo pós-apocalíptico em recuperação. Indo de cidadela em cidadela, atendemos o pedido de Carmina Rye para reconstruir Hope County. O problema chega quando encontramos os Salteadores.
Mickey e Lou, ou Pepê e Neném (brincadeira em que até as reais embarcaram), são as líderes dos Salteadores da região. Um grupo de pessoas que não sei nem se posso considerar como foras-da-lei, porque não sei nem se existe lei neste mundão… De qualquer forma, são pessoas habituadas a matar, roubar, saquear, torturar e todo um rol de atividades agressivas e destrutivas. Gente boa demais.
Um ponto que devo dizer que elas podem não ser tão ruins assim, porque desde o primeiro contato, suas caixas de som vieram estourando Die Antwoord, e todo mundo sabe que não tem como não gostar de alguém que ouve Die Antwoord. Adiciono: #FikDik ouçam Die Antwoord.
Em se tratando de músicas, todas as faixas que aparecem nos veículos ou nas proximidades dos Salteadores são muito boas e condizem muito bem com universo proposto, além de serem gostosas de ouvir, independentemente do gênero. Já a trilha instrumental composta para o jogo deixa muito a desejar: genérica, fraca e quase imperceptível. Quando dá para perceber, decepciona.
Prosperidade em Prosperity
Para revitalizar Hope County, tomamos como base Prosperity, uma espécie de forte murado onde reuniram uma centena de sobreviventes, cada um com sua especialidade e todos buscando uma nova vida. Com o objetivo de fazer Prosperity prosperar (perdão pelo trocadilho vagabundo), podemos aprimorar várias partes da base, como o jardim medicinal, a garagem ou a mesa de construção de armas. Conforme você vai melhorando o ferramental, diversos suprimentos vão sendo oferecidos para facilitar sua vida enfrentando os Salteadores.
As melhorias da base, assim como outros diversos pontos de Far Cry: New Dawn dividem-se em tiers ou níveis indo de I a III e Elite. Essas divisões vão desde as classificações das construções de Prosperity, até as armas e carros que você pode construir, indo até os inimigos que você se depara no caminho, sejam eles humanos ou animais (ou outras coisas).
Isso gera efeitos positivos e negativos. Como ponto positivo temos uma alimentação do instinto do jogador de melhorar suas construções, suas estruturas em prol de alcançar itens melhores. O lado negativo é que o jogo basicamente proíbe que o jogador seja melhor do que o desafio que é proposto para ele e decida seguir no seu próprio caminho antes de aprimorar a base e, principalmente, suas armas.
Separando os inimigos em níveis, Far Cry: New Dawn coloca Salteadores com armaduras e proteções com graus de magnitude acima do nível abaixo e, caso você não tenha completado objetivos paralelos o suficiente, pode desistir. Não dá para conseguir vencer um desafio maior simplesmente porque você é um jogador melhor. O jogo não deixa.
Visualmente fica uma situação estranha porque, por padrão, o jogo exibe os números dos danos causados aos inimigos – o que eu já acho que é um baita problema por si só. Já a proporção na qual os números caem é aviltante. Para resolver isso de uma forma mais rápida, Far Cry: New Dawn te mostra mais um vidrinho de veneno: microtransações. Caso queira acelerar o avanço melhorando suas armas e veículos, fique à vontade para pagar uma quantidade absurda. Por fim, ridículo.
Um ponto bem aprazível de Far Cry 5 está de volta em Far Cry: New Dawn, porém ainda melhor. Companheiros humanos e animais para te acompanhar em suas aventuras do barulho, principalmente com o objetivo de não acertar nenhum tiro e servir basicamente para serem engraçados, desajeitados e te salvar quando você está caído.
Como variação à fórmula, quando um de seus companheiros vem a falecer, para poder reavivá-los e ter de volta no rol de armas de aluguel é preciso gastar uma certa quantidade de recursos, como se estivesse gastando kits médicos para curá-los, o que dá uma sensação de que não são só buchas de canhão que não precisam de algum cuidado.
Outra adição muito bem vinda são as expedições. São missões separadas de Hope County, espalhadas por todo os Estados Unidos, onde se visita desde parque de diversões a porta-aviões em busca de pacotes muito bem vigiados. O objetivo é entrar, seguir a fumaça cor-de-rosa, encontrar o pacote, bater e correr por sua vida quando a extração chegar.
Uma vez que você alcança o prêmio, o GPS contido nele se ativa e você se torna alvo de toda e qualquer alma viva nas proximidades. Pelos próximos 2 minutos, você vai precisar chegar no ponto de extração dito pelo piloto do helicóptero enquanto uma enxurrada de gente e bala vem na sua direção.
Tanto as expedições quanto tomadas de postos avançados podem ser refeitos em níveis de dificuldade maiores para conseguir ainda mais recompensas. Desde que você tenha alcançado o nível que o jogo coloca como dificuldade base, vai ser possível. Nem sempre fácil, mas possível e com certeza divertido.
De um lado muito bom, Far Cry: New Dawn traz de sobra o que faltou para mim em Far Cry 5: personalidade. Desde as construções coloridas e desenhadas, até os animais realistas e mutados, passando pelas armas montadas com os materiais possíveis, chegando ao ponto mais importante os vilões.
Como vilãs, Mickey e Lou são carismáticas, às vezes irritantes, mas bem dubladas, agressivas e assustadoras, absolutamente como deveriam ser. Supre algo que também faltou em Far Cry 5. Em compensação, um velho conhecido reaparece às portas do Éden (não vou citar nome por causa de spoilers, porém entendedores entenderão), mas perde parte do seu glamour com a dublagem. Deixando claro, a dublagem de todos é muito boa, mas esse personagem em especial perde um pouco da força que tinha.
Finalizando, Far Cry: New Dawn consegue ser mais do que Far Cry 5 foi capaz. Carismático, divertido, crítico, interessante. Bem feito, bem cuidado, e com uma das melhores localizações que já experienciei. Tem algumas falhas de ritmo e batalhas de chefe entediantes, mas nada que tire tanto assim o prazer de gastar um pente de metralhadora todo de uma vez como John Rambo tanto fez. A experiência só não supera o fantasma de Far Cry 3.