Review – Dreamed Away

Quando Dreamed Away foi revelado em 2023, incluindo uma demo no Steam, eu logo me empolguei com o potencial deste RPG. Não apenas por se inspirar em um dos meus jogos favoritos, Earthbound (SNES), mas também por misturar o gênero com terror psicológico e possuir sua própria identidade. Em 2024, foi aberta uma campanha no Kickstarter e o jogo foi financiado com valor acima da meta, chegando nos 160%. Três anos após o início do desenvolvimento, Dreamed Away finalmente saiu para PC, Switch e Xbox.

Produzido quase que totalmente por uma única pessoa, Nicolas Petton, e utilizando a engine open source Godot, este jogo esbanja capricho em vários aspectos. Aliás, não se deixe enganar pelo pixel art fofinho: Dreamed Away apresenta uma jornada densa, que costura a realidade com a fantasia de um jeito bastante sombrio e inesperado.

Sonhando acordado

Ambientado na França dos anos 90, na cidade da Bretanha, a história conta a jornada de Théo em busca de sua irmã Louise. Ela e seus pais desapareceram misteriosamente durante uma noite chuvosa. Sua casa, antes aconchegante, se transforma em um espaço sombrio e com a aparição de… fantasmas? O espelho deixa de refletir sua imagem, o telefone não funciona, o relógio gira loucamente e tudo parece estar errado. É nesta situação temerosa que o jogador começa sua jornada pela cidade e arredores.

A exploração permite interagir com bastante coisa, embora exista uma linearidade em prol da história. O pixel art do jogo é belíssimo, esbanjando capricho nos mínimos detalhes como efeitos de iluminação, partículas e paralaxes que aumentam a imersão. Há uma boa variedade de cenários, saindo da obviedade que se espera e indo, por exemplo, para debaixo do mar – com direito à exploração usando um escafandro e gerenciando oxigênio. Neste quesito o jogo se assemelha bastante à Mother 3 (GBA), mas sempre apresentando suas próprias ideias. Daria para chamar de sucessor espiritual, se não fosse a história mais sombria e com trechos realmente pertubadores – como ser perseguido por uma figura que se assemelha à morte.

A história, muito bem contada, não entrega nenhuma explicação de bandeja. Você passa horas sem saber o que realmente está acontecendo, mesmo com novos NPCs sendo introduzidos para revelar algum contexto. Aliás, as personagens possuem personalidades peculiares, promovendo diálogos que equilibram o terror com humor. Um exemplo são os Korrigan, gnomos que vivem aprontando ao longo do game mas dando recompensas valiosas. Uma forma eficaz de deixar Théo (e o jogador) mais calmo, uma vez que sempre que encontra sua irmã ele a perde de vista por força maior.

Combate escasso, mas divertido

O combate de Dreamed Away se inspira em Undertale, com o jogador executando duas mecânicas diferentes para se defender do ataque inimigo: acertando uma sequência rítmica de setas ou desviando de projéteis pela tela. Para o ataque, é necessário acertar o centro de uma barra. Quanto mais longe do centro, mais fraco seu golpe sai. Acertando perfeitamente ao centro, você pode realizar outro ataque e assim criar um combo, que aumenta progressivamente de acordo com seu equipamento. Théo pode equipar itens diferentes como arma, defesa e utilidade. Este último confere um bônus na batalha, como por exemplo jogar uma pedra que causa dano extra no final do seu turno.

Assim como em Earthbound, você vê o inimigo indo até você e, se estiver de costas, a batalha começa em desvantagem. De modo geral, a dificuldade mora em acertar o combo de golpes e em desviar dos ataques, independente do seu nível atual e do HP do inimigo. Por se tratar de uma aventura solo, sem party com outras personagens, Théo sempre enfrentará um inimigo por vez. Nada de acumular inimigos vindo em sua direção.

Por conta desta decisão de game design, o combate não é frequente. O foco está realmente na história, embora Dreamed Away não o impeça de fazer grinding. Tem os elementos de RPG, como mudar seus equipamentos e habilidade especial quando convier, só não é a coisa mais importante do game. Tal decisão pode cansar o jogador pela falta de ação em muitos trechos. A variedade de inimigos também é relativamente pequena, mas isso não chega a tirar a diversão do combate. Até porque cada inimigo é único e possui uma variedade de ataques que inclusive pode desencadear um efeito negativo em Théo, como tremedeira.

Puzzles diversificados

O jogo oferece puzzles bem inteligentes, criando um desafio extra para intercalar entre exploração e combate. São bem equilibrados, felizmente nada super complexo para manter o jogador propositalmente preso em alguma parte e prolongar a duração do jogo. São apresentados nos momentos certos e sem quebrar o ritmo da jornada. Há inclusive um arcade de puzzles com fases, este sim bem desafiador. Outro ponto forte é a trilha sonora, extremamente eficaz na atmosfera do jogo. Um misto de músicas aconchegantes com outras de pura tensão.

Minhas únicas críticas ao game ficam para alguns problemas de colisão, como em um trecho que você navega com um barco e acessa ilhotas, alguns erros de tradução em Português do Brasil, e a ausência de distinção de trilha sonora quando Théo sobe de nível após terminar o combate. Detalhes que podem ser facilmente corrigidos em futuras atualizações.

É evidente o carinho investido em Dreamed Away. Um jogo com alma, carisma e uma excelente história. E mesmo se inspirando fortamente em Earthbound e Undertale, consegue entregar um jogo distinto e com suas próprias qualidades ainda que tenha curta duração. Um RPG recomendadíssimo pra quem procura algo diferente, perfeito pra jogar no Steam Deck ou no Nintendo Switch.