A Retroware conseguiu um feito curioso com Angry Video Game Nerd 8-bit. Transformou o personagem que ficou famoso por destroçar jogos ruins dos anos 80 e 90 em protagonista de uma experiência que replica com precisão cirúrgica tanto as virtudes quanto os vícios daquela era. O resultado é uma carta de amor envenenada aos clássicos da era 8-bit, desenvolvido pela Programancer e Mega Cat Studios, que entendem perfeitamente o que torna os jogos do NES memoráveis, mas também não hesita em reproduzir suas frustrações mais notórias.
O jogo chega agora em outubro para todas as plataformas além de ganhar uma versão física em cartucho para o Nintendo Entertainment System (NES) através da Limited Run Games, em uma edição genuinamente funcional no hardware de 1983, o que adiciona uma camada extra de autenticidade ao projeto.
O inferno pixelado voltou
Confesso que não sabia o que era Angry Video Game Nerd até ouvir falar desse jogo, inclusive ficando por fora dos lançamentos anteriores em formato plataforma 16-bit, me surpreendendo com o início do jogo em que Super Mecha Death Christ 2000 B.C. Version 4.0 Beta invade o quarto do Nerd e corrompe seu console NES, espalhando um vírus que ameaça transformar todos os jogos do mundo em experiências terríveis. A solução? Criar o cartucho definitivo usando o poder dos piores jogos que o Nerd já enfrentou em sua trajetória, numa premissa que funciona como episódio interativo da série, completo com cutscenes em vídeo real que capturam perfeitamente o humor ácido e vocabulário característico de James Rolfe.

Diferente de títulos narrativos modernos, aqui a história serve apenas como moldura para a ação. As cutscenes em Full Motion Video remetem aos jogos de Sega CD e conseguem algo raro para que o jogador consiga sentir como se estivesse participando ativamente de um episódio autêntico do AVGN, sem as amarras do algoritmo do YouTube que hoje limitam o conteúdo da série.
Ao começar Angry Video Game Nerd 8-bit, você notará que a estrutura do jogo bebe diretamente de Mega Man como sua principal fonte. Uma tela de seleção apresenta seis estágios que podem ser enfrentados em qualquer ordem, cada um terminando com um chefe temático inspirado em episódios clássicos da série. Specimen, F-14 Tomcat, Festerdrome, Letule, Shit-Spitter e T.P. aguardam nos finais de níveis que parodiam Ghosts ‘n Goblins, Top Gun, Fester’s Quest, Dr. Jekyll and Mr. Hyde e E.T. Após derrotar os seis, o confronto final contra Super Mecha Death Christ 2000 B.C. Version 4.1 Unstable Beta acontece no Glitch Abyss.

No entanto, aqui está a grande diferença em relação ao jogo que serve como principal inspiração, o protagonista não absorve os poderes dos chefes derrotados. O arsenal do AVGN permanece consistente ao longo da jornada, baseado na icônica Zapper laranja do NES. Power-ups espalhados pelos estágios melhoram temporariamente o armamento, evoluindo de tiros simples para tiros que preenchem a tela, até chegar ao Super Scope, do Super Nintendo. O problema é que qualquer dano recebido reduz o nível de poder da arma e morrer significa voltar ao básico absoluto, criando ciclos frustrantes de progresso e regressão.
Diversão, nostalgia ou tortura?
Se a dificuldade do jogo pode frustrar, principalmente por propositalmente ser datado, a jogabilidade é simples e economiza nos controles. Você contará apenas com correr, pular, atirar e deslizar, sem poder mirar para cima ou diagonais. Confesso que muitas horas passei mais nervoso jogando, talvez essa seja a proposta original, do que realmente me divertindo pela maneira crua como o jogo se apresenta.

Os estágios apresentam múltiplas seções repletas de armadilhas, fossos sem fundo, inimigos com padrões de ataque variados e plataformas que desaparecem. Alguns adversários investem diretamente enquanto outros bombardeiam com projéteis, exigindo adaptação constante, sem contar o respawn ao retornar porções da tela. Mesmo na dificuldade mais baixa, o sistema de knockback concede breves frames de invulnerabilidade após receber dano, mas que também pode te arremessar em precipícios.
Me surpreendi positivamente ao perceber que rotas alternativas permitem exploração, mesmo que limitada, embora o design linear prevaleça e leve sempre ao mini boss antes de enfrentar a real ameaça de cada fase. A ausência de upgrades permanentes ou poderes roubados de chefes distingue o título de sua principal inspiração, mas também limita a sensação de evolução e experimentação estratégica que tornava Mega Man tão satisfatório.

Comparado aos jogos anteriores da franquia AVGN, Angry Video Game Nerd 8-bit representa uma mudança significativa, em que jogos de plataformas muito difíceis usavam o humor autodepreciativo sobre game design ruim. Na versão 8-bit não há mapa de mundo, sistema de habilidades progressivas ou mecânicas modernas de qualidade de vida, por conta das limitações técnicas de um cartucho NES real, numa decisão corajosa que agradará os fãs nostálgicos mais puristas, mas frustrará quem esperava uma continuidade na fórmula estabelecida.
Uma carta de amor ao NES
A maior evolução da franquia está na integração com o universo AVGN, fazendo com que esse jogo seja pensado inteiramente como um episódio da série. As cutscenes em live-action com James Rolfe elevam a produção, criando contexto narrativo que os títulos anteriores nunca priorizaram, e valorizando a franquia para ir além apenas da dificuldade cruel, explorando a personalidade única do personagem.

Angry Video Game Nerd 8-bit brilha em seu compromisso estético com a era 8-bit, trazendo uma paleta de cores limitada, sprites pixelizados, cintilação de objetos na tela e aquele tremor característico de TVs de tubo mal sintonizadas. Não é uma interpretação moderna do que parece se 8-bit, mas sim uma reprodução fiel das limitações técnicas do NES.
Já na trilha sonora, temos exatamente o esperado, com chiptune autêntico utilizando os canais de áudio do processador de som do NES em composições energéticas e adequadas ao ritmo frenético da ação, evocando clássicos de Capcom e Konami. Cada estágio possui tema próprio que combina com a ambientação visual.

Toda autenticidade de Angry Video Game Nerd 8-bit também significa herdar não apenas o charme, mas também as decisões questionáveis de design daquela era, fazendo com que a dificuldade seja desafiadora e injusta. Inimigos aparecem sem aviso adequado, plataformas desaparecem em momentos críticos, e chefes possuem padrões irregulares que parecem aleatórios.
Angry Video Game Nerd 8-bit é um projeto de nicho executado com competência técnica admirável, proporcionando uma experiência legítima de NES em pleno 2025, com todas as implicações positivas e negativas que isso carrega. Para devotos de James Rolfe e puristas de jogos 8-bit genuínos, esse é um título essencial na coleção. Infelizmente a jogabilidade autêntica de 1987 não necessariamente significa diversão em 2025, exigindo paciência, tolerância à frustração e disposição para aceitar design antiquado como característica, não defeito.
Prós:
🔺Autenticidade impecável
🔺Desafio old school e de alto nível
🔺Visual perfeito e nostálgico
🔺Trilha sonora viciante
Contras:
🔻Jogo com duração muito curta
🔻Controles simples não oferecem liberdade
🔻Dificuldade injusta aos padrões atuais
🔻Jogo com foco em público restrito
Ficha Técnica:
Lançamento: 23/10/25
Desenvolvedora: Programancer, Mega Cat Studios
Distribuidora: Retroware
Plataformas: PC, PS5, Switch, Xbox Series
Testado no: PC


