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Há algo de profundamente humano em tentar preservar lembranças. Guardamos histórias, transformamos pessoas em mitos e criamos deuses a partir de versões idealizadas do que já fomos. 1000xRESIST nasce desse impulso – e vai te confundir enquanto te conduz pelas memórias de Íris, a Grande Mãe.

Neste visual novel produzido pela Sunset Visitor, você vai conhecer uma aventura de ficção científica profundamente intrigante. O título, lançado originalmente em 2024 para PC e Nintendo Switch, chega agora ao PlayStation 5 e Xbox Series com boas novidades: desempenho aprimorado e localização em português, o que ajuda muito na compreensão dessa narrativa densa e simbólica.

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Ecos de quem fomos

Mil anos no futuro, quando o mundo já não pertence mais aos humanos, um grupo de clones vive no subterrâneo, sustentando uma fé inabalável na figura de Íris, a mulher que teria salvo a humanidade da extinção. Cada clone é uma variação de sua herança genética, uma sombra de seu passado. Entre elas está Observadora, a que observa, a que começa a duvidar – e é através de seus olhos que revisitamos memórias, desvendamos segredos e testemunhamos a lenta corrosão de uma crença.

A narrativa se constrói como um mosaico de lembranças quebradas. 1000xRESIST não é linear, nem tenta ser: ele se move em camadas, alternando entre presente e passado, verdade e invenção. O ritual de Comunhão, que permite mergulhar nas memórias de Íris, é o que sustenta toda a estrutura narrativa.

Cada retorno ao passado é uma nova chance de reorganizar os fragmentos, de ver o mesmo acontecimento sob outra perspectiva e, devagar, perceber que nenhuma lembrança é realmente confiável. Honestamente, em alguns momentos senti como se estivesse em uma experiência semelhante as descobertas dos gêmeos, Tyler e Alyson em Tell Me Why.

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É aqui que o jogo brilha. Ele não quer que o jogador entenda tudo de imediato, quer que você se perca, duvide e crie suas próprias interpretações. O mundo apresentado é cheio de vozes em conflito, e cada uma delas defende uma verdade parcial. A Grande Mãe é santa, mas também tirana. As clones são devotas, mas também prisioneiras. E a Observadora, ao mesmo tempo que cumpre seu dever, é também rebelde – uma faísca que ameaça romper o ciclo.

As memórias e a fé de 1000xRESIST

A proposta de 1000xRESIST está mais próxima de uma peça teatral interativa do que de um jogo tradicional, e esse é seu maior desafio para conquistar o público. Os movimentos são simples: caminhar, ouvir, reviver memórias. Não há combate, puzzles complexos ou sistemas que desviem do foco narrativo. Tudo é conduzido pela palavra – pelo peso do que é dito e pelo silêncio que fica entre uma frase e outra. Desta forma, não espere ação e comandos complexos, em vez disso, esteja preparado para muitos diálogos.

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Essa escolha de mecânicas cobra seu preço. O jogo pode se tornar monótono em alguns trechos, especialmente quando as longas conversas não são acompanhadas de expressões ou gestos que reforcem a emoção dos diálogos. As animações são funcionais, mas pouco elaboradas, o que faz com que certas cenas pareçam distantes, sutis – como se estivéssemos assistindo a lembranças congeladas no tempo.

Além disso, há transições que acontecem de forma abrupta, mudando de cena sem contexto claro, o que quebra o ritmo e enfraquece a continuidade narrativa. Essa fragmentação pode até ser interpretada como parte da proposta, afinal, o jogo fala sobre memórias falhas, mas às vezes o resultado é apenas confuso.

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Visualmente, 1000xRESIST tem uma identidade particular que agrada mesmo sem deslumbrar. O design dos ambientes do Pomar, com suas formas quase orgânicas e iluminação espectral, reforça a sensação de estar dentro de um sonho ou de uma lembrança reconstruída.

Ainda assim, o visual não chega a impressionar. É estilizado e coerente com a proposta, mas longe de ser marcante. Os modelos de personagens, humanos mas estranhamente artificiais, reforçam o desconforto de um mundo que vive apenas através de cópias.

A direção de arte compensa a simplicidade técnica com escolhas cromáticas ousadas, alternando tons frios e vermelhos saturados, quase como se quisesse tornar visível a tensão entre devoção e decadência. O resultado é um universo que parece existir entre o real e o simbólico – não bonito no sentido clássico, mas perturbador o bastante para permanecer na memória.

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Verdades que se desfazem

1000xRESIST fala sobre o perigo de acreditar demais. Sobre como a fé pode se transformar em prisão, e a memória, em ferramenta de controle. É uma ficção científica, que mexe com uma de nossas características mais sensíveis, somos feitos de memórias e também agimos por elas. Isso nos prende e nos instiga a descobrir cada vez mais. É uma poesia interativa sobre crença, identidade e repetição, e é nesse ponto que o jogo mais se destaca.

Sem querer spoilers demais, as clones veneram Íris como salvadora, mas quanto mais você mergulha nas memórias dela, mais percebe as rachaduras no mito. Essa tensão entre fé e dúvida sustenta todo o jogo. Não há respostas fáceis, nem um final que feche tudo com segurança. Em vez disso, há um convite à reflexão: o que escolhemos lembrar e o que preferimos esquecer?

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No PlayStation 5, 1000xRESIST mantém toda sua estética e narrativa, funcionando de forma fluida e acessível. Inclusive com opções para priorizar o desempenho ou a qualidade. Em versões anteriores, jogadores relataram travamentos e quedas de frame – problemas que aqui praticamente desaparecem.

O desempenho é muito bom, os tempos de carregamento são rápidos, e a inclusão de legendas em português aproxima a experiência e amplia o alcance emocional da história. O DualSense contribui de forma discreta, com vibrações sutis que acompanham momentos de tensão ou conexão mental – pequenos gestos que reforçam a imersão sem distrair o jogador. Ainda que o visual não impressione tecnicamente, o conjunto é coerente e estável, tornando esta a versão mais refinada de se jogar.

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Seu tempo revivendo as memórias de Íris é valioso e faz jus a todos os reconhecimentos que o jogo vem recebendo, incluindo o prêmio Peabody. 1000xRESIST é menos sobre jogar e mais sobre sentir. É uma obra sobre o ato de recordar e sobre o preço de construir identidade a partir do que já se perdeu. Sua mensagem é poderosa e é uma pena que o ritmo vacile: há momentos de intensidade emocional e outros em que o jogo parece preso em sua própria lentidão.

Esse desequilíbrio pode afastar parte do público, mas também é o que torna o jogo único. As limitações de animação e ritmo tiram parte do impacto que a narrativa merecia ter, mas há algo de profundamente autêntico em sua proposta. 1000xRESIST deixa uma marca – não pela grandiosidade técnica, mas pela forma como nos faz questionar o que é ser humano quando tudo o que resta são ecos do passado.

81 %


Prós:

🔺Narrativa densa, emocional e cheia de simbolismos
🔺Estrutura narrativa não linear que estimula a interpretação e reflexão
🔺A localização em português é muito bem-vinda, facilitando a imersão
🔺Direção de arte atmosférica, mesmo sem ser tecnicamente impressionante

Contras:

🔻O ritmo pode ser lento
🔻As animações são um tanto simples
🔻Transições abruptas entre cenas prejudicam a fluidez da narrativa
🔻Podia haver puzzles mais elaborados


Ficha Técnica:

Lançamento: 04/11/2025
Desenvolvedora: Sunset Visitor
Distribuidora: Fellow Traveller
Plataformas: PS5, Xbox Series, PC, Switch
Testado no: PS5