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Em 2003, quando os jogos de browser ferviam na internet, um game passou despercebido pelo meu radar: Kingdom of Loathing. O jogo grátis da Asymmetric aproveitou a onda da simplicidade de criações que bombavam em sites como Newgrounds, como a série Xiao Xiao, para lançar seu RPG de aventura. Mas diferente das animações com homem palito, Kingdom of Loathing usa sua simplicidade em prol do humor. O sucesso foi tanto que até hoje o game recebe atualizações.

Ano passado, West of Loathing surgiu como um spin-off ambientado no velho oeste, angariando novos fãs no Steam. Não demorou pros desenvolvedores portarem o jogo pro Switch, o qual foi lançado recentemente. Ao conferir o game, eu sinceramente não esperava algo muito elaborado se tratando de um RPG. Eu estava enganado.

Revirando escarradeiras

Não se deixe enganar pelo visual simples e em preto e branco de West of Loathing. Por trás disso tudo há uma camada bem elaborada de RPG. Você começa a aventura criando um personagem e escolhe uma das três classes disponíveis: socador de vacas, lançador de feijões ou lubrificador de cobras. Cada uma oferece habilidades que lhe acompanham até o final do game. Fui de lubrificador de cobras, que permite usar cobras como chicote, parceira de batalha e criar veneno pra usar contra os adversários.

Imagem do jogo West of Loathing
Sim, você está vendo um cavalo fantasma e outro embriagado.

Ao sair da asa dos pais, seu primeiro passo é ir para cidade grande tentar a sorte. Ao chegar em Dirtwater, você descobre que a coisa anda bem mal e se oferece para resolver os problemas: prender foras da lei, lidar com goblins nada inteligentes, explorar minas invadidas, enfrentar vacas demoníacas, dar uma surra em palhaços trambiqueiros… Enfim, coisas habituais daquela época.

Os diálogos ocorrem em janelas, muitas vezes oferecendo escolhas para obter mais detalhes, descobrir locais no mapa ou tomar decisões. Em todos os casos, inclusive quando se interage com objetos nos cenários, o humor impera em casa frase. Até as descrições de mestre de RPG, em complemento aos diálogos, são muito engraçadas. E por falar em vasculhar os cenários, algo indispensável no gênero, dá para fuçar em escarradeiras (aqueles potes em que as pessoas cospem dentro) em busca de itens obviamente nojentos, mas valiosos.

Dirtwater é a cidade grande do mapa, onde você conhece a parceira Susie (que odeia vacas), dorme na hospedagem do bar, compra coisas, visita o correio (pra manter contato com o irmão Rufus e abrir o armário de correspondências com chaves adquiridas) e pega as missões pra encher a cadeia. Estes são os quatro estabelecimentos iniciais da cidade, que vai sendo ampliada conforme você convence pessoas a abrirem negócios por lá, como uma loja de couro e uma fábrica de cerveja.

Imagem do jogo West of Loathing
Dirtwater prosperando, com novos estabelecimentos pra visitar.

Ganhando moral no velho oeste

Além da habilidade escolhida no início do jogo, West of Loathing abre oportunidades para aprender outras coisas como trapacear, abrir fechaduras e fazer alquimia. Boa parte se aprende lendo livros encontrados durante a aventura, mas é preciso ter muito cuidado com os livros de magia negra: alguns deles dão status negativos permanentes. Você evolui seu personagem gastando XP em status tradicionais, aqui com outros nomes para denominar força, habilidade com magias, alcance da mira e por aí vai. Você também gasta seus pontos nas novas habilidades aprendidas, que evoluem até o nível 3 ou 5 e fica mais cara a cada upgrade. Mas ganhar XP não será problema: até dar descarga na privada dá XP!

A moeda do jogo são pedaços de carne, a qual você torra em lojas pra adquirir itens importantes. Grande parte dos itens você consegue durante a exploração e batalhas, mas o atalho muitas vezes vale a pena, como comprar uma pá para cavar em locais com boas recompensas. Felizmente não há limite de itens no inventário e o filtro ajuda a não se perder diante de tanta tralha.

Imagem do jogo West of Loathing
Falando em tralha, pra que serve este estranho retângulo de vidro?

Seu personagem pode vestir e usar várias coisas: chapéu, calça, bota, lapela, pistola, arma branca, ornamento e anel. Cada item – geralmente apresentado da forma mais doida possível – lhe concede um status, como diminuir a frequência de encontros aleatórios ao navegar pelo mapa, aumentar o dano da pistola e obter resistência ao fedor. Ou seja, o que vale mesmo não é ser o mais poderoso possível, mas sim utilizar os itens corretos no momento certo. Até porque a dificuldade do game não é elevada.

Os combates ocorrem por turnos, em que você pode gastar pontos de ação (AP) antes de realizar um ataque. Susie utiliza uma espingarda, pode criar barreiras e imobilizar o adversário com um laço, por exemplo. A cada batalha vencida, a próxima se inicia com o HP da dupla restabelecido. Se morrer, retorna de onde parou somente com a penalidade de ter perdido os itens gastos em batalha e com o status de raiva. Este status é obtido também ao se render em eventos pelo mapa ou ao se insultar em frente do espelho. Pode parecer maluquice, mas este é um status positivo que, ao subir de nível (até 5), te deixa cada vez mais forte. Só não pode passar do nível máximo, senão você desmaia e perde tudo.

Imagem do jogo West of Loathing
Não me pergunte o que diabos está acontecendo aqui…

A profundida do jogo continua com a cacetada de diálogos com NPCs, cada um com uma história mais hilária que a outra, e a inclusão de quebra-cabeças e testes de lógica. A trama se desenvolve inclusive com uma boa pitada de ficção-científica, ao apresentar a existência de uma tecnologia alienígena a qual você precisa aprender o idioma para desvendar seus mistérios.

Meu filho que desenhou

Seguindo a proposta visual de West of Loathing, as animações de combate são igualmente toscas. E falo isso no bom sentido, já que o combate precisa ser rápido e dinâmico. Que dava pra Asymmetric ter caprichado mais, isso com certeza dava. Mas isso não muda em nada a experiência toda, até porque rolam piadas com a possível preguiça dos desenvolvedores. O que realmente me desanimou foi a pouca quantidade de chefões. O verdadeiro desafio mora nas batalhas contra mais de 5 inimigos.

Imagem do jogo West of Loathing
Agora sim a coisa complicou pra valer.

A falta de um log de missões também prejudica o andamento da aventura. Como há muitos diálogos com os NPCs, os quais te passam missões, fica difícil de lembrar tudo que precisa ser feito. Muitas vezes fiquei perdido sem saber pra onde ir no mapa, revisitando locais já explorados em busca da evolução da campanha. Isso se agrava ainda mais no último trecho a ser explorado no mapa, em Lonesome Coast. Salvo estes detalhes, o game funciona perfeitamente bem.

West of Loathing é um RPG mais do que obrigatório. Ele oferece um bom desafio e quebra-cabeças inteligentes, além da duração na medida certa para não enjoar (cerca de 10 horas). No Switch, a interface e controles foram bem adaptados, embora leve mais tempo para navegar entre os itens do inventário. É um jogão, pra rir do começo ao fim.

Review – Liberté

Rafael NeryRafael Nery09/12/2024