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Em Liberté, os desenvolvedores assumiram a grande responsabilidade em reinterpretar o marco que foi a Revolução Francesa, um dos períodos mais fascinantes e importantes da história mundial, misturando fatos reais e a distopia de uma Paris caótica e alternativa.

Desenvolvido pela Superstatic e publicado pela Anshar Publishing, esse lançamento que chega no finalzinho de 2024 traz em sua proposta a mistura de elementos de deck building, hack and slash, roguelite e terror numa proposta bastante ousada na tentativa de fugirem do padrão e transformarem o fim do Antigo Regime em um jogo único.

Liberté

Liberdade, igualdade e horror cósmico

Em Liberté, você assume o papel de René, um jovem preso entre as forças revolucionárias, uma monarquia decadente e um elemento fantástico: uma força sobrenatural que distorce a realidade. No papel de René que, por motivos desconhecidos, acaba sendo conectado à Lady Bliss, uma criatura Lovecraftiana que decidiu invadir a coroação do Príncipe Phillip e deixar a França sem um rei. Inspirando-se na história real para desenvolver uma versão alternativa em que a Revolução Francesa foi interrompida por esse acontecimento bizarro, enquanto você luta como escrava da mulher planta gigantesca para encontrar o governante perfeito para a França.

A trama é simples e a história flerta com a realidade para brincar com elementos que fazem parte dessa mitologia cthulesca de Lovecraft, mas sem se preocupar muito com a veracidade dos fatos ou personalidades, assim como muitos jogos AAA fazem (olá, Assassin’s Creed). O importante é ter em mente que esse plot inicial serve como justificativa para os desenvolvedores escolherem o gênero roguelite como base, pois René será ressucitado, sempre que falhar em sua missão, por conta do vínculo com a criatura cósmica.

Liberté

Já que o padrão do mercado exige um estilo de deck building para jogos desse tipo, Liberté também utiliza cards para complementar seu estilo ao mesmo tempo em que decide dar seu toque autoral ao jogo. As ações do protagonista seguem o estilo de hack and slash, utilizando os dois direcionais por conta da visão superior (quase isométrica), porém seus golpes especiais, habilidades e itens, são definidos pelas cartas que você ganha e equipa ao personagem.

Esse fator também influencia as skins que você pode equipar durante o jogo, transformando o visual e o estilo de gameplay do protagonista e mudando o tipo de ataque. René utiliza uma espada, Ana possui armas duplas, Victor ataca com seu machado, enquanto Flea está equipada com uma lança de ossos. Para isso, no início de cada ato, René deverá escolher uma facção para ganhar pontos de influência ao completar objetivos para a Igreja, a Tribo, o Príncipe e os Rebeldes, recebendo skins e outros itens, além de muitas cartas, como recompensas.

Liberté

O diferente nisso tudo está em como você utiliza seu deck, que pode conter até 40 cartas, mas que não será utilizado totalmente durante um ato ou run. Você receberá cartas aleatórias, ao pilhar destroços, derrotar inimigos ou subindo de nível, e para utilizá-las as próprias cartas precisarão ser queimadas para obtenção de mana, fazendo com que seu custo seja a quantidade de energia disponível para você adicionar a carta ao personagem. Parece complicado, mas não é! No entanto, esse nível extra de estratégia deixou o jogo desnecessariamente complexo e fazendo com que o fator roguelite dificulte ainda mais cada run.

Adicione o fato de que você precisará percorrer diversas vezes as ruas e dungeons muito parecidas, seja para aumentar seu nível, conquistar cartas melhores ou até mesmo cumprir tarefas, encontrando projetos para criação de novas cartas pelo meio do caminho, para ter a sensação de que Liberté é muito repetitivo. Isso sem contar o fato de que não possui muita diversidade entre os inimigos, afinal o principal inimigo é a coroa francesa. Com um combate que lembra muito Diablo, Hades e jogos mais recentes que seguem esse mesmo estilo, com visão superior, a história de Liberté ainda é o ponto mais interessante se comparado ao combate, que sofre com problemas de hitbox e mobilidade, ou o level design simples e datado.

Liberté

Mesmo com o avançar do jogo e a presença cada vez mais forte da corrupção de Bliss sobre Paris, as criaturas que surgem, tomando lugar das forças francesas, não oferecem muito desafio ao longo da fase para um salto imenso de dificuldade contra o chefe de cada ato. Como se não bastasse, René ainda recebe uma maldição de Lady Bliss que adicionam fatores extras ao jogo, com efeitos aos inimigos e que se acumulam desequilibrando totalmente o jogo por conta das limitações que você possui em seu baralho ou run. Independente se você optar pelo multiplayer local, que adiciona uma valiosa ajuda, a curva de dificuldade e os desafios impostos à René podem ser um grande fator limitante ao jogo.

Se o gamer tem fome, que coma brioches

Liberté está longe de ser um jogo perfeito, porém mostra a coragem e dedicação de desenvolvedores independentes em criarem soluções visuais que consigam acompanhar o ponto alto do jogo: a narrativa. A maneira como exploram as consequências da revolução, questionando os ideais de liberdade e igualdade, ressoando com dilemas modernos, acaba sendo muito interessante. O estilo de arte, principalmente quando trabalhado em artes estáticas, demonstra um nível muito alto de cuidado na criação desse mundo distópico Lovecraftiano.

Liberté

Também conseguimos perceber essa dedicação ao reinterpretar a combinação da arquitetura de Paris com toques distópicos, criando cenários que são tanto encantadores quanto opressivos, mas ainda assim limitados e repetitivos. A iluminação dinâmica e os detalhes nos figurinos são um show à parte, criando uma combinação interessante para ser aproveitada durante as dezenas de horas entre diversas runs. No entanto, o desempenho de Liberté está longe de ser perfeito, com quedas constantes na taxa de quadros e glitches que fazem seu personagem ou NPCs ficarem presos no cenário.

A trilha sonora não impressiona, mas também não decepciona. Tentando simular um estilo sonoro característico da época, com uma pegada mais sinistra em momentos de tensão durante combates ou até mesmo em interações com o desconhecido, trazido por Lady Bliss, a imersão fica mais por conta da estratégia sempre presente ao longo da run e como o gameplay exige atenção para fugir de botões apertados deliberadamente. Assim como as diversas paredes invisíveis ou cenários terminados bruscamente, a música acompanha a repetição e se acomoda superficialmente à narrativa.

Liberté

No fim, Liberté é uma tentativa ambiciosa de misturar história, horror, fantasia e um diversos estilos de jogabilidade para fugir da mesmice, entregando um jogo extremamente desafiador. A inovação buscada pelos desenvolvedores, que deve ser valorizada, acaba ficando pelo meio do caminho em meio aos tropeços técnicos. A narrativa se mantém como o ponto mais alto e principal interesse para quem busca um bom RPG de ação com essa pegada roguelite, mas que nem sempre entrega o impacto desejado.

Se destacando pela criatividade e a maneira como retrata um dos momentos mais significativos da história mundial, Liberté é uma boa opção para quem quer algo diferente e inusitado, mas que não se importa com as irregularidades da jornada de René pelas ruas sombrias dessa Paris distópica. Afinal, um jogo como esse precisa fazer valer a liberdade criativa para ser tratado com a igualdade entre outros títulos.

61 %


Prós:

🔺 Excelente trabalho com a narrativa
🔺 Criação de mundo muito interessante
🔺 Reinterpretação histórica e mix de fantasia
🔺 Criatividade no uso dos gêneros para o gameplay

Contras:

🔻 Curva de dificuldade muito desbalanceada
🔻 Desempenho com diversos problemas
🔻 Level design muito simples
🔻 Jogo peca pela repetitividade
🔻 Problemas de movimentação e hitbox
🔻 Sistema de deck building complexo


Ficha Técnica:

Lançamento: 29/11/24
Desenvolvedora: Superstatic
Distribuidora: Anshar Publishing
Plataformas: PC, Xbox Series, PS5
Testado no: PS5