Depois de uma jornada como melhor jogo mobile em 2022 na Ásia, SOULVARS chega ao PC e consoles pela Shueisha Games, trazendo uma temática cyberpunk sobre a consequência negativa da tecnologia para a humanidade. Com mecânicas de construção de baralho e combate por turno, o trabalho de um homem só, do desenvolvedor Ginolabo, entregou um indie que além de interessante possui uma bela pixel art.
Sou um aficionado por deckbuilding, desde os jogos de tabuleiro aos games, por ser uma mecânica que consegue misturar muito bem o fator sorte à capacidade estratégica do jogador, porém SOULVARS finge ser desse gênero e conseguiu me conquistar exatamente por subverter essa proposta de mecânica com “cartas”.
Desligue o celular e vá ler um livro
No papel de Yakumo, um herói profissional, conhecemos um futuro distópico em que a humanidade sofre pelo uso descabido do avanço tecnológico desenfreado, quase como o que temos atualmente com discussões sobre a falta de regulamentação e facilidade no acesso à inteligência artificial. Como resultado de tudo isso, criaturas estranhas, conhecidas como Dominadores, surgem para corromper e destruir os seres humanos.
Essa temática me cativou por mostrar não somente os “vícios tecnológicos” que temos em nossas vidas, mas criando uma história a partir disso. Mesmo que a construção narrativa seja simples e muito clichê, com um grupo de heróis conhecidos como Soulbearers trabalhando para uma organização militar chamada OED (Organização de Eliminação de Dominadores) com a missão de fechar portais para impedir a invasão desses monstros, o estilão de JRPG diverte como um todo.
Depois de Shattered Heaven, que alinha perfeitamente sua história com a mecânica de deckbuilding, ficou difícil encontrar um bom jogo desse gênero e foi por conta dessa busca que cheguei até SOULVARS.
Mesmo amarrando muito bem o conceito dos Soulbearers, como seres humanos nascidos com a capacidade de portar mais de uma alma, e suas ações conhecidas como Soulbits, representadas por cartinhas que carregam, este jogo modifica a construção de baralhos para algo mais próximo ao formato presente em gatchas.
Após uma curva de aprendizado curta, exigindo que o jogador compreenda por conta própria todas as possibilidades para o combate ao equipar seus personagens, através de um extenso e confuso sistema de menus, você compreenderá que a “construção” do que seria seu baralho e as habilidades disponíveis durante as lutas estão ligadas ao seu equipamento.
Em cada turno você terá uma quantidade de Action Points (AP) para gastar ao escolher Soulbits, que surgem aleatoriamente e conforme seus equipamento. Para cada ataque crítico na fraqueza do inimigo, mais AP você ganhará. Ao combinar Soulbits, conforme sinalizado em tela ou estudando seus equipamentos e habilidades através dos menus, você pode executar mais de 100 ataques especiais diferentes.
E por quê SOULVARS subverte e altera a mecânica sem ser puramente um deckbuilding? Por você não ter autonomia para alterar Soulbit individualmente e nem adicioná-los de maneira independente, tudo acaba sendo uma habilidade resultante do seu equipamento.
Ou seja, a build dos personagens será a responsável por fornecer uma quantidade de “cartas” pré-determinadas, inclusive para que sejam equipadas independente da classe indicada, exigindo ainda mais atenção e estratégia ao aprender como utilizar o sistema de combate por turno e a combinação de habilidades para executar os golpes especiais.
Pode parecer negativo, mas eu realmente me diverti com esse estilo de construção de baralho proposto pelo Ginolabo. Afinal não adiantava eu criar um “super baralho”, sendo que precisava rever a construção dos meus personagens a cada novo cenário, avaliando o uso de armas mais fortes ou que alterassem o tipo de ataque e dano elemental.
Sem contar que é fundamental levar em conta também qual tipo de Soulbit seus equipamentos oferecem, para combinar com a classe de cada personagem e otimizar os status, além de pensar em como criar combinações que proporcionassem mais ataques especiais. Como se não bastasse, adicione uma “transformação” ao atingir 40% da sua vida, virando algo parecido com as criaturas que você enfrenta, para criar mais um fator que adicionará uma nova forma de comportamento ao seu personagem, com novas habilidades e status.
Mesmo sendo difícil nas primeiras horas, com o apoio de textos confusos e muitos tutoriais disponíveis dentro de um menu complexo e que também exige aprendizado, SOULVARS é um jogo com um bom nível de desafio que exige dedicação para sobreviver às camadas mais profundas de estratégia para o combate por turno, como um bom JRPG deve ser.
Jogatina em doses homeopáticas
Com características bem tradicionais de jogos mobile, reforçadas pelo estilo JRPG com combates e missões cadenciados, o lançamento da Shueisha Games acaba pecando por construir um looping muito repetitivo dentro das mais de 15 horas de jogo. No entanto se você tiver em mente o formato mobile para o qual ele foi concebido, com certeza você conseguirá aproveitar boas horas de jogatina ao explorar as fases ou missões pouco a pouco, quando não estiver fazendo nada mais interessante.
Com exploração 2D e lateral, apenas indo para frente e para trás em imagens estáticas, usando L e R para interagir, você vai viajar por um extenso mapa de uma espécie de “Japão futurista” repleto de referências e brincadeiras à cultura pop, além do cenário com muitas características de pontos turísticos tradicionais. Ao viajar de tela em tela, seu mapa para cada locação vai sendo preenchido, com muita interação com NPC, coleta de itens e muitos inimigos aparecendo em encontros aleatórios.
Você pode sair das fases quando quiser, voltando para o mapa, além de visitar qualquer localidade na ordem que desejar, seja para comprar recursos ou equipamentos, descansar e recuperar sua vida, ou cumprir as missões principais e paralelas. Enquanto a narrativa segue com os personagens perseguindo os portais, enfrentando ordas de inimigos e chefões, o belo trabalho com pixel art aparece de fundo carregando o estilo cyberpunk e muito neon, tons de azuis e roxo, enquanto uma boa trilha sonora acompanha os acontecimentos.
Confesso que me senti perdido diversas vezes, seja pelo combate ou até mesmo por cansar percorrendo cenários com muitas telas iguais, inclusive sem entender como completar algumas missões. No entanto este jogo é simples, com um bom nível de desafio e uma belíssima direção de arte, para os cenários, personagens e golpes especiais. Quase como se eu estivesse jogando no meu Nintendo DS, SOULVARS com certeza seria um sucesso em outras gerações, mas que atualmente precisa se esforçar muito para ser notado, seja pela proposta, conteúdo, beleza e, principalmente, baixo custo.