Quando a SNK retornou, veio com o slogan de “O Futuro é agora”, prometendo retornar aos tempos áureos dos bons jogos. No entanto, The King of Fighters XIV chegou debaixo de muitas críticas e problemas, já decepcionando e demorando para engatar como um bom jogo de luta. SNK Heroines: Tag Team Frenzy chega agora, dois anos após esse turbilhão de desastre, prometendo ser um forte representante para o público feminino. Mas, pelo visto, a empresa japonesa não conseguiu retornar completamente ao seu tempo de glória, deixando uma grande incerteza sobre ter um bom resultado com seu novo produto.
Independente da maneira como a SNK Corporation resolveu explorar suas propriedades intelectuais e em qual público decidiu focar esse lançamento, como jogo de luta ele possui méritos, mesmo que acabe sendo nivelado por baixo e fraquejando perante aos demais títulos que ocupam o gosto popular desse gênero.
Explosão de fetiche
Ao iniciar a jogatina, é notável o esforço da desenvolvedora em simplificar as mecânicas ao máximo para atrair um público mais casual, que foge de jogos de luta cheios de artimanhas. Tal decisão pode até mesmo atrair o público feminino, apesar do rótulo nipônico com alto teor de sensualidade. Aqui um botão faz tudo e, combinado com o direcional, faz com que golpes e especiais sejam executados sem complexidade, quase como automáticos quando a luta estiver no auge da sua empolgação.
Sempre em duplas, a violência e peso dos demais títulos dão lugar a muitas cores, elementos fofinhos e acessórios que transformam as principais personagens do universo SNK em lolitas, idols ou personagens kawaii (bonitinhas) que parecem ter saído de algum anime ou dakimakura (aqueles travesseiros japoneses gigantes).
Você e sua parceira acordam em uma missão misteriosa, precisando enfrentar de sete a doze duplas inimigas em um plano “maléfico” de Kukri, um novo e misterioso personagem que apareceu no último The King of Fighters. Durante o último torneio, ele aprisionou diversas competidoras em uma dimensão de bolso, para lutarem entre si e assim ele conseguir coletar suas emoções e colecionar todas elas, sempre fantasiadas com seus principais fetiches. Nesse desejo insano, até duas personagens de pachinko (estilo caça-níquel japonês) foram parar em seu bolso: Mui Mui e Love Heart! Até então não teria problema algum, pois a própria empresa japonesa lançou uma coletânea feminina anteriormente chamada SNK Gals’ Fighters, para Neo Geo Pocket.
A grande questão é: como fazer um game simplificado, justificando atingir o público feminino ao mesmo tempo em que transforma as personagens em ícones sexuais e idolatradas pelo público masculino? Vestidas de gatinhas, vaquinhas, colegiais, policiais e heróinas, todas com o mínimo de roupa sempre e com gemidos ao serem derrotadas e aprisionadas, tudo isso é incomum no Ocidente, mas comercialmente muito explorado no Oriente. Esse tipo de apelo agressivo acaba se perdendo dentro do seu propósito em conquistar um público diferenciado. Se no lançamento de Street Fighter V o movimento dos seios das lutadoras já foi motivo de crítica, não quero nem ver algo ainda mais apelativo que Dead or Alive.
Ignorando a sexualidade exacerbada, o jogo possui muito bom humor e cuidado ao trabalhar seus elementos visuais. Sendo apresentado com traços estilo anime, as partidas são jogadas com modelos 3D (assim como em KoF XIV), tudo é muito bonito, vivo e fiel ao design tradicional de todas as lutadoras. Acompanhando esse estilo visual, a cada golpe temos uma chuva de flores, doces, animais (o melhor na minha opinião é o macaquinho que surge em golpes com soco) e acompanhados com sons engraçadinhos; ao fundo, no cenário, sua parceira acompanha a luta e coleta os itens que você envia ao golpear balões pelo cenário e ficará disponível para você ativar com o direcional direito: garrafas de power-up ou venenos, bombas, até mesmo itens sem noção como, por exemplo, casca de banana, peões gigantes, bolachas e até mesmo filtro quadriculado de censura.
Looping kawaii infinito
Por mais fácil que o jogo seja (inclusive no modo mais difícil, já que o vídeo neste post estava no “normal”), o grande trunfo dele é disponibilizar uma grande base de conteúdo como fan service, para quem é fã das franquias, ao mesmo tempo em que atua como jogo mais amigável para os novatos. E para manter o jogo vivo, além do interesse ativo, a fórmula encontrada foi disponibilizar um catálogo imenso de itens para serem comprados e, para acumular essa grande quantia de dinheiro, você precisará lutar no modo história, versus local ou online.
Uma infinidade de possibilidades de customização estará à sua disposição e prontos para serem adquiridos depois de algumas horas de jogo, aumentando significativamente o fator replay desse jogo. Isso sem contar os vídeos e áudios que serão desbloqueados para cada personagem, além do mosaico com uma belíssima arte que será completado após utilizarmos duplas predeterminadas.
Se você me perguntar se vale a pena jogar ou não, ainda fico em dúvidas. Afinal um jogo de luta da SNK sempre vale ser testado. No entanto, fui um dos que acabaram sendo puxados para o hype desse jogo por conta da proposta de ter o retorno de ícones das franquias que rodearam a minha infância, em jogos de luta que sempre gostei como Fatal Fury e Samurai Showdown. Inclusive com o retorno inusitado de Terry Bogard em sua versão “Fatal Cutie” (que por sinal acaba sendo banalizada e explicada de qualquer jeito durante uma cutscene e outra).
Meu desânimo foi perceber que até mesmo o visual desses personagem estava em uma versão “Frenzy” e não no tradicional, obrigando algumas horas de porradaria para ter dinheiro suficiente e comprar as “fantasias” (como o jogo nomeia) que conhecemos.
Por fim, a impressão que fica é de apenas um jogo bonitinho e simples que acaba se perdendo dentro do seu escopo, já que hoje temos jogos de luta muito mais completos e que conseguem separar em camadas a sua jogabilidade, indo da mais simples à mais complexa. Se levarmos em conta o conteúdo e o trabalho visual, aliado à trilha sonora digna de uma playlist de J-Pop do Spotify, o jogo acaba sendo divertido. Em uma competição online (em que tentei algumas vezes), pude perceber que existe uma sequência padrão para se sair bem: defender para esperar o delay do personagem ao retornar ao ponto zero para o adversário executar sequências longas de golpes ou até mesmo esmagar os botões para disparar uma sequência repetitiva de golpes.
SNK Heroines: Tag Team Frenzy acaba sendo um jogo com medo de errar, restando apenas a superficialidade do apertar dos botões de ataque forte ou fraco na direção desejada. Se este é ou não um bom jogo, fica a reflexão de até onde vale a pena sacrificar a jogabilidade a favor da acessibilidade ou até que ponto o kawaii não despenca para o vulgar.