Irrigador de topiaria. Função: irrigar e transformar os inimigos em arbustos ornamentados. A série Ratchet & Clank sempre foi definida por suas armas mais malucas, e com Em Uma Outra Dimensão isso não é diferente. O irrigador de topiaria, no caso, é como o mais novo jogo da Insomniac: inventivo, impressionante até, mesmo que não seja revolucionário. Ainda assim, é uma invenção que deixaria o Dr. Doofenschmirtz de Phineas e Ferb morrendo de inveja, absolutamente pasmo com o fato de que não teve essa ideia antes.
Além das armas malucas, algo que não poderia faltar em um jogo de Ratchet & Clank são personagens carismáticos, e felizmente isso também se cumpre neste jogo. O elenco de dublagem nacional representa as personagens com muito êxito, casando muito bem com as vozes escolhidas. Não dá pra reclamar de nenhuma delas, e mesmo assim o jogo oferece a opção para jogar em inglês com legendas desde o início, caso o jogador prefira as vozes originais. De qualquer jeito, recomendo bastante a versão nacional, tendo jogado inteiramente em português.
Um filme de animação jogável
A sensação que mais tive durante Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão era a de estar controlando um filme de animação moderno. E não estou falando apenas dos gráficos simplesmente perfeitos, com uma atenção milimétrica aos detalhes. Estou falando também da sensibilidade do projeto, similar a de filmes como Uma Aventura Lego, Tá Chovendo Hambúrguer e o mais recente A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas. Não por coincidência, o jogo divide seu compositor, Mark Mothersbaugh (o vocalista do DEVO), com estes filmes.
A história de Em Uma Outra Dimensão traz Ratchet e Clank, bom, a uma outra dimensão onde o Dr. Nefarious é o imperador regente. Assim que são transportados à nova realidade, os dois são separados e devem encontrar um ao outro. Devo dizer que é o raro caso em que o título nacional faz mais sentido que o nome original em inglês, Rift Apart, que sugere que os dois estejam separados por fendas de dimensões: é na verdade só mais um dos típicos trocadilhos da série. Tanto Ratchet quanto Clank estão ambos na mesma dimensão que o outro.
Na nova dimensão, nosso primeiro e principal elo é Rivet, uma lombax que passou boa parte de sua vida na Resistência, combatendo as forças do Imperador Nefarious e vivendo às margens do sistema. Conforme a história avança, somos introduzidos a outras figuras que não entregarei aqui, algumas das quais possuem extrema importância à jornada de Ratchet e Clank pela outra realidade. No entanto, é uma pena que a história não pire tanto com o conceito das realidades alternativas, basicamente ambientando a ação em apenas duas principais.
Pense na história de Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão como um grande filme pipoca que aperta todos os botões necessários para cumprir com a tabela, mas que acaba jogando um pouco no seguro sem necessariamente surpreender ou, também, chatear os fãs. Tudo é amarrado com um simples e bem feito laço, entregando exatamente o que se espera. Além disso, algumas pontas são deixadas soltas, criando o espaço mais do que esperado para continuações.
Como acompanhamos a história tanto da perspectiva de Ratchet quanto da perspectiva de Rivet (e Clank), temos a decisão deliberada de tornar o progresso no jogo compartilhado entre os dois lombax, algo que inicialmente pode parecer nonsense mas que ajuda a tornar o ritmo da progressão mais ágil e tangível. Desbloqueie uma arma com Ratchet e ela estará disponível automaticamente no arsenal de Rivet. Encontre uma armadura nova, e seus benefícios serão desbloqueados para ambos.
Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão oferece muitas armas para comprar (com níqueis, é claro) através da Dona Zurkon, uma robô cheia de comentários bem-humorados que garante também acesso ao sistema de upgrades de cada uma das armas. Estes upgrades são comprados com um material conhecido como Raritânio, como no remake de 2016, e são incentivo para sair do caminho principal e explorar outros cantos dos planetas. Para isso, é necessário usar gadgets como o gancho, botas magnéticas e outras habilidades legais como o dash fantasma e wallrunning em plataformas marcadas.
A fórmula vai muito bem, obrigado, e é irresistível sair por aí atirando para aumentar o nível de seus armamentos, que se transformam assim que atingem o nível 5. A variedade de armas, por sua vez, é louvável, por mais que façam falta alguns achados do remake de 2016 como o pixelizador e o sheepinator. Aqui, a criatividade existe, mas o foco maior está em tornar a sensação de cada arma diferente ao invés de focar em seus efeitos visuais. Cada uma delas usa de maneira distinta recursos como os gatilhos adaptáveis (sensacionais neste game), alternando entre modos de disparo primários e secundários, e o feedback háptico.
No calor do combate de Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão, pode-se dizer que também existe variedade visual, com inimigos de estilos diversos surgindo até o final da campanha, mas apesar das variações estéticas os robôs do Dr. Nefarious podem ser praticamente todos enfrentados com a mesma estratégia: esquivar para os lados e atirar. O mesmo vale para a maior parte dos chefes, algo que me desapontou um pouco já que em 2016 tínhamos chefes um tanto mais variados que esses que enfrentamos em 2021. Falando em anos, alguns inimigos do jogo de 2002 voltam pelo efeito nostalgia.
Temos, no entanto, um outro tipo de oponente que, esse sim, pede por uma mudança legal de estratégia: inimigos com escudos. Com eles entrando em cena, me vi obrigado a utilizar a maior parte dos armamentos indiretos, incluindo principalmente o irrigador de topiaria, que é brilhantemente desenvolvido para esse tipo de situação. É uma pena que a campanha invista pouco tempo nesses escudeiros, que aparecem apenas algumas vezes enquanto dão vez aos robôs comuns de Nefarious durante a campanha de cerca de 14 horas.
Design de fases estelar
A real estrela de Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão é seu design de fases, principalmente quando temos a presença de cristais que, quando atingidos, fazem o cenário alternar entre duas dimensões. Um exemplo que surge cedo na campanha é o planeta minerador Blizar Prime, onde Rivet transita entre duas realidades diferentes do mesmo planeta, numa espécie de piração parecida com aquela que vemos na fase de viagem entre tempos de Titanfall 2. Fases como esta são as melhores do jogo, e ouso dizer que devíamos ter mais delas.
Todos os planetas do jogo são exploráveis de maneira que remete ao primeiro título da série, geralmente com um caminho principal levando aos principais objetivos e às vezes outro caminho secundário, que leva a algum coletável como um parafuso dourado ou, se tiver mais sorte ainda, algum spybot. Já aviso que não temos aqui o estilo de jogo aberto visto em A Crack in Time, no qual controlávamos até a nave de Ratchet. Temos na verdade algo bem mais linear, com exceção de um ou dois planetas mais abertos em seus designs.
O incentivo para explorar, porém, é alto em Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão. É possível retornar a todo planeta visitado para sair em busca dos itens supracitados e outros tesouros, como nos melhores “collect-a-thons”. Há ainda algumas missões secundárias em certos planetas que envolvem coletar outros itens, e outras são como desafios de combate. Umas são mais interessantes do que outras, certamente, mas vale a pena investir o tempo se quiser desbloquear tudo do game, sejam os parafusos dourados, que desbloqueiam skins, ou os módulos de armadura, que desbloqueiam novos status (ex: 25% de resistência a danos de robôs).
O conteúdo adicional mais interessante de Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão surge no formato de bolhas dimensionais, fendas que levam a um espaço intermediário entre mundos onde as regras são diferentes. Algumas destas bolhas são realmente criativas, com desafios de plataforma um pouco mais diferenciados do que fazemos no resto da campanha, mas não acho que temos o suficiente delas durante o jogo. Mas, também, o conceito das fendas dimensionais é tão divertido por excelência que acho que nunca seria possível evitar esse sentimento de quero mais.
Em cima disso, ainda existem as fases de quebra-cabeças com Clank, nas quais liberamos o caminho para as “possibilidades” do robô para assim desbloquear um portal, e as fases de hackeamento com a Glitch, uma robô microscópica que limpa terminais corrompidos por vírus. São ambos adições interessantes, mas que nunca chegam a um nível complexo o suficiente para desafiar. Aliás, por sinal, é possível pular as duas seções se estiver impaciente, mas recomendo que jogue elas até o fim. Afinal, todo jogo da série teve a tradição de trazer seções protagonizadas por Clank.
Ao terminar Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão uma primeira vez, é desbloqueado o Modo de Desafio, que é basicamente um new game plus com todas as armas destravadas e uma dificuldade mais acentuada, então não dá para reclamar do fator replay. Ah, e devo elogiar o comprometimento com opções de acessibilidade. Não só temos cinco dificuldades diferentes, com diferentes níveis de agressividade e dano de inimigos, como temos opções de travessia simplificada, controles com direcionais, auxílios diversos e configurações visuais variadas.
Além disso, há modos de Fidelidade (4K em 30fps com melhorias visuais incluindo Ray Tracing), Desempenho RT (60fps com Ray Tracing) e Desempenho (60fps com resolução maior, meu favorito pessoal). Independente do modo escolhido, o jogo chega como um capítulo visualmente ambicioso na saga de Ratchet e Clank, que usa de sua aparência sofisticada para ser bem mais do que um rostinho bonito. Claro, nem tudo atinge o grau de ambição dos visuais, e algumas coisas poderiam ser mais desenvolvidas, mas Em Uma Outra Dimensão ainda consegue transportar o jogador para uma dimensão familiar, mas muito bem sucedida de diversão.