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Santa Destroy não é mais a mesma. O subúrbio que primava mais pelos seus cocos do que seus habitantes se tornou uma megalópole, povoado por grandes corporações. Esta mudança compõe o palco de No More Heroes 2: Desperate Struggle, que estrela novamente o otaku Travis Touchdown, enquanto ele caminha mais uma vez em direção a se tornar o assassino número 1. Entretanto, desta vez a jornada tem um teor mais pessoal. Travis procura se vingar daquele que matou seu amigo Bishop e, como a sorte assim quis, o mandante do crime é justamente o atual assassino de maior ranking.

Apesar da mudança de tom e do uso de um antigo personagem como gatilho para a trama, se você não jogou o primeiro No More Heroes não terá problemas em entender o que se passa em sua continuação. Logo no início o jogo faz piadas auto-referenciais, explicando que tentar manter a continuidade apenas alienaria aqueles que não jogaram seu predecessor. Além disso, acrescenta, a maioria dos jogadores iria apenas pular as cut-scenes, então seria perda de tempo adicionar longas passagens explicando o que sucedeu no game anterior. Isso, no entanto, não quer dizer que NMH2 só apresente novas cartas. Existem outros personagens, como Sylvia e Shinobu, que voltam a dar as caras, mas conhecê-los não é essencial para a compreensão da trama, nem irá enriquecê-la substancialmente.

Em relação à sua estrutura, No More Heroes 2 explora melhor o que o primeiro jogo fazia bem, e deixa de lado muito do que não funcionava. Foi-se embora a navegação através da cidade no estilo GTA, substituída por um simples menu que o leva instantaneamente ao local desejado. Além disso, não é mais necessário pagar sua entrada à próxima luta da liga dos assassinos, o que elimina todo o vai-e-vem entre os diferentes empregos, que aumentavam artificialmente a duração de NMH. Não que os trabalhos tenham deixado de existir, mas eles agora são opcionais. O dinheiro ganho pode ser usado para aumentar seus atributos em uma academia, comprar novas espadas ou novas roupas. Ou seja, caso assim deseje, é possível passar toda a aventura sem realizar nenhum dos trabalhos, apenas indo direto para o próximo duelo.

No More Heroes 2: Desperate Struggle

Sem dúvidas, o aspecto que mais mudou em relação ao primeiro jogo foram os trabalhos. Desta vez eles são, em sua maioria, jogos bastante simples em estilo 8-bits, que replicam gêneros de uma outra época. No geral, eles são bem divertidos, e o dinheiro que se ganha é mais do que suficiente para se comprar tudo o que quer antes que as atividades fiquem enjoativas. A única exceção é o último trabalho de todos que, por razões que escapam à minha compreensão, é exatamente o mesmo mini-game de caçar escorpiões que existia em No More Heroes. Ele não apenas ignora a estética 8-bits – que se faz presente em outros momentos do jogo além dos empregos – como também apresenta alguns problemas bem fortes. Nesse cenário a taxa de quadros cai com frequência, e não era incomum que o recipiente para guardar escorpiões atrelado às costas de Travis ficasse preso em elementos do ambiente, tornando impossível sair do lugar. Ainda assim, ignorando esta parte, os novos trabalhos são uma grande melhoria em relação aos que existiam no primeiro NMH.

O combate, apesar de ter permanecido praticamente inalterado, recebeu uma pequena nuance que dá um caráter mais estratégico às lutas. Como antes, os golpes são desferidos com o pressionar de botões, sendo que os controles de movimento são usados apenas para finalizar inimigos. A adição fica por conta do chamado Ecstasy Gauge. Quanto mais golpes Travis atinge consecutivamente, mais animado fica o tigre na parte inferior da tela. Entretanto, ao ser atingido, ele volta a descansar. Quando o tigre está no auge de sua animação, é possível ativar um modo no qual Travis ataca com grande velocidade, sendo que os inimigos convencionais – e até mesmo alguns dos chefes – não conseguem se defender. Isso é interessante pois é possível, quando cercado por vários tipos de capangas, carregar este poder enfrentando os mais fracos, apenas para mais tarde usá-lo contra os mais fortes. Isso não é necessário, mas, como disse acima, acrescenta um caráter de estratégia aos encontros comuns. Além disso, Travis também tem acesso a diferentes espadas, que seguem padrões como “grande, forte e lerda”, “curta, rápida e fraca” etc. Apesar disso, não consegui perceber grandes diferenças de desempenho entre elas, e acabei por usar a katana dupla apenas por uma questão estética.

Infelizmente, no entanto, existem alguns outros pontos que não receberam o cuidado que mereciam. Em relação aos aspectos técnicos, No More Heroes 2 peca fortemente em dois lugares: na constância da taxa de quadros e em sua câmera. O problema da taxa de quadros torna-se evidente apenas depois de certo progresso no jogo, quando a quantidade de inimigos presentes ao mesmo tempo aumenta. A câmera, porém, será um empecilho do começo ao fim. Ela insiste em sempre se posicionar atrás de objetos, tirando seu foco da ação. Seu controle sobre ela também é fraco, não sendo incomum receber o golpe de um inimigo apenas porque ela girou para uma direção aleatória. A possibilidade de travar a mira ajuda a remediar esse problema, mas não o resolve completamente. Além disso, por alguma razão, quando um inimigo é focado dessa maneira, a câmera sempre o posiciona à direita ou à esquerda da tela, dando a impressão de que ele está sempre a um passo de sair de sua visão. Isto só não se torna muito frustrante porque a morte é coisa rara no jogo. A dificuldade de NMH 2 foi bastante diminuída quando comparada ao seu predecessor, o que significa que um golpe sofrido devido ao descontrole da câmera importa muito pouco. A quantidade de energia perdida é tão baixa que é apenas uma questão de se levantar e eliminar aquele que o atacou, sem grandes consequências.

No More Heroes 2: Desperate Struggle

Enquanto a dificuldade ajuda a eliminar o problema da câmera, ela traz uma decepção em si. Os chefes, que no primeiro título o faziam suar, memorizar padrões, bolar estratégias e dar saltos de alegria quando vencidos desapareceram neste novo No More Heroes. Na dificuldade padrão do jogo (o modo difícil é aberto apenas depois que ele é terminado) esses encontros não são muito diferentes dos capangas menores. Em minha experiência, poucas vezes precisei fazer mais do que atacar insistentemente e me distanciar quando o efeito gráfico de um ataque especial começava a aparecer em volta dos chefes. O comando de desvio, que faz com que Travis gire para os lados ou para trás, fez-se raramente necessário.

Não bastasse o fato de que os chefes morrem antes que você consiga decorar seus nomes, eles são quase todos desprovidos de personalidade. Não há quase nenhum desenvolvimento e, diferente de lutas marcantes como a contra Shinobu e Harvey Volodarsky, ou desfechos de arrepiar como contra Holly Summers, os encontros com os chefes de No More Heroes 2 não são nada impactantes e infinitamente menos imaginativos do que os de seu predecessor. E isso se trata de um grande passo para trás, já que esses confrontos eram certamente o ponto alto do primeiro jogo.

No More Heroes 2 faz alguns esforços para que sua estrutura pouco complexa não se torne enjoativa. Existe, por exemplo, uma luta em que uma das partes envolve um duelo de motos, além de dois momentos em que Travis sai de cena e outros personagens são controlados. Essas são todas boas ideias, mas elas são muito breves, e o controle dessas partes deixa muito a desejar, tornando ainda mais evidente problemas já citados, como o mal posicionamento da câmera.

No More Heroes 2: Desperate Struggle

Sem sombra de dúvidas, No More Heroes era também um jogo repleto de aspectos técnicos não muito bem executados, possivelmente mais numerosos do que os presentes em seu sucessor. Então, por que essa continuação parece um produto inferior? A razão está no fato de que o problema maior de No More Heroes 2 não está em sua câmera disfuncional, em sua taxa de quadros inconsistente ou em seu baixo desafio. O verdadeiro problema de NMH 2 está no que podemos chamar de seu espírito.

Era fácil perdoar os problemas de NMH devido a sua estética única. O jogo constantemente encantava; os acontecimentos eram surreais, bizarros e fascinantes, fazendo-nos querer seguir em frente para conhecermos a persona distorcida do próximo assassino. Como isso se faz ausente na continuação, os problemas todos ficam muito mais proeminentes e, por causa disso, incomodam muito mais. Por causa disso, o jogo acaba se assemelhando mais a uma aventura qualquer, e não um produto fruto da mente de Suda 51.

No More Heroes 2 tem sua dose do bizarro, como a possibilidade de se tornar aleatoriamente um tigre no meio das lutas. Mas a impressão que tive foi a de que os elementos usados em NMH 2 são apenas uma espécie de “pastiche da loucura” presente no primeiro jogo, colocados aqui apenas para que a estética se perpetue, mas desprovidos de razão de existirem. Isso não quer dizer que No More Heroes 2: Desperate Struggle seja um jogo ruim; ele é certamente mais interessante do que a maioria das coisas que aparecem por aí. Mas, quando o vemos em relação ao que viemos esperar de seu criador, e principalmente do que obtivemos com seu predecessor, é bastante difícil não enxergá-lo como uma decepção.