O folclore japonês é riquíssimo e nunca está fora da moda para os games, não é mesmo? Prova disso é o recente Mahokenshi, desenvolvido pela Game Source Studio e distribuído pela Iceberg Interactive, que chega somente ao PC com a proposta de inovar os card games com diversas mecânicas conhecidas.
Sair da caixinha e pensar em maneiras de proporcionar uma experiência nova é sempre bem-vindo, mas que também pode gerar resultados muito ruins. Infelizmente os desenvolvedores foram muito além, num gênero muito consolidado por seu estilo de jogo básico, caindo de cabeça na moda gatcha. Isso é ruim? Acredite em mim, pois pode ser!
Omae wa mou shindeiru!
Em um mundo mágico com ilhas celestiais flutuantes, repleto de referências ao estilo artístico japonês conhecido como Ukiyo-e, somos encarregados de defender este universo mítico das incursões dos temíveis seres malignos. Um erro você chamar seus inimigos apenas de demônios, pois você enfrentará Oni, Yokai, Yurei, além de outros samurais e magos, usufruindo e presenciando muitos elementos folclóricos japoneses.

Inicialmente com apenas um herói, logo temos acesso aos quatro disponíveis em jogo, um para cada uma das casas/famílias que desejam trilhar o caminho do Mahoken a fim de se estabelecerem como o mais forte mago samurai existente.
Ayaka, tendo um Tengu como guardião, foi abençoada com asas e consegue se deslocar pelo cenário de maneira mais leve, sem gastar muita energia. Sora, com sua aranha Ogumo, é um ninja furtivo e trabalha com kunai envenenada e a habilidade em tecer armadilhas. Kaito, com a força do seu Kappa, é o samurai em seu estilo mais tradicional, repleto de força e virilidade. Misaki (minha preferida), aliada à magia de uma Kitsune, ataca à distância e utiliza seus poderes para desorientar seus inimigos.
Com uma história simples e raza, sendo apresentada a cada missão em pouco mais de 10 etapas e numa jornada que pode ser concluída em menos de 10 horas, você lutará contra as forças das trevas ao mesmo tempo em que descobre o que vem acontecendo com os habitantes das ilhas e o misterioso aparecimento dessas ameaças.

A narrativa não possui nada muito mirabolante ou com plot twist empolgantes, pois o grande forte deste jogo está no gameplay e a estratégia que ele exige. O ponto que merece ser ressaltado é como ele adapta a mitologia japonesa e se preocupa em reconstruir parte de contos ou lendas durante sua trajetória.
Card ou board ou game?
Mahokenshi, em uma primeira análise rápida, pode parecer apenas um card game, mas que acaba explorando suas diversas influências e criando um estilo próprio que acaba se perdendo na proposta de oferecer um sistema de jogo tático ao mesmo tempo que não consegue trabalhar elementos de roguelike, como se propõe desde a primeira fase.
Apresentando cenários com mapas formados por terrenos hexagonais, quase como um board game, viajamos por diversos mapas, muito bem trabalhados visualmente e com um estilo de arte vibrante, repleto de detalhes. A cada turno recebemos quatro energias para utilizarmos como ações, seja para deslocamento ou combate, e que está diretamente ligado aos cards.

Todas as nossas ações são feitas através de cartas, em um baralho que possui uma estrutura base, com ataques e movimentos simples, e que deverá ser melhorado e construído do zero a cada nova fase ou reinicio de qualquer partida.
Infelizmente este é o maior vilão do jogo, pois o fator RNG (Random Number Generator) será o responsável por disponibilizar as cartas que encontramos ao longo do mapa, compramos ou ganhamos por algum evento ou ação.
Com influência direta dos gatchas, que trouxeram o fator sorte atrelado ao card game como elemento de gameplay, o balanceamento do jogo faz com que a da primeira para a segunda missão o nível de dificuldade dispare absurdamente.
Adicione à questão de não prevermos qual card vamos receber, todas as fases possuem uma missão principal, muitas vezes ligadas à quantidade de movimentos, tempo ou condições que acontecem no tabuleiro, e que normalmente são acompanhadas de pelo menos mais uma ou duas side quests.

Na maioria das fases fui obrigado a ignorar completamente as missões paralelas para seguir na principal e cumprí-la em tempo de não falhar, pois a incerteza de como eu conseguiria me locomover ou se o poder do meu herói seria o suficiente para combater todas as ameaças fazia com que eu me movimentasse por todas as áreas do mapa, sem ter o tempo suficiente de explorar para montar um bom deck.
Os picos de dificuldades são altíssimos desde o início do jogo, exigindo não somente a estratégia, mas certas decisões que me obrigam retornar para uma mesma fase mais de uma vez, quase como um grind obrigatório para evoluir o meu herói e conseguir sobreviver sem depender totalmente do meu deck.
Essa estratégia só é possível por conta do status e característica que cada herói carrega, além do estilo que cada casa oferece ao seu baralho. A Casa de Ruby tem efeitos em seus cards voltados para o sacrifício da vida do herói, em seus pontos de vida, para obter mais poder de ataque.

Já a Casa de Sapphire tem foco maior na defesa, enquanto a Casa de Jade oferece cartas de furtividade e alteração de status como, por exemplo, envenenamento. Por fim, sendo a minha preferida em muitas missões mesmo sendo a última heroína a ser desbloqueada, a Casa de Topaz oferece um deck focado em magia e ataques à distância.
Estratégia, do grego strateegia…
Mesmo oferecendo uma experiência que pode ser frustrante por depender puramente da sorte e tirar um pouco o jogador do controle na formatação do seu herói, Mahokenshi brilha ao compor o seu mundinho.
Indiscutivelmente bonito, por trabalhar uma arte colorida e que inunda a tela, cada terreno do tabuleiro com blocos hexagonais também oferecem mais um nível de estratégia. Florestas e montanhas podem aumentar sua defesa, quando ocupadas pelo herói ou inimigo, assim como alguns cards oferecem efeitos extras ou desvantagens por conta do terreno alvo do ataque.
O mesmo acontece para locais como, templos, vilas, comércio, castelos e santuários, que oferecem melhorias, itens de recuperação, aquisição de novos cards e até mesmo organização do deck, que pode ser feito somente em terrenos específicos ou com dojos.

A mesma estratégia do ambiente pode ser complementada pelo herói e suas características, pois o deslocamento possui um custo quando feito por sua ação básica, mas otimizada quando realizada com algum card. Utilize a vantagem de obter asas para voar, cavalos e furtividade para se deslocar de outras maneiras que favoreçam sua estratégia de exploração.
Uma pena perceber que Mahokenshi é um jogo que exige mais agilidade no gameplay, pois quanto mais tempo você demorar em uma missão ou buscando as etapas para cumprir todas os desafios propostos ou encontrados, inimigos cada vez mais fortes aparecerão no mapa.
Quase como a mecânica utilizada em board game para evitar o desperdício de tempo ou prolongar as jornadas dentro de uma mesma fase ou capítulo, os desenvolvedores acharam que seria uma boa ideia inundar o mapa de ameaças cada vez mais forte.

A ausência de uma boa trilha sonora faz desse jogo uma boa oportunidade para queimar os miolos e fritar os neurônios ao som de uma boa trilha particular ou até mesmo um podcast. Cuidado apenas para não dar play logo no início, pois a aleatoriedade das cartas não permitirá você carregar o sucesso de uma fase para a outra, exigindo muito cuidado ou reiniciando seu save dependendo do que vier de cards nos primeiros turnos.