Assim como Deathloop, Ghostwire: Tokyo ainda faz parte do acordo entre a PlayStation e a Bethesda de trazer jogos exclusivos antes de sua compra pela Microsoft. Isso garantiu a exclusividade do título e também uma qualidade impressionante que apenas a produtora é capaz de trazer para a plataforma da Sony e aos PCs também. A Tango Gameworks, responsável por ele, é a mesma que criou The Evil Within e está sendo chefiada por Shinji Mikami, aquele que fez a franquia Resident Evil nascer. Ou seja, dá para se esperar bastante da sua chegada.
A competência do trabalho que executaram até aqui é uma grande garantia de que você encontrará uma experiência incrível, para dizer o mínimo, do novo game. E estou aqui para te afirmar que sim, em termos ela é impressionante. Para alguém que não se surpreendeu tanto com os últimos games do gênero terror ou survival horror, comecei minha jornada pelas ruas de Shibuya bem descrente e fui impactado pelos mistérios que se escondem por ali.
Se você aceitar apenas um conselho sobre ele, o ideal para a sua jornada ser tão boa quanto a minha será: jogue sozinho, com fones de ouvido e no escuro. Se ainda assim você não sentir aquele famoso frio na espinha ou um pequeno tremor que não seja causado pelo sensor háptico do DualSense, acredite que há algo faltando por aí. Porque os esforços deles realmente são inúmeros para causar essa sensação e trazer o gênero à luz novamente.
Dois estilos em Ghostwire: Tokyo
Vou ser bem direto com vocês em relação a Ghostwire: Tokyo, as primeiras duas horas dele foram de um nível tão absurdo que eu terminei minha jogatina extasiado. Logo de cara, levamos o protagonista Akito para um hospital e lá rolam as barbaridades que precisa saber para executar os comandos básicos e enfrentar as temíveis criaturas e espíritos. Há muito tempo eu não me espreitava tanto e temia o que podia aparecer em minha frente e isso bateu forte. Me chame de cagão, mas não pode negar que soube ser precavido.
Depois disso, fui encarar o escritório do KK, a alma que tentou invadir o corpo do protagonista e acabou ficando presa lá. Como um investigador paranormal, encontramos várias bugigangas e informações relevantes por lá. Até aí, tudo bem. Porém, na saída uma série de eventos começam a acontecer e você fica preso no local, com pouco tempo para explorar todos os andares do prédio e destruir alguns itens que estão causando a barreira. Ali teve de tudo: combates, momentos psicodélicos, alteração da realidade, mudança de perspectiva de ambiente e tudo que se pode imaginar. Um conselho especial, se você tiver labirintite o melhor a se fazer é não comprar e deixar para a próxima.
Estes dois trechos do game me acertaram de uma forma que tudo o que eu pensava era em como aquilo seguiria. Juro para vocês que fui dormir, trabalhar no dia seguinte e conversar com as pessoas pensando apenas que tipo de horrores encontraria na minha próxima jogatina. Em corredores pequenos, locais fechados e com o áudio 3D, tudo se torna extremamente perigoso e te dará razões para temer. Tudo mesmo, sem exceção.
Porém, em minha sincera opinião, Ghostwire: Tokyo se perdeu completamente a partir deste ponto, quando te liberam para seguir em seu “mundo aberto”. Neste ponto, a experiência proporcionada pela Tango Gameworks foi a mais genérica e básica possível, quebrando completamente o ritmo do jogo. Uma névoa que fere o seu personagem te impede de avançar mais do que deveria, então para abrir caminho terá de passar pelos templos. Coincidentemente, é lá que rola os principais trechos da história, então acabará sendo levado por isso mesmo só desejando explorar.
O mapa não tem tantos ícones quanto Assassin’s Creed ou Horizon Forbidden West por exemplo, mas incomoda ver que você será guiado por eles e não irá até os locais pela simples curiosidade. É aquela coisa, você vai até certo ponto já sabendo que terá um item ou uma sidequest ali, executa as ações necessárias e sairá de lá o quanto antes. Pronto, aquela área só será visitada novamente caso você seja um completacionista e queira caçar espíritos perdidos.
Isso me tirou grande parte do interesse pela ambientação e me fez pensar em mais otimizar o tempo do que mergulhar na experiência oferecida. Vamos combinar, se você já tem a certeza de que ali não tem mais nada, vai ficar vagando para que?
E aqui vai o choque que muitos ainda não realizaram, nem da indústria ou alguns fãs do gênero: terror e mundo aberto não se misturam. O medo está no desconhecido, como isso é possível quando você pode ver tudo em sua frente? O horror é claustrofóbico, é restrito, é de um peso enorme de que pode ter algo atrás de você ou logo à sua frente. Foi aí que Resident Evil e o primeiro The Evil Within entraram na graça do público.
Quando ele se limita a ambientes fechados, como em alguns momentos, você pode notar a mudança expressiva do clima. No mapa geral, meio que “tanto faz”. Nem mesmo as assombrações te causam medo. São só criaturas que você enfrenta para ganhar XP e pronto.
Isso me deixou bastante dividido em Ghostwire: Tokyo, sendo que os trechos onde você está dentro de algum lugar e com as vozes e tremores do controle agindo em conjunto, sua reação será uma. Quando está liberado para explorar Shibuya e suas ruas, isso não te afetará mais. Dá para correr tranquilo, encarar hordas, ouvir as mesmas vozes e ainda assim estar mega tranquilo. Estes dois misturados no mesmo jogo, em minha sincera opinião, não combinaram. Um não tira o mérito do outro, mas que os dois tons juntos incomodam é inegável.
Esteja alerta nisso antes de comprar e se aventurar pelo título, já que ele não te oferecerá exatamente aquilo que você busca neste sentido. E por favor, não confunda isso com a interação com os diversos personagens e criaturas do folclore japonês, que é um dos pontos mais altos dele. A ambientação neste sentido está muito boa, te fazendo mergulhar em uma das culturas mais curiosas do mundo.
Ver os nekomata nas lojas, os kappa no mar e até tengus voando pela cidade te encantará. Isso tudo ajudará a entender o contexto e a suposta invasão deles dentro da cidade. O que me deixou triste foi a própria exploração mesmo, não aquilo que é apresentado conforme avança.
Quer um exemplo claro? Em certo momento, em uma sidequest, eu estava investigando uma sauna clássica e vendo tudo mudar, com as salas alterando enquanto me movia por ela e tudo mais. Ali já estava ciente que vinha loucura, mas o que seria? No fim, me apareceram coisas que me deixaram completamente sem chão e tive de lidar com aquilo no susto. Perfeito, muito bom mesmo como a sequência me pegou no pulo.
Em outra, estou seguindo para um dos templos e logo de cara visualizo mais de um tanque de combustível voando. Área enorme. Itens para absorver e fazer minha energia ser reposta no geral. Eu entrei lá sabendo que enfrentaria um chefão e não deu outra. Apesar de ter uma aparência monstruosa, tive mais temor na primeira situação do que nesta, apresentada pela própria história principal. É sobre isso e não está nada bem. Rolou comigo e posso dar a certeza que acontecerá com você também.
Os espectros da qualidade
De resto, Ghostwire: Tokyo se mostrou uma força a ser considerada em todos os fatores. Graficamente, o jogo é lindo. De verdade, eu não me cansava de ver o ambiente e suas implicações. Ainda que parte da cidade esteja tomada pela névoa, subir em prédios e observar ela na escuridão foi muito bacana. A chuva também encanta, principalmente quando você percebe que ela contém kanjis escritos dentro. Está nos trailers também, caso queira tirar essa curiosidade. Me atingiu legal essas coisas, sempre me surpreendendo positivamente. Parar para observar os detalhes compensará, acredite.
O sistema dele de combates também é bem-feito, te permitindo uma diversidade de estilos que causará impacto. Você começa com magias de vento, mas pode também conquistar habilidades com fogo ou água, até mesmo um arco e flecha para enfrentar as assombrações. Isso nem é o mais importante, na realidade.
Os movimentos que Akito realiza na tela dão a impressão que realmente há um esforço para usar aquilo, se assemelhando muito até mesmo aos jutsus que a turma de Naruto executa no anime. Carregue energia, solte as magias, se defenda e veja uma diversidade incrível de ações nas mãos do protagonista. Em visual e estratégia, não tive do que reclamar, o trabalho deles realmente foi um primor nos dois sentidos.
E aqui vai um elogio enorme para a turma de tradução dele. O trabalho de localização é muito bom, com os diálogos mostrando que há diferenças claras entre os vários personagens e culturas apresentadas ali. Akito é jovem e fala como um. Eu morria de rir com o vocabulário dos Tanuki, que simulam muito bem conversas mais informais das ruas. Já as almas no geral variam o diálogo se são mães, empresários, crianças e afins. Olha, essa galera até merecia um prêmio, pois não me recordo quando vi essa variedade tão bem-representada pela última vez.
Nestes quesitos, Ghostwire: Tokyo brilha. Enquanto muitos acreditaram que a Bethesda faria as coisas “de qualquer jeito” porque agora estava sob o comando da Microsoft, pode ter certeza que estavam mais do que enganados. Minha maior reclamação se trata muito mais sobre uma decisão na direção do que no trabalho de desenvolvimento no geral, algo que foi pensado em uma mesa por alguém lá no passado. Ou seja, apesar de eu não ter gostado do fator mundo aberto que ele apresenta, a execução de tudo está digna e tão boa que foi muito difícil encontrar defeitos nele.
Isso não significa que ele não tenha algum, é que são coisas que devem ser melhoradas para as atualizações futuras. São bugs e glitches comuns de qualquer produção. Também tive dificuldades com a mira, qual nem sempre focava nos oponentes que eu estava enfrentando quando apertava o botão. Para a minha sorte, a minha mira pessoal não falhou nestes momentos e foram poucos os confrontos que acabei perdendo. Pode ser melhorado? Óbvio que sim, mas este último fator eu duvido que seja uma das prioridades do estúdio para o Day One ou os dias seguintes.
Akito e KK vs. Hannya
Ah, você deve estar se perguntando onde está a história de Ghostwire: Tokyo também. Ela é bem genérica inicialmente, mostrando mais camadas conforme você avança. De início, não será convencido por quase nada, sendo bem sincero. Tóquio está sendo dominada por inúmeros monstros e fantasmas do folclore japonês, com Hannya no comando disso tudo.
Akito, o protagonista, tinha acabado de sofrer um acidente e estava prestes a morrer quando isso aconteceu, com a possessão de KK salvando a sua vida, mas dividindo o corpo dele entre os dois. Com toda a cidade morta, eles vão em busca da irmã do protagonista, que exercerá um papel central nesta invasão nas mãos do grande vilão. Se não te atraiu, não se sinta sozinho nessa. Mas de acordo com seu progresso, verá que tem muitas coisas ali que chamarão bastante a atenção, acredite.
Caso esteja procurando algo que mostre como serão apresentados os jogos de terror da nova geração, Ghostwire: Tokyo é uma excelente forma de espiar como isso funcionará. O uso do áudio 3D e do sensor háptico do DualSense realmente muda as coisas e oferece uma tecnologia que potencializa aquilo que está em tela neste gênero. Vale demais a pena experimentar e sentir o que pode ser o futuro de franquias como Resident Evil e até mesmo um futuro Silent Hill, se a Konami despertar algum dia.
Apesar do mundo aberto realmente te tirar completamente do clima de temor que devia ser o principal elemento, em todo o restante ele é um primor e merece a sua atenção pela diversidade de elementos positivos. Se você curte o trabalho de Shinji Mikami ou da Tango Gameworks, encontrará ali a qualidade de sempre de desenvolvimento. No geral, curti bastante o título, porém mantenho minha opinião firme de que ele poderia ter sido perfeito se a equipe tivesse optado por seguir outra direção. Uma pena, mas ainda assim digno de estar em sua coleção.