Enslaved: Odyssey to the West é um jogo que mostra como a Ninja Theory evoluiu de alguns anos para cá. Seu último trabalho, Heavenly Sword, era um título que demonstrava claramente as forças e fraquezas do estúdio. A ambientação artisticamente bonita e personagens bem desenvolvidos, interessantes e humanos, eram contrabalanceados por uma jogabilidade fraca, repetitiva e desprovida de impacto, que impedia o jogo de alcançar seu potencial pleno. Agora, em Enslaved, todas as qualidades vistas no título anterior retornam com ainda mais força, enquanto a jogabilidade, apesar de ainda estar longe de ser perfeita, apresenta melhorias consideráveis. Apesar disso, tudo é amarrado por um final seco, sem graça e decepcionante que, mesmo se tratando de um único aspecto da aventura, o deixará com um gosto amargo na boca enquanto observa os créditos rolarem.
Começando por aquilo que há de mais impressionante em Enslaved, sua apresentação. Em eventos logo no início da trama, nosso personagem, Monkey, se vê com uma espécie de capacete preso em sua cabeça. O artefato foi colocado lá por uma garota, Trip, que precisa da ajuda do protagonista para retornar ao seu lar, que fica muito longe dali. A função do capacete é escravizar seu usuário; além de ser obrigado a acatar a ordens daquele que o escravizou, seus sinais vitais passam a estar ligados. Assim, caso Trip morra, o coração de Monkey irá automaticamente parar de bater. Vendo-se sem outra escolha, ele resolve ajudá-la a retornar à sua casa.
Inicialmente, nós não temos nenhuma informação sobre o local em que estamos. No entanto, nos primeiros minutos do jogo vemos a Estátua da Liberdade, completamente coberta por vegetação. Isso já é suficiente para conseguirmos entender onde estamos e mais ou menos quando tudo se passa. A partir disso, começamos a pintar o quadro geral, através de dicas espalhadas pelo cenário, como outdoors, placas e monumentos, ou em algumas da conversas tidas entre Trip e Monkey. Esses fatos são pequenas pinceladas, sem ser suficientes para terminarem a pintura, e é aí justamente que está a beleza dessa ambientação. Aquilo que nós é dado é o suficiente para que não fiquemos completamente perdidos, e os buracos, propositais, aparecem de tal forma que nos instigam a tentar deduzir exatamente o que aconteceu, mesmo que nunca venhamos a saber com certeza.
A outra grande qualidade, ainda relacionada a um aspecto da apresentação, está nos personagens de Enslaved. Não só os modelos dos protagonistas são impressionantes, como o trabalho de atuação e de escrita é de alta qualidade. Isso, aliado a expressões faciais que conseguem por si só transmitir sentimento, cria personagens interessantíssimos, que queremos conhecer cada vez mais. Nisso encontra-se o que há de melhor no jogo. Esses elementos são todos usados de maneira hábil para tornar o relacionamento de Trip e Monkey muito instigante. Inicialmente pode parecer que ele irá trilhar um caminho comum e esperado, mas a maneira como ele é tratado dá um caráter genuíno às interações entre os dois, e é de longe o ponto que mais me interessou em toda a aventura. Mesmo com a ambientação sendo bem feita e atiçando a curiosidade, ela toda me pareceu apenas um pretexto, nada mais do que palco feito para esses participantes. Ainda há na trama um terceiro personagem, também peculiar, mas sua importância não é mesma do que a dos outros dois.
Quanto aos momentos de jogabilidade, que intercalam esses acima mencionados, eles são também bem feitos, mas talvez não tanto quanto se possa desejar. Existem, basicamente, duas situações distintas: as de travessia e as de combate. A primeiro não foge muito do esperado. Monkey, apesar de grande, é ágil e capaz de saltar, correr e se pendurar sem dificuldades. É praticamente impossível falhar nessas horas, já que tudo que deve ser feito é segurar uma direção e apertar um botão. Ainda assim, é possível ver que a Ninja Theory fez sua lição de casa, bebendo de fontes como Uncharted 2, utilizando ângulos e uma direção que dão mais dinamismo a esses segmentos. Isso não quer dizer que eles sejam tão bons quanto os presentes no jogo da Naughty Dog, mas não significa, de maneira alguma, que sejam ruins. Em pontos mais avançados da aventura, certos obstáculos começam a aparecer entre os saltos. Apesar disso, eles são bastante simples, e mesmo que você venha a ser atingido perderá apenas um pouco de vida, podendo continuar sem problemas.
O combate é, com certeza, o ponto que carecia de um pouco mais de atenção. Ele não tem (e aparentemente nem busca ter) a complexidade de um God of War ou Devil May Cry, por exemplo. Existem dois golpes diferentes, um forte e lento e outro rápido e fraco, e é isso que você usará no decorrer de todo o jogo. Certos trechos pedem que você use projéteis, que podem ser armazenados em número limitado no bastão de Monkey, enquanto alguns robôs possuidores de escudos necessitarão que você carregue seu ataque para que possa causar dano. Olhando todos esses itens em uma lista, é possível pensar que há uma boa variedade à ação. Entretanto, ficar alternando repetidamente entre os dois tipos de ataques, sem dar muita atenção ao que estava acontecendo, me levou à vitória em quase todos os casos. Até mesmo os inimigos protegidos não pedem por uma tática muito diferente; um ataque carregado inutiliza seu escudo, e depois disso é apenas voltar a martelar os botões.
Há todo um sistema de melhoria de atributos e habilidades, como aumentar o tamanho da vida, melhorar o dano dos projéteis, poder utilizar um contra-ataque etc. No entanto, esses upgrades não mudam a aparência e a forma de seus ataques, nem têm muito impacto na batalha, que é pouco desafiadora mesmo que você os ignore. A facilidade fica em maior evidência nas lutas contra os chefes. Um deles em específico, segundo o que é dito pelos personagens, é um dos maiores terrores já vistos, e não há notícia de que alguém já tenha derrotado um robô daquele tipo. É claro que você eventualmente acaba o enfrentando, mas a luta chega a quase ser uma covardia. Usando os recursos dados pelo jogo, é possível ganhar o conflito praticamente sem que o chefe consiga se mexer. E essa não é uma tática avançada, que explora algum defeito ou algo do tipo; eu fiz isso simplesmente seguindo as dicas oferecidas naquela hora.
Nos atos finais da aventura, o combate fica mais interessante. Ele não se torna mais difícil, mas a quantidade de robôs enfrentados simultaneamente aumenta, o que dá um ar mais grandioso às batalhas. Essa sensação é aumentada porque normalmente as situações nas quais os personagens se encontram são de urgência, o que fez com que eu me sentisse um participante mais ativo daqueles eventos, me esforçando realmente para destruir os robôs o mais rápido possível. Um outro toque que ajuda a intensificar esses trechos é a direção artística, através de uma pequena cena ativada quando o último inimigo daquele grupo é derrotado. Tudo fica em câmera lenta por alguns segundos, e o golpe desferido por Monkey é visto em zoom. Além disso, um líquido preto sai das máquinas partidas – provavelmente óleo – que se assemelha aos jatos de tinta da apresentação de Street Fighter IV, criando um efeito bastante bonito. Isso acontece durante todo o jogo, mas foi apenas nesses momentos mais intensos do final que eles me chamaram a atenção e fizeram mais sentido.
Enquanto os pontos mais fracos permanecem imutáveis durante todo o jogo, aquilo que Enslaved tem de positivo vai progressivamente ficando melhor. Os cenários ficam mais bonitos, a trilha sonora é cada vez mais digna de atenção e Monkey e Trip começam a finalmente a caminhar em direção àquilo que esperamos, de maneira bastante autêntica. E quando o momento inevitável se apresenta diante de nossos olhos, somos testemunhas de um final péssimo, que deixa completamente de lado os personagens, sem oferecer nenhuma conclusão satisfatória nesse sentido. Ele trata de assuntos que até então quase nem faziam parte da história, mal amarrados com o resto da trama, apresentando furos em relação ao que vimos anteriormente. O fim é, proporcionalmente, apenas uma pequena parte do jogo, é verdade. Ainda assim, a maneira como ele falha em tratar daquilo que vínhamos apreciando até então, encerrando tudo de maneira insatisfatória , chega mesmo a ser triste. Não apaga o brilho prévio de Enslaved, mas o impede de ser marcante da maneira como ele deveria e merecia ser.
Visto de maneira geral, Enslaved acaba sendo um jogo estranho. Parte daquilo que ele tem de melhor não alcança todo o seu potencial, e algumas de suas mecânicas são pouco profundas. No entanto, enquanto você estiver participando da jornada estará na companhia de personagens cativantes e atraentes, dentro de um mundo tão fascinante quanto assustador. Mesmo que suas histórias não sejam concluídas da maneira que espera-se, conhecê-los vale a pena.