Originalmente planejado para 2014, Crackdown 3 teve mais baixos do que altos durante seu longo período de desenvolvimento, que foi estendido em anos e acarretou em uma série de concessões por parte da dev Sumo Digital, para a preocupação da Microsoft e os fãs da franquia – sim, existem fãs. Ainda assim prometia ser um dos exclusivos mais divertidos da geração.
Lembram, por exemplo, daquela destruição em massa prometida em seu mundo aberto? Nada dela na campanha, exceto pelo multiplayer que mais serve de demo. Lembram da aparição de Terry Crews tão enfatizada na divulgação? Pois é, fora pela cutscene inicial, ele chega a ser pouco mais do que uma skin entre várias delas, cada uma com estatísticas ligeiramente diferentes.
De volta para o passado
No entanto, se considerarmos Crackdown 3 como a evolução natural do game original de 2007, ou seja, gráficos cel-shading, sandbox com poucas amarras e habilidades sobrehumanas, o game é surpreendentemente satisfatório – ao menos para quem jogou o original e espera a mesma essência -, embora mostre sua idade e limitações ao longo do caminho.
Apesar da existência mais palpável de uma história desta vez, ainda bem básica mas com um contexto melhor estabelecido na guerra entre a Agência e os governantes tiranos da cidade distópica de Nova Providência, além de diálogos – de verdade – entre as personagens pelo rádio, a manha ainda é sair explorando a cidade a partir do momento que ela se abre ao jogador – ou jogadores, pois dá pra jogar a campanha em co-op.
Após um curto prólogo que repassa o arroz com feijão do gameplay – pular, mirar e atirar -, o jogador está livre para explorar Nova Providência como quiser. A tendência, é claro, é ir diretamente aos orbes verdes que estão espalhados pelo cenário, já que conferem uma maior agilidade e portanto pulos mais altos e velocidade de corrida acelerada, o que facilita o acesso a novos orbes.
Conforme o jogador interage com o mundo, deve perceber aos poucos algumas das atividades de combate, ligadas ao progresso na história e melhora das habilidades agressivas, e de locomoção, tanto a pé quanto veicular, que aprimoram os níveis de agilidade e direção, respectivamente. A princípio, o mapa da cidade é decepcionante em seu tamanho e ícones de atividades nada chamativos.
Porém com o tempo, a cidade mostra-se um playground vertical divertido e instigante, especialmente quanto às possibilidades de escalar plataformas. Os prédios e rodovias possuem diferentes níveis, por vezes aparentando mais como um parque de diversões do que uma cidade com suas luzes neon coloridas, hologramas vivos e trilhos de monotrilho.
Essa verticalidade é, de longe, o ponto alto do game, já que é bem implementada em atividades paralelas como as torres de propaganda e os truques com carro. As torres são como aquelas dos games da Ubisoft, mas com uma boa reviravolta: cada uma delas exige um nível de agilidade diferente para ser escalada, e todas contam com um padrões diferentes de plataformas que giram ou caem. A movimentação fluida certamente ajuda neste caso.
Já os truques com carro são como aqueles vistos em GTA, Burnout e mais recentemente Just Cause 4, devendo acertar ícones – que melhoram sua habilidade de direção – com um veículo, mas também exigem uma criatividade a mais. Alguns desses ícones estão no topo de prédios e outras estruturas, e como o veículo da Agência possui uma forma de “Aranha” capaz de pular e subir paredes, ela é útil para esse tipo de atividade. Para ganhar habilidade, há também as nostálgicas corridas de rua, algo que sempre me agradou.
Tiro, porrada, bomba, repita!
Enquanto isso, as atividades de combate são bem menos interessantes. O sistema de mira lock-on está aprimorado e a sensação de disparar cada uma das muitas armas é satisfatória em seu peso, mas o bom uso destas habilidades nem sempre é exigido. Os campos de prisioneiro, por exemplo, podem ser liberados apenas acessando o painel que abre as celas, sem a obrigação de dar cabo dos inimigos – faço isso apenas pela diversão do caos.
Fora os campos, que são mais fáceis, há os redutos químicos que podem ser sabotados atirando em pontos específicos de tubulações e estações de monotrilho, que parecem diretamente saídas de Agents of Mayhem mas com um combate mais ágil e dinâmico. Quando o jogador avança sua habilidade com armas e força bruta, estas fases podem ser divertidas pela experimentação com o cenário e os danos elementais diversos das armas, mas antes disso são entediantes na repetição de esconder e atirar.
A variedade de inimigos, contudo, fica prejudicada por esse fortalecimento do jogador. Há soldados normais, outros que se teleportam, grandalhões com escudos, mechs que arremessam grandes objetos etc. No início, o jogador é trucidado por esses oponentes mais fortes. Em um nível de combate alto, que não demora a ser atingido, não é necessária uma estratégia ou sequer cautela para derrotá-los – basta enchê-los de projéteis. Tudo bem que se trata de uma fantasia de poder, mas falta equilíbrio no combate a partir de um certo ponto.
Essas atividades de combate estão diretamente ligadas ao que pode ser descrito como o modo história do jogo, abrindo caminho para os subchefes típicos da franquia. No entanto, essa progressão está disposta de maneira diferente desta vez: esses subchefes estão dispostos numa hierarquia, e para melhor atingir Elizabeth Niemand, a chefona principal, deve-se derrotar suas coligações.
O interessante, nesse caso, é que sua ofensiva contra essa hierarquia reflete-se tanto no mundo aberto quanto no gameplay da história. Ao centro da cidade, há uma enorme torre que abriga Neimand em seu topo, mas a estrutura é protegida por uma série de parafernalhas. Porém, quando o jogador desliga parte dessa hierarquia, a torre torna-se menos protegida.
Por exemplo, caso o jogador opte por combater a IA Roxy e seu criador Quist, que juntos comandam a parte de logística da torre, essa torre não terá mais a proteção de robôs e outras máquinas. Caso combata Djimon Keita, o responsável pela química, a torre não terá mais o gás venenoso que impede a travessia de certas partes. É possível atacar a torre quando quiser, mas o cumprimento dessa hierarquia e a exploração fortalecem suas chances de sucesso.
Aqui vai meu conselho: faça tudo a seu tempo e na sequência que desejar. Nesse caso, pessoalmente, fui fazendo um pouco de tudo, de acordo com as chances de sucesso em cada atividade, para fortalecer meu agente e encarar as batalhas de chefe com mais variedade de movimentos e armas. Na realidade, tudo se torna mais divertido quando as habilidades estão bem desenvolvidas, como no game original.
Apesar da inconsistência entre atividades e missões, Crackdown 3 flui muito bem. Os controles são ágeis e responsivos, dando ao jogador uma precisão nos movimentos, pulos e golpes. Essa precisão, é claro, crescer conforme há melhora nas habilidades. A vibração do controle, aliás, é bem usada para deixar os movimentos mais táteis. O mesmo vale para a direção de veículos, que começa um pouco dura mas torna-se mais suave com a aquisição de habilidades.
Por fim, os infames gráficos. Não, em termos técnicos Crackdown 3 não parece ser um jogo “de 2019”. Porém, não posso dizer que os visuais são ruins. De fato, gosto bastante de seu estilo artístico, que resgata a estética cel-shading nos mesmos ares do game original mas com detalhes sutis de iluminação e textura. Além disso, apesar de algumas engasgadas aqui e ali, o game corre muito bem em meio ao caos e à destruição.
Zona compartilhada
Pegando carona nesta última frase, o mesmo não pode ser dito de seu modo multiplayer, Área de Demolição – ou Wrecking Zone, no original. Desenvolvido pela Elbow Rocket usando tecnologia da nuvem Azure, esse modo serve como um tipo de demo tecnológica para a destruição antes prometida na campanha. No curto período de testes concedido aos avaliadores, nota-se que a tecnologia não foi totalmente aprimorada, com lags severos.
No entanto, há algumas qualidades na Área de Demolição. Existem apenas duas variedades básicas de partida: Caçada ao Agente, uma variação do modo Kill Confirmed de Call of Duty que exige matar adversários e coletar seus distintivos, e Territórios, que é nada mais, nada menos que uma captura de bases – estas, no entanto, desmoronam quando são completamente capturadas. A maior surpresa é como a jogabilidade de Crackdown mescla bem com multiplayer competitivo.
Algo muito alardeado neste modo no período de previews foi a implementação da mira lock-on, além do fato de sempre enxergarmos nossos inimigos através dos muros. Estas escolhas, ainda assim, fazem sentido com a proposta do multiplayer, que é o uso da verticalidade e da destruição acima do poder de fogo e habilidades com a mira. Imagine fazer tudo isso com uma mira livre? Seria contraintuitivo. Para quem treinou na campanha, vira uma segunda natureza.
Mesmo assim, não há nada que torne a Wrecking Zone especialmente marcante, com poucos cenários – no período jogado, há apenas três mapas com pouca variação – e um estilo visual que, mesmo inspirado num simulacro a la Tron, é básico demais para ser considerado atraente. Talvez o visual genérico evite a dor no coração de destruir um mapa bonito? Vai saber. No fim, o multiplayer mais parece um bônus de última hora, mas que poderia ser especial caso tivesse uma execução mais cuidadosa.
No fim do dia, pode-se sim dizer que Crackdown 3 é de fato um game datado. Não há cutscenes sofisticadas, efeitos de iluminação deslumbrantes, um modo multiplayer parrudo. Mas também não há uma chuva de ícones no mapa, grinding excessiva para aprimorar seu personagem ou microtransações que barram o caminho da diversão. Datado, aliás, nem sempre quer dizer ruim. Temos aqui um sandbox à moda antiga, que funciona dentro de sua proposta de diversão fácil.