O mercado dos jogos eletrônicos é bastante competitivo. Dados do SteamDB apontam que mais de 14 mil títulos foram lançados no Steam, em 2023. Desse total, 1256 foram jogos de sobrevivência. É matar ou morrer, é uma briga de foice em que as desenvolvedoras tem poucas chances de se destacar na multidão. E, se você está achando que já leu essa abertura em algum lugar, é porque eu estou repetindo parte do parágrafo inicial de minha prévia de Serum.
Não vou pedir desculpas pelo truque, porque ele é fundamental para apontar qual é a grande diferença de Nightingale (esse jogo tão difícil de soletrar…). O fato é que o título desenvolvido pela Inflexion Games é uma explosão de criatividade. Se todos os títulos de sobrevivência são extremamente parecidos em suas mecânicas, é o contexto que os separa e Nightingale tem a audácia de misturar estética steampunk com cenários alienígenas e elementos folclóricos dos povos saxônicos. Parabéns a todos os envolvidos, esse era um jogo que eu já queria explorar desde sua concepção e cuja entrega não me decepcionou.
Shakespeare ficaria orgulhoso
Em Nightingale, somos um “dimensioneiro”, um viajante entre diferentes realidades tentando retornar ao que sobrou da Terra. Em algum ponto da Era Vitoriana, a raça humana descobriu os portais, descobriu os povos das fadas e saiu por aí em uma tentativa óbvia de colonizar novos mundos. Infelizmente, esbarramos na Névoa, uma força sombria que tudo consome. A civilização foi dispersa e reza a lenda que Nightingale é o nome do último refúgio, a última cidade humana. É para lá que o jogador deve ir, saltando entre múltiplas dimensões, sendo guiado por uma figura enigmática batizada de Puck, o mesmo nome do elfo brincalhão do clássico “Sonho de uma Noite de Verão”, de William Shakespeare.
Não estamos falando aqui dos elfos “tolkienianos”, de orelhas pontudas, mestres no arco, elegantes e nobres. O jogo revisita os mitos que serviram de inspiração para Tolkien, em sua forma original, com uma pitada de teatralidade. O povo das fadas, o povo faérico, tem uma relação ancestral com o Homem e ruínas de sua glória emergem por toda parte, repletas de deslumbramento e perguntas. Fazer acordos com os faéricos sempre traz um risco, mas há perigos maiores entre as dimensões.
A Inflexion Games cria um contexto complexo, repleto de enigmas, mas também repleto de histórias paralelas e explicações em um códex que ajudam a entender a vastidão que se apresenta. Nightingale não é apenas um jogo vasto em termos de espaço físico, mas também um jogo vasto em termos de imaginação, e não seria incorreto afirmar que seus desenvolvedores criaram não um mundo, mas um universo inteiro de mundos.
Mochilando em Nightingale
Para tentar compreender como as viagens funcionam, o melhor paralelo acaba sendo No Man’s Sky. Nightingale tem infinitas dimensões, geradas proceduralmente. Cada uma delas é uma ilha de proporções gigantescas, com diferentes biomas que você pode escolher ao configurar o portal de transição. É como viajar entre planetas, extrair seus recursos, construir estruturas e deixar para trás uma rede de caminhos (felizmente, viagem rápida entre seus refúgios é uma opção para o jogador).
Meu senso de exploração passou por uma overdose sensorial com a quantidade de segredos para decifrar em um único mundo. A possibilidade de que eles sejam infinitos é quase aterradora. Vencer os variados desafios de ruínas desbloqueia novas receitas de equipamentos ou itens de construção, o que adiciona um elemento de prêmio aleatório à experiência.
A necessidade de avançar na campanha para escrever a prévia me impediu de fazer uma varredura total na região. São naufrágios, prédios incompreensíveis, ossadas de criaturas colossais, masmorras… até mesmo pequenos elementos adicionam mistério ao jogo, sejam estátuas que choram ou uma entidade fantasmagórica da altura de um prédio de dois andares passando pela mata.
O combate em Nightingale é suave e fácil de dominar, mesmo no começo, quando suas armas são feitas de pedra. Dominar a esquiva e o ataque à distância solucionaram todos os conflitos para mim. É evidente que o jogo não quer ser desafiador nesse sentido, porém, tampouco me senti passeando pelo cenário. Vislumbrei uma boa variedade de criaturas, hostis ou não, assim como uma boa variedade de inimigos macabros.
É nas mecânicas de sobrevivência e fabricação de itens que o jogo acaba derrapando com um pouco mais de força. O fluxo de itens em Nightingale é longo e complicado: fabrique o recurso X na bancada 1, leve o recurso X para a bancada 2 para produzir o item Y, para completar o trabalho na bancada 3. Há um excesso de bancadas e receitas, até mais do que encontrei em Conan Exiles, que já parecia cansativo de vez em quando. Além disso, o menor traço de fome já reduz a vida máxima do personagem, que precisa comer de dez em dez minutos. Da mesma forma, o menor traço de cansaço já reduz a estamina máxima, o que pode ser letal em combates.
Colírio para minhas retinas
Visualmente, Nightingale é quase impecável. Seu único pecado seria o fato de ser exigente em termos de recursos da máquina. A otimização poderia ser muito melhor e me vi obrigado a reduzir diversos parâmetros para evitar engasgos. Ainda assim, no modo Balanceado do DLSS, o jogo é belo, dolorosamente belo, como não via em um jogo de sobrevivência havia muito tempo. A trilha sonora sutil, mas marcante, completa a experiência de imersão.
Evidentemente, há muita coisa técnica para ser melhorada no jogo. Ele está merecidamente em Acesso Antecipado, não se trata de uma obra acabada. Um bug me obrigou a literalmente recomeçar o tutorial com outro personagem. Outro bug removia os ícones dos itens em minha barra de acesso rápido. Não sei se compreendi erroneamente a função de minha Recruta ou se ela simplesmente sumia com os itens que eu dava para ela carregar. Passei por um travamento feio que forçou o reboot do PC.
Porém, em sua proposta, Nightingale é um sonho que se torna realidade: um convite para regiões mágicas infinitas, com um Norte possível, com estilo único e a promessa de aventuras inimagináveis.