Yakuza pode ser classificado como sinônimo de perfeição em narrativa e desenvolvimento de personagens. Talvez não esteja no panteão de títulos famosos e jogos que fazem a cabeça dos gamers, figurando sempre no topo de vendas (até mesmo por sempre estar restrito ao oriente), mas com certeza consegue ser superior à muitos ganhadores de prêmios. Foram seis capítulos, com altos e baixos, para construir um dos personagens mais emblemáticos dos games: Kazuma Kiryu.
Com Yakuza 0 e a chegada oficial da franquia ao ocidente com Kiwami, o sexto episódio da série consegue atrair os novatos e que não acompanharam essa jornada pela máfia japonesa e até mesmo agradar os fãs de um dos trabalhos mais marcantes da SEGA. Mesmo sendo o mais curto dos jogos e retornando às origens com apenas um protagonista, sem bifurcar a narrativa, The Song of Life se mostrou um dos mais completos, emocionantes e imersivos jogos que tive a oportunidade de conhecer.
Vamos de encontro ao encerramento dessa saga e desde já com vontade de seguir, seja lá o que o futuro nos reserva. O importante é curtir um pouco mais dessa história marcante.
Praticamente um Dorama
Evoluindo a cada jogo, em que acompanhei do primeiro ao terceiro e contando com a ajuda de amigos para entender o quarto e quinto episódios, acho que finalmente Yakuza conseguiu alcançar a mesma qualidade de um Dorama ou J-Drama, chame como quiser. Para quem não sabe, são novelas japonesas que fazem sucesso no mundo inteiro (a ponto da Netflix investir na produção de suas próprias séries televisivas) e que o Ryu ga Gotoku Studio acertou em cheio ao construir essa história de encerramento para a jornada de Kiryu. De maneira bem breve, num primeiro momento Kiryu acaba se envolvendo com assassinato de uma pessoa próxima e cuidando de uma criança apontada como chave para a trama envolvendo um grande valor importante para os mafiosos.
Como redenção e após reviver questões do seu passado relacionado à família Omi (do segundo jogo), o protagonista vai para Okinawa no terceiro episódio e decide ajudar crianças com seu próprio orfanato (Asagao, ou em inglês: feição da manhã), porém nada dura muito tempo até ver sua vida voltar ao centro das atenções novamente por conta da Família Ryudo e a tentativa de vender as terras onde se encontra o orfanato. Já no quarto episódio, talvez o mais fraco entre todos os jogos, temos pela primeira vez três novos protagonistas além de Kiryu: Masayoshi Tanimura, Shun Akiyama e Taiga Saejima. Todos os personagens estão ligados à acontecimentos estabelecidos há 25 anos e que retornam por conta de assassinatos, explosões de prédios e fuga de prisões. Por fim, o quinto título e que até então era encarado pelos fãs como encerramento da série, mostra Haruka, a criança do primeiro jogo, crescida e em busca de fama para se tornar uma Idol. Claro que o passado de Kiryu e sua fama como o Dragão de Dojima com certeza vai atrapalhar tudo, nos levando ao sexto e último jogo.
Até mesmo para pegar, aqui no Ocidente, quem jogou o prequel e a versão remasterizada do jogo, a SEGA construiu esse sexto episódio de maneira simples, com poucas e boas referências ao passado da franquia, porém evitou começar o jogo sem nenhum background e lentamente como em alguns casos anteriores. Não que seja um jogo rápido a engrenar, até mesmo por contar com cenas de mais de 15 minutos.
Você já começa sabendo o que aconteceu com Haruka e Kiryu, evitando que aquele final que já conhecemos desde 2012 fosse deixado de lado para quem considerava como final canônico, além de dar força para um encerramento digno que todos nós esperávamos e merecemos depois de quase 15 anos. Nos dias atuais, em The Song of Life, as ações de Haruka em sua carreira como Idol levam Kiryu de volta à prisão, que decide cumprir os três anos para sair como um civil e deixar o seu passado de criminoso para trás. No entanto, o que ninguém esperava é que um acidente e o sumiço repentino de Haruka, durante o tempo em que o protagonista esteve preso, faz com que ele se envolva com a Tríade e as mais perigosas famílias do Japão, China e Coreia.
Agora não temos apenas personagens novos, mas também um local totalmente novo para explorar. Além de Kamurocho, o bairro fictício baseado em Kabukicho (Tóquio), nós conhecemos Onomichi, uma cidade da província de Hiroshima e que foi recriada perfeitamente. Será nesse ambiente, que tenta se aproximar de um jogo de mundo aberto por oferecer uma área maior de exploração (até mais que a atual Kamurocho), porém sofre com um lugar vazio e que serve como pano de fundo para o desenvolvimento do que mais interessa nesse jogo: a história da Família Hirose e a força da Iwami Shipbuilding Company dentro da máfia japonesa.
Ainda com a dificuldade de ter que usar o táxi para se mover entre os locais e o loading que ficou mais demorado, notei que as duas cidades ficaram mais completas, vivas (o que não quer dizer que estão cheias de pessoas, por mais que nessa ocasião Tóquio ainda seja mais populoso do que Hiroshima) e repleta de atividades para o jogador transformar facilmente as 20 horas da história em 100, ou até mesmo em 200 como alguns casos no Reddit.
Esses dois pontos são o suficiente para nos apresentar, na minha opinião, cinco nomes importantíssimos para Yakuza 6: Heizo e Tsuneo Iwami, Toru Hirose, Yuta Usami e Katsumi Sugai, o novo “poderoso chefão”. Poderia até listar o fiel Tsuyoshi Nagumo, o insuportável Takumi Someya e o Kanji Koshimizu, o chefão da Aliança Yomei e responsável por abalar a paz no Clã Tojo e na Aliança Omi, mas esses nomes entram em segundo plano se compararmos ao potencial do grupo principal e que são os responsáveis por movimentar a história. Destaque para Toru Hirose, interpretado pelo famoso ator Beat Takeshi, também conhecido como Takeshi Kitano, presente em produções cinematográficas como, por exemplo, Battle Royale e Ghost in the Shell.
O envolvimento da família Hirose e as questões político-econômicas ligada à Iwami Shipbuilding Company colocam o passado e o presente da Yakuza como ponto central da trama, explorando temas como família, legado e gerações, usando Kiryu como contraponto para o velho e o novo, além de mostrar que nada está livre do que move a humanidade: dinheiro e poder. É impressionante como eles conseguiram construir por trás do clichê de paternidade e vingança uma questão que envolve até mesmo acontecimentos da época da Segunda Guerra Mundial como pano de fundo para a escalada de poder e o interesse político em The Song of Life.
Um Beat ‘em Up cinematográfico
Deixando a história um pouco de lado, dá para notar que a série conseguiu evoluir dentro da sua proposta de jogo. Temos comandos fáceis mascarados com muito smash button (com certa dose de estratégia), além de uma árvore imensa de upgrades e habilidades para serem desbloqueados com muito XP ganhos pelo jogo. Esse é um ponto importantíssimo e muito bem trabalhado durante o gameplay, afinal tudo o que você fizer nesse universo fictício japonês você conseguirá pontos de experiência para melhorar o seu personagem.
O único problema disso tudo é que o clima do jogo é quebrado em alguns momentos após cutscenes importantes. Você ou precisa enfrentar alguém ou andar por algum ambiente e acabar esbarrando em qualquer briga aleatória. Isso é muito chato! Que tal colocar mais uns bons minutos de cenas ou até mesmo quick time events para eu não ter que quebrar o ritmo da sequência? Por conta disso e até mesmo para sustentar todos os pontos da história, você terá inúmeras batalhas pela frente.
Ainda sobre a porradaria generalizada, Yakuza 6 mantém a brutalidade da série e acrescenta novos modos de destruir a cara dos seus inimigos. O único ponto que ainda não evoluiu é quando você está em combate e quer pegar algum item ou interagir com alguma parte do cenário, mas por haver uma vasta gama de possibilidades para incrementar seus golpes com itens ou sequências scriptadas, infelizmente algumas horas pegar uma placa para acertar no seu inimigo pode ser uma tarefa árdua. Não é nem problema da câmera, o que muitas vezes é o ponto de atenção ou crítica em jogos desse tipo que oferecem um combate mais fluido e em áreas abertas.
Aqui fica claro que a SEGA ainda precisa melhorar a maneira como a franquia oferece as opções de incrementar a luta, pois se você optar apenas por combos e socos, além de ativar seu Dragon Mode, nenhum problema acontecerá! A grande questão é: muitas vezes você precisa de uma ajudinha do que estiver à sua disposição para eliminar inimigos mais fortes ou que venham acompanhados de uma gangue.
O que me surpreende é ver a quantidade de minigames e perceber que os controles de games antigos foram preservados, no caso do Club Sega com Puyo Puyo, Virtual Fighter 5, Out Run, Super Hang-On, Space Harrier e Fantay Zone ou até mesmo a maneira simplificada de controlar o seu celular para as opções do menu, a facilidade em jogar baseball com aquele time que você participa durante a história contra alguns membros da Família Hirose, uma opção de um shooter em primeira pessoa ao mergulhar para caçar lulas gigantes ou tubarões assassinos, desafios à sua destreza e atenção para ir ao bar e jogar dardos ou até mesmo encostar em algum karaokê para um dos, senão o melhor joguinho com aquela pegada simples de aperte o botão correto dentro do ritmo.
Como se não bastasse, você ainda tem os minigames mais “sociais” como, por exemplo, sair para paquerar, cuidar de Haruto usando o sensor de movimento do controle, missões paralelas para procurar e cuidar de gatos, tirar um tempo para ir à academia para melhorar seus status e procurar por clubes de Mahjong para uma jogatina tranquila. É muita coisa para você fazer e acabar se perdendo entre um capítulo e outro da história; eu mesmo me peguei por horas jogando Puyo Puyo ao invés de descobrir quem é Tatsukawa e seu envolvimento com Haruka (calma, sem spoilers!).
A opção de trabalhar com um gameplay mais simples e que pode até causar pequenos defeitos durante a jogatina frenética entre uma pancadaria desenfreada e outra, acabam sendo superados pelo conjunto perfeito que Yakuza consegue oferecer como conteúdo e imersão. Prova disso é o modo Clan Creator e a inserção de um minigame ao melhor estilo RTS dentro de tudo isso, e o melhor é que ainda conta como missões secundárias para você enfrentar os The Six Lunatics representados por Pro Wrestlers japoneses. SENSACIONAL! Você terá a chance de montar sua própria gangue com diversos personagens famosos da franquia para uma luta de rua controlada pela IA do próprio Yakuza 6, inclusive obrigando você a se manter o maior tempo possível nesse modo para desbloquear diversos outros personagens.
O fim perfeito de uma era
Yakuza 6: The Song of Life não poderia ser melhor e acredito desde já que seja um dos meus TOP 5 desse ano. Ele consegue crescer a partir do que vimos no primeiro jogo, além de otimizar com sua engine gráfica o que já surpreendeu no Zero ou Kiwami, além de acrescentar uma infinidade de conteúdo e continuar com a mesma identidade. Com certeza conquistou um nível superior de qualidade visual, técnica e de entretenimento, com uma história que pode até parecer clichê para alguns, mas que encerra a história de Kazuma Kiryu como gângster (será mesmo?), mas que também abre portas imensas para um novo começo e que promete carregar tudo o que vimos nesse sexto episódio.
Se permita aproveitar um jogo que pode não ter o mesmo hype de um God of War, mas que com certeza usa dos seus clichês e plot twists, que vão do jocoso e exagerado ao surpreendente, para transformar um final talvez previsível em uma excelente conclusão para Haruka, Date e os demais personagens que passaram por essa aventura, sejam os mais velhos ou até mesmo os recém apresentados. Mais do que um excelente jogo, Yakuza 6 é também a força que a série precisava para entrar de vez no Ocidente.