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Apesar de ter acompanhando com certo afinco as notícias em torno de Epic Mickey desde o momento de seu anúncio, eu não sabia exatamente o que esperar dele. Suas mecânicas eram pouco a pouco reveladas, mas sempre encobertas por um véu de mistério, sem que soubéssemos exatamente como elas influenciariam o mundo no qual o aventura se passa. As falas de Warren Spector eram repletas de ambição, sempre remetendo à grandiosidade do projeto e à ousada releitura que estava sendo feita sobre o mascote da Disney. Assim, foi só quando peguei o jogo em mãos que pude ver do que ele se tratava. Não sei se outros compartilham dessas minhas dúvidas, mas, caso a resposta seja afirmativa, eis do que Epic Mickey consiste: é um título de plataforma praticamente linear, com uma câmera quebrada e uma mecânica de criar e apagar elementos do cenário que raramente é bem utilizada. Ele também possui um clima interessante, se um tanto dissonante em relação aos seus outros aspectos – mas vamos a isso em partes.

Devido a eventos da trama, Mickey vai parar dentro da Wasteland, um mundo habitado por personagens e rascunhos da Disney, já há muito esquecidos. O lugar é comandado por Oswald the Lucky Rabbit, que garantia que seus moradores, já não mais celebrados, pudessem viver em paz. Essa tranquilidade chega ao fim no dia em que ocorre o desastre do tíner – evento que estranhamente faz referências a uma passagem bíblica -, que acaba por alterar permanentemente a Wasteland. Essa terra agora tem uma atmosfera de decadência; todos os seus locais parecem estar, calma e lentamente, a caminho da destruição. O objetivo primário de Mickey, então, é escapar dali, voltando ao seu mundo.

De forma a conseguir fazer o isso, o rato utiliza um pincel imbuído de habilidades. Principalmente, o artefato permite que certos elementos do cenário sejam pintados e apagados. Por exemplo, se um vão é distante demais para ser coberto por um salto, muito provavelmente haverá ali uma silhueta de um ponte. Quando tinta é jogada no local, o objeto toma forma, permitindo que o herói passe sem problemas. O tíner, por sua vez, é na maioria das vezes usado para desbloquear passagens ou para que se possa encontrar segredos por trás de estruturas pintadas. Painéis que compõem as paredes frequentemente cobrem salas que abrigam itens, e assim por diante.

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A mecânica é interessante, mas raramente é bem utilizada. Na verdade, os exemplos citados acima são os que serão vistos em quantidades abundantes, rapidamente ficando desprovidos de qualquer surpresa. São poucos os pontos em que o sistema mostra o quão profundo e diversificado ele pode ser. Em um dos chefes é necessário alternar entre as duas habilidades frequentemente, pois o cenário pede que ambas sejam usadas de maneira inteligente para que o desafio possa ser transposto. Ao mesmo tempo, o inimigo em questão dispara jatos de tíner, que visam justamente atrapalhar o progresso anteriormente feito. A agilidade e diversidade de maneiras com as quais a mecânica deve ser usada tornam esse momento tenso e divertido. Infelizmente, esse é o único exemplo que consigo citar em toda a aventura que faz algo do tipo. No resto do tempo as mesmas teclas são batidas repetidamente, impedindo que a jogabilidade alcance o potencial que claramente tem. Para piorar um pouco a situação, a mira, feita com o Wii Remote, é um pouco temperamental. Não é raro que os jatos de tinta e tíner soltos por Mickey voem em direções adversas àquela desejada ou batam no chão logo em frente aos pés do personagem.

A outra utilização importante das habilidades de Mickey Mouse acontecem nos combates e escolhas morais. Quando confrontando um inimigo, pode-se tanto utilizar a tinta quanto o tíner para derrotá-lo. Quando cobertos de tinta, os vilões passam a amar Mickey, lutando ao seu lado. Em contrapartida, quando dissolvidos pelo tíner eles desaparecem, deixando algum item, como vida, em seu lugar. É algo simples, mas que dá um pouco de estratégia ao combate. Dependendo da necessidade naquele momento, uma das duas alternativas oferecerá recompensas melhores.

Já as escolhas morais são uma nota de rodapé, que poderiam muito bem ter sido deixadas de fora. Bem da verdade, a única coisa que você estará escolhendo é se quer apertar o botão B ou o Z. Nas lutas contra os chefes ou em pontos específicos da trama, Mickey pode usar a tinta ou o tíner para resolver uma situação. No entanto, não existem dilemas quando escolhendo um dos dois; não é como se, em dado momento, o tíner fosse causar um mal maior mas oferecesse uma saída mais fácil, desprovida de perigo. Os pesos e medidas são sempre os mesmos, o que tira qualquer impacto que essas decisões poderiam ter. A única diferença, que não é sempre presente, é que ajudar ao invés de prejudicar o recompensará com um emblema que, fora ser colecionável, não tem utilidade nenhuma. Ou seja, uma recompensa sem valor. Assim, trilhar um dos dois caminhos é mais uma questão de capricho do que pressão moral.

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Mais ainda, por que é que você seria “mal”, usando o tíner, se a outra alternativa é, para todos os propósitos e intenções, idêntica? É verdade que há uma diversão mórbida em ver outros personagens se dando mal, mas em nenhum ponto consegui esquecer que controlava Mickey Mouse. Até pode-se fazer o caso de dizer que, originalmente, quando ele ainda conduzia o barco de Steamboat Willie, Mickey tinha uma ar mais de sacana. Entretanto, o rato com o qual a maior parte de nós cresceu é completamente bonzinho e amigável – até demais na verdade. Assim, prejudicar ao invés de ajudar me pareceu como uma descaracterização do personagem.

Apesar do mal aproveitamento da mecânica, explorar a Wasteland é algo muito prazeroso. O clima de decadência e abandono é um que não estamos acostumados a ver relacionados a Disney, mas ele funciona muito bem. É triste ver os personagens esquecidos e sem perspectiva de mudança, relembrando inutilmente seus dias de glória. Tudo é – e digo isso sem conotação negativa – sem espírito, sem alma. Esses seres parecem apenas vagar, sem escolha, como se estivessem perpetuamente presos em um limbo. A música que acompanha boa parte desse cenário caminha de mãos dadas com essa sensação, aumentando ainda mais o clima. É uma trilha com itenções de ânimo, mas ao mesmo tempo infeliz, algo que mais de uma vez me remeteu a canções compostas por Tom Waits. O tom de cor nos céus, muitas vezes pendendo para um marrom como em um ápice de um crepúsculo, fecha a desolação.

Enquanto o clima é facilmente o melhor ponto do título, há uma dissonância entre ele o resto do jogo. Essa atmosfera é uma aproveitada por aqueles que experienciaram as criações da Disney em sua infância. De certa maneira, é uma leitura feita pela mente adulta, já desencantada e desiludida, olhando para trás e vendo esses mundos que foram tão importantes quando criança. Porém, todas as características de jogabilidade de Epic Mickey são, claramente, voltadas a um público infantil, que dificilmente terá essa visão. A dificuldade é baixa, os tutoriais são repetitivos e extremamente explicativos, e o jogo jamais solta sua mão, ensinando sempre passo a passo o que deve ser feito em cada situação. Para se ter uma ideia, todas as vezes que um novo inimigo é apresentado, Gus, seu guia, diz exatamente como derrotá-lo. É difícil dizer com certeza a quem Epic Mickey é voltado.

Ter tudo mastigado e entregue já quase digerido é chato, mas isso não quer dizer que o público mais velho não possa tirar proveito da jogabilidade de Epic Mickey. Infelizmente, existem outros problemas nesse aspecto que são bem mais enervantes. Em primeiro, a câmera é, em uma palavra, quebrada. Os ângulos escolhidos por ela são quase sempre terríveis e o controle que temos sobre ela é limitado e duro. Pulos têm sua dificuldade aumentada porque nem sempre é possível saber o que está logo em frente, inimigos são perdidos de vista porque a câmera resolve dar voltas inesperadas e assim por diante. É algo terrível, e não há desculpas para que ela seja assim – especialmente quando levamos em consideração exemplos como Super Mario Galaxy 2, cujo design é infinitamente mais complexo e insano e ainda assim não apresenta nenhum problema com sua câmera.

Em segundo, há uma repetitividade chata para se ir de uma área à outra. Apesar de ser essencialmente linear, você pode revisitar lugares antigos, aceitando missões secundárias dos habitantes da Wasteland. São normalmente tarefas bem simples, como ir conversar com uma certa pessoa e retornar, ou coletar um item em um ponto específico. O que rapidamente se torna um estorvo é como essa travessia é feita. Separando cada área estão telas de projetores, cada uma representando desenhos da Disney. Quando dentro do projetor, somos colocados em uma fase curta, em 2D, cuja arte, trilha sonora e características todas vêm do desenho em questão. É muito legal ver como cada detalhe da animação foi usado para compor o estágio, especialmente se você a conhece. O problema é que esses trechos sempre devem ser transpostos quando se quer viajar entre as áreas, seja para ir ou vir. Isso tem de ser feito com uma frequência grande caso você aceite fazer muitas missões secundários, e passar pelos mesmos locais constantemente não demora a fica chato.

Com o perdão do trocadilho infame, mas Epic Mickey estaria mais de acordo se fosse chamado de “Mickey Medíocre”. Toda a ambição do mundo não muda o fato de que se trata de um jogo mediano, com algumas ideias muito boas, mas tropeções muito mais numerosos e frequentes. O clima obtido é um único e raramente visto, mas problemas técnicos, hoje em dia imperdoáveis, como a câmera quebrada, impedem que aquilo que é de valor seja aproveitado da maneira como poderia ser.

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