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Tem uma música dos Engenheiros do Hawaii que diz “É sempre a mesma história / É tão difícil partir / É sempre a mesma história / É impossível ficar / É sempre mais difícil dizer adeus / Quando não há nada mais pra se dizer”. Jogos especiais são aqueles em que você não quer completar o momento final antes dos créditos, jogos que você gostaria que ficassem congelados no tempo, jogos em que dói saber que você não irá mais ver aqueles personagens. Não existe atestado maior da qualidade de Creatures of Ava do que aqueles longos segundos de hesitação no final, aquela última fotografia tirada antes da partida.

A desenvolvedora Chibig (do também fortemente emocional Summer in Mara) se junta aqui com a Inverge Studios (de Effie) para nos trazer um título que parece ficção científica em sua superfície. Porém, assim como toda boa ficção científica, funciona como um pano de fundo para abordar temas muito mais humanos do que tecnológicos. É um jogo que usa e abusa de fofura em um planeta exótico para transmitir uma mensagem poderosa.

Creatures of Ava

Temos que pegar todos!

O jogo abre com uma daquelas magníficas animações que a Chibig utiliza como cutscenes em seus títulos. Somos apresentados a Victoria Hamilton, uma exploradora espacial com uma tragédia em seu passado. Sua missão atual é pousar no distante mundo de Ava e ajudar no processo de resgate dos espécimes que ali habitam. Ava está assolada por uma infestação batizada de Mazela, que irá corromper todos os seres vivos em um curto prazo.

A Mazela está se alastrando muito rapidamente e esse senso de urgência irá se manifestar a cada novo capítulo do jogo. É visível a transformação pela qual Ava passa. Belíssimas paisagens visitadas anteriormente vão se deteriorando, enquanto uma vegetação ocre vai cobrindo a ampla paleta de cores que seu ecossistema antes apresentava, incluindo os próprios animais.

Creatures of Ava

A tarefa mais complexa para Vic será convencer os Naam da ameaça iminente. É nesse ponto que o jogo apresenta uma cultura rebuscada e alienígena, que dá gosto de desvendar. Os Naam formam uma sociedade tribal profundamente ancorada na natureza de Ava. Não é nada inédito no gênero, mas é deliciosa a forma como a trama vai adicionando detalhes pitorescos de suas crenças e valores.

Ao longo do caminho, iremos encontrar figuras singulares da cultura Naam, ora hilários, ora tocantes. Há algo de Outcast em Creatures of Ava, no sentido em que precisamos compreender os nativos para entender suas necessidades, mas também no fato de que muitos deles irão encontrar um caminho para o coração do jogador.

Creatures of Ava

Em seu marketing e até mesmo em seu título, Creatures of Ava se vende como um jogo de monstros “colecionáveis”. E, de fato, existem mais de 20 animais exóticos nos quatro principais biomas do planeta, cada um com suas próprias características, cada um tentando ser mais fofo do que o outro. Existe até mesmo uma “Pokédex” sobre as criaturas. Entretanto, são os Naam que me colecionaram, com suas idiossincrasias, seus traços simples que os tornam tão simpáticos, sua tendência para confundir o nome da protagonista em uma piada recorrente que nunca se esgota. Foram os Naam que colocaram lágrimas em meus olhos na conclusão arrebatadora.

Turista acidental

Creatures of Ava combina diferentes mecânicas e todas elas funcionam a contento. Há segmentos de plataforma, há puzzles para serem solucionados combinando habilidades especiais, há diálogos ricos, há lugares para explorar e desbloquear pontos ou itens, há mecânicas de ritmo (que podem ser bastante simplificadas, para aqueles que, como eu, tem a noção musical de uma rocha), há “possessão” de animais, há fabricação de itens, existe até mesmo uma espécie de combate, em que é possível morrer, mas nunca matar. Ao contrário de outro títulos que atiram para todos os lados, em momento algum me senti sobrecarregado com o excesso de interatividade ou chateado porque precisava fazer esse ou aquele mini-jogo.

Creatures of Ava

Todas essas engrenagens muito bem lubrificadas criam uma experiência livre de atrito e prazerosa, que apenas amplia ainda mais a sensação positiva de conhecer Ava e seus habitantes. Tudo isso apenas contribui para aumentar o desejo de se salvar esse mundo.

Por outro lado, há algo de turismo nessa exploração. Um de nossos principais itens é uma câmera fotográfica e o jogo nos estimula a catalogar tudo. Afinal, estamos aqui para salvar Ava e isso também significa documentar seus habitantes e sua fauna.

Coletar os animais implica domá-los com a música de uma flauta local e conduzi-los até um robô de teletransporte. As canções produzidas nesse momento são majestosas e envelopam a atmosfera de um jeito delicado, mas cativante. A canção da selva ficou em meus ouvidos horas depois de encerradas as sessões.

Creatures of Ava não é sobre isso

O jogo da Inverge Studios e da Chibig não atinge a perfeição. Existem detalhes bobos que podem prejudicar um pouco a jornada. Por exemplo, os diálogos. Da mesma forma utilizada em Summer in Mara, os diálogos não são dublados em língua alguma. Os personagens apenas emitem alguns sons aqui e ali e isso irrita depois de um tempo, ao ponto de eu preferir nivelar a zero o volume do diálogo no menu e me contentar somente com o texto. Em contrapartida, sem aviso algum, há um par de momentos no jogo em que dois personagens falam de verdade e nem mesmo são pontos chave da narrativa. Foi inconsistente e desnecessário.

Creatures of Ava

Outro defeito, esse sim mais problemático, é a IA das criaturas. Em alguns resgates, principalmente ao conduzir um grupo grande de animais, era possível que uma ou outra criatura ficasse travada em partes do cenário, impedindo o resgate. Não é de se estranhar. Dependendo de onde você mesmo queira se meter, é possível travar a protagonista em alguma pedra ou galho ou ruína. Felizmente, o jogo apresenta uma quantidade bem grande de animais e você não é obrigado a resgatar todos.

Por todas essas características, Creatures of Ava já merecia sua atenção e já tinha me cativado. O que o eleva a um patamar muito superior e o coloca em minha seleta lista de favoritos, é a queda de dominós em sua conclusão. A narrativa é conduzida habilmente em uma direção e algumas pontas parecem soltas, porém há uma guinada no final que não apenas amarra tudo, como também joga uma luz sobre o verdadeiro tema do jogo. Não chega a ser um plot twist de explodir cabeças e eu já desconfiava do que estava vindo. Porém, o gatilho emocional é inesquecível. Início e conclusão se dão as mãos de forma espetacular.

Creatures of Ava

Com os créditos subindo, entendi como a história se destaca tanto. Sem nenhum alarde, ali estava o nome de Rhianna Pratchett, filha do lendário Sir Terry Pratchett, a mesma autora responsável pelo belíssimo Lost Words: Beyond the Page. Um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar e Rhianna Pratchett entrega uma segunda obra-prima.

Creatures of Ava é menos sobre colecionar animais do que se pensa. Descobrir sua verdadeira mensagem é uma missão que deve ser cumprida por todos.

97 %


Prós:

🔺 Direção de arte impressiona
🔺 Músicas que grudam
🔺 Mecânicas deliciosas
🔺 História pra chorar
🔺 Personagens inesquecíveis

Contras:

🔻 Som dos diálogos é inconsistente
🔻 Personagens podem travar no cenário

Ficha Técnica:

Lançamento: 07/08/24
Desenvolvedora: Chibig / Inverge Studios
Distribuidora: 11 bit studios
Plataformas: PC, Xbox Series
Testado no: PC

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Imagem de fundo do jogo Elsie, mostrando a protagonista e um enorme robô inimigo.

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