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O limite entre o dramático e o sensacionalista pode ser bastante tênue. Onde termina a emoção e começa a exploração barata da pieguice? Essa fronteira pode variar de indivíduo para indivíduo e o sucesso dos Doramas e das novelas não me deixa mentir. Copycat é mais uma experiência do que um jogo, um artefato digital que conta uma bela história que pode provocar sensações diferentes em diferentes pessoas, principalmente se fosse é ou não é um tutor de gato.

O pequeno estúdio Spoonful of Wonder é formado por apenas três pessoas, porém nos entrega em seu título de estreia uma gema em estado bruto, uma carta de amor para os felinos. A desenvolvedora não apresenta as mecânicas mais sólidas do mercado, o jogo é curto, a modelagem é quase perturbadora e ainda assim o jogo se esfrega em nossas pernas, com a cauda levantada e começa um ronronado tão logo encostamos nele. O carinho é automático.

Copycat

O gato sem botas

Copycat larga com uma vantagem: é um jogo sobre gatos. A história dos jogos eletrônicos nos diz que não há como errar. Seja com o premiado Stray, seja com o ignorado Quilts and Cats of Calico, para ficar em exemplos recentes, seja com os felinos inesquecíveis dessa mídia, o fato é que gatos são tudo de bom. Se você prefere doguinhos, lamento dizer que talvez essa não seja a análise para você, talvez esse não seja o jogo para você. Ainda assim, dê uma chance: há elementos aqui que são válidos para qualquer animal de estimação. O amor é universal.

Em Copycat, controlamos Dawn, uma gata adotada pela idosa Olive em um abrigo de animais. Temos a inglória missão de substituir a Dawn original, a gata anterior de Olive que sumiu misteriosamente. Esse é o ponto de partida para uma história de apenas três horas, que será uma montanha-russa de emoções e debaterá sentimentos como adequação, rejeição, lealdade e o significado de lar. Você irá chorar, você irá sentir raiva, você irá sentir dúvidas sobre a direção que a Spoonful of Wonder deu para sua trama.

Copycat

Uma vez que gatos não falam, o jogo introduz dois elementos artificiais para nos auxiliar na narrativa. O primeiro deles são frases no ambiente que representam as opiniões de Dawn sobre o mundo que a cerca. Há algo de fofinho nessas frases, mas também há algo de tolo em algumas delas. O segundo instrumento narrativo é a presença de um narrador, um biólogo que fala na cabeça de Dawn e a trata como se fosse um grande felino na selva. É um leve toque de humor, que ganha ares de jogabilidade em sonhos, onde a gata se imagina como uma pantera negra caçando ou correndo pela savana.

Controlar um gato acaba sendo um pequeno prazer do jogo, ainda que suas mecânicas sejam bastante simples. Em alguns momentos específicos, Dawn irá derrubar objetos de cima de mesas ou parapeitos, em outros momentos, ela irá roubar comida ou mexer com o que não deve.

Copycat

Lamentavelmente, não existe uma função para essas atividades, a não ser demarcar o território, deixar claro para o jogador que ele está diante de um jogo eletrônico e ele tem agência. É bem mais do que Harold Halibut nos ofereceu, mas divago. Ainda assim, as interações apenas reforçam a sensação de que o jogo é curtíssimo (fechei em três horas). Sem esses mini-jogos, focado somente em sua trama, Copycat teria durado muito menos.

Consequentemente, é impossível falhar em Copycat. Não apenas todas as tarefas a serem executadas são bastante fáceis, como o jogo também não oferece qualquer tipo de punição para falhas. Em momentos mais críticos, quando o jogo propositalmente escala sua dificuldade a níveis impossíveis, uma cutscene nos resgata de um destino pior e mantém a história andando.

Copycat

Em Copycat, todos os gatos são pardos

Talvez o defeito técnico mais grave do jogo seja a modelagem de sua protagonista. Não a idosa Olive (que também é um pouco aterradora), mas a própria Dawn. Ainda que a animação de seus movimentos brilhe em diversas partes do jogo, quando a câmera está muito próxima, há algo de irreal em sua aparência. É um gato de Schrödinger, que parece vivo, mas também parece duro como um boneco e olhar de vidro. Se existe um “uncanny valley” para humanos digitais, certamente também existe para gatos. Copycat teria se beneficiado mais se tivesse adotado uma direção de arte que puxasse para o cartunesco ou estilizado.

Copycat

Entretanto, o real defeito do jogo é que sua trama parece não se decidir sobre o tom. A primeira hora é frugal, apresentando somente leves lampejos de um drama que acaba não sendo o ponto central do que vem depois. Em seguida, temos uma reviravolta, que parece que será conduzida com leveza e aventura. Ledo engano: mergulhamos em um poço de desesperança e amargura em seu último terço. E não tenho certeza se concordo com o final (definitivamente não concordo com a escolha oferecida antes do final, real ou não).

Compreendo que os temas abordados são pertinentes e precisam ser discutidos. Porém, faltou sutileza em várias partes, faltou poesia. A Spoonful of Wonder vai direto ao ponto, joga sal na ferida, acena para o piegas. Prefiro minhas narrativas emocionais mais discretas, mais metafóricas, porém, o recado de Copycat foi dado e até o mais obtuso dos humanos capta o alerta que o estúdio oferece: cuide bem de seu pet.

80 %


Prós:

🔺 Gatos
🔺 Derrubar objetos de cima da mesa nunca cansa de divertir
🔺 História pungente

Contras:

🔻 Modelagem do protagonista cai no “uncanny valley”
🔻 Mecânicas muito simples
🔻 Flerta com o piegas em alguns momentos

Ficha Técnica:

Lançamento: 19/09/24
Desenvolvedora: Spoonful of Wonder
Distribuidora: Spoonful of Wonder, Neverland Entertainment, Nuuvem
Plataformas: PC