Embora tenha jogado o que é decididamente a pior versão de Max Payne 2, no PlayStation 2, fui ainda assim marcado pela experiência com o game e, em especial, pelo momento em que Max explorava a “funhouse” da femme fatale Mona Sax. Com sua dinâmica de casa assombrada, a fase fez clicar, em mim, a ideia de que a Remedy Entertainment, mais do que tudo, levaria jeito para o terror. Não sei se era a intenção do estúdio gerar calafrios, mas conseguiram. Control me trouxe essas memórias.
Se Alan Wake já comprovou esta habilidade da desenvolvedora finlandesa em criar uma tremenda atmosfera de incômodo, com um medo genuíno que surge de forma até um tanto vaga, em Control a dev aplica este talento de construir lugares e mentes assombrados a um modelo de exploração metroidvania, convidando o jogador a ir fundo em sua nova obra. Após a decepção de Quantum Break, a empresa de Sam Lake parece ter de fato tomado controle.
Tomando controle de volta
No entanto, se Control parece favorecido apenas em comparação com Quantum, o game na verdade se revela especial por seus próprios méritos, principalmente considerando o ponto fora da curva que é nesta geração. Uma amálgama fascinante de elementos, com combate de super-poderes, narrativa sem trilhos e uma dinâmica reminiscente dos games souls-like em como apresenta novas locações e ameaças, é um título que evita o título de “jack of all trades, master of none” e encontra, nesse pastiche, um estilo próprio.
Antes de tudo, vale dizer o quanto a engine “caseira” da Remedy, a Northlight, deixa uma impressão marcante aqui. Em Quantum Break, haviam ocasiões brilhantes de distorção temporal e dos cenários, mas deve-se considerar que o game seguia uma estrutura de gameplay linear e mais fechada. Vê-los aplicar o poderio da engine sobre um mapa extenso como a da Antiga Casa, prédio no qual Control se ambienta, já é outra história.
É importante ressaltar que a Northlight é descrita como “Remedy Storytelling Technology”, ou seja, é pensada inclusive para outras maneiras de contar histórias, atitude típica dos games da desenvolvedora – até mesmo Quantum, devo admitir. Aqui, além de um fotorrealismo exacerbado em cenários e destruição detalhada dos mesmos, há uma mescla inspirada entre o espaço tridimensional do game e projeções de vídeo, tanto no cenário quanto sobre a própria tela.
Falando em história, Control é o tipo de jornada que se beneficia de saber o mínimo possível, inclusive do ponto de partida da trama, já que pode encaminhar os jogadores para conclusões antecipadas. Contudo, a ambientação é o que diz tudo. A exploração da Antiga Casa, a descoberta dos novos poderes, a coleta de colecionáveis como vídeos, gravações em áudio e documentos – tudo isso são fatores que se agregam à narrativa de forma surpreendentemente orgânica.
A duração de sua “campanha principal” – na verdade, tudo aqui é principal, mas não obrigatório – deve variar de acordo com a experiência individual de cada jogador, e posso comparar, em um certo nível, sua proposta com a de Nier Automata. Não, não há três campanhas, mas digo no sentido de muitas descobertas serem deixadas para muito além dos créditos rolarem. Portanto, não espere que o jogo mastigue sua trama para sua fácil compreensão.
Igualmente vaga, e ainda em um bom sentido, é a exploração da Antiga Casa. Exige-se uma atenção incomum aos detalhes dos cenários, sejam placas, itens ou mesmo texturas, para encontrar o caminho a certos objetivos. Apesar de um mapa que pode ser utilizado em tempo real – nota: um que nem sempre carrega rapidamente, criando certa frustração -, o jogador deverá ter ampla noção dos arredores se quiser encontrar alguns ótimos segredos, incluindo puzzles.
A garota com a arma de serviço
Porém, a protagonista Jesse Faden não irá apenas ficar de bobeira enquanto desbrava os territórios da Antiga Casa, e é aí que entra o combate. Diferente dos frustrantes e tediosos embates de Quantum, mas ainda desafiadoras, as batalhas contra os inimigos consumidos pela entidade Ruído tornam-se cada vez mais divertidas conforme o jogador se permite arriscar novas estratégias. Como Doom, o movimento é crucial aqui em Control, e a coragem prevalece sobre a cautela.
Leia-se: Jesse morre muito rapidamente. Qualquer bobeada e o jogador se verá diante de uma tela de loading para o último checkpoint. Pode até ser bem frustrante retornar para um ponto de controle distante no mapa e ter que caminhar de volta ao local do conflito, mas isso torna a percepção do jogador um fator crucial e, quando bem utilizada, gratificante. Como a câmera se mantém atrás de Jesse, sem muito feedback visual periférico, fique sempre atento.
Para ajudar nos conflitos de Control, há primeiramente a única arma de fogo encontrada no game: a Arma de Serviço. Capaz de transformar seus tiros em projéteis únicos, estilhaços, projéteis consecutivos e uma única forte rajada, a arma é capaz de quebrar o galho na maioria das ocasiões. Embora Jesse possa chavear apenas duas formas de arma de cada vez, a troca entre as formas equipadas é rápida e torna-se um detalhe essencial para o sucesso nas lutas.
Além desta arma, há as habilidades pessoais de Jesse. Encontradas ao longo do game ao enfrentar os “objetos de poder”, itens possuídos pelo Ruído, elas incluem telecinese, controle da mente e levitação. Todas elas podem ser usadas em conjunto, com bastante fluidez, durante os embates e a exploração, e como nos melhores games de “power fantasy”, às vezes é possível esquecer o quanto há a seu dispor. Dito isso, é difícil largar o game depois de destravar toda essa beleza de potencial.
A dinâmica arquitetura da Antiga Casa, que sofre mutações impressionantemente representadas pela Northlight ao conquistar pontos de controle e objetos de poder, instiga o jogador a retornar a áreas antes exploradas em busca de novos colecionáveis e, quem sabe, atualizações da história. Assim como Metro Exodus mantém firme a ilusão – ou seria mesmo uma ilusão? – de um mundo que anda de mãos dadas com a trama a todo momento, o game da Remedy é tentador e atmosférico para garantir a permanência em seu mapa.
Nota-se, inclusive, que grande parte do conteúdo mais desafiador de Control é – ou pode ser – deixado para o final, como uma sequência de batalhas de chefe que… bom, não posso contar. Minha comparação do game a Sekiro, neste caso, se deve a esse fator surpresa constante que vem com a exploração e a fascinação imediata com alguns de seus inimigos mais obscuros. Sinal de que a Remedy pode investir em um game do tipo no futuro?
Bagulhos estranhos, problemas estranhos
Apesar de tudo, até mesmo das frustrações com o mapa e com o campo de visão, Control apresenta problemas técnicos inegáveis. No PS4 Pro, há algumas quedas de framerate aqui e ali, mas já tenho conhecimento de que as versões dos consoles standard sofrem de quedas muito mais frequentes, em especial o PS4 comum – recomendo, inclusive, a análise técnica da Digital Foundry antes de efetuar a compra.
Tudo bem que a Northlight é exigente e os consoles avançados deem pro gasto, mas este tipo de situação é inaceitável, principalmente se considerarmos games igualmente exigentes que passaram por melhor otimização. A Remedy já não tem o apoio de uma gigante como a Microsoft e essas devem ser as dores de uma dev menor mas bastante ambiciosa, porém um adiamento talvez fosse a decisão mais válida. Que fique claro: a nota desta review vale APENAS para a versão de PS4 Pro.
Em suma, Control é um ótimo jogo, de mão cheia. Não muito tempo atrás, o diretor do game, Mikael Kasurinen, havia dito que o foco do título não seria naquilo que se confunde com “fator de replay”, com quests que se repetem ou uma grind imposta ao jogador. Devo dizer: que alívio! Tudo na Antiga Casa parece feito à mão e curado por uma equipe preocupada com sua arte, que apesar de limitações, dissipam o Ruído da indústria e entregam o que pode ser mais outro game cultuado, ao lado de Max Payne e Alan Wake.