Inspirado por jogos como Bulletstorm e Shadow Warrior, Xiancheng Zeng, um jovem designer chinês fã da Unreal Engine criou um jogo sozinho. Nascia Bright Memory, um FPS futurista que chamou bastante atenção em 2019 durante o Acesso Antecipado no Steam. Em 2020, o game foi oficialmente lançado e também adaptado para smartphones, chegando ao final do mesmo ano para consoles com upgrades gráficos e algumas melhorias no gameplay.
Mas não pense que este é um produto completo: trata-se de um único episódio, que dura menos de 1 hora. Além de curto, o jogo entrega uma experiência rasa e com problemas técnicos típicos de um indie que dá passos maiores que as pernas. Porém, não dá pra negar que o projeto da FYQD-Studio impressiona. Tal destaque colocou Zeng em uma polêmica envolvendo artistas 3D, que identificaram suas criações levemente modificadas e sem licença de uso em Bright Memory. Pegou mal pro Zeng, que prontamente assumiu a culpa e pediu perdão através da rede social chinesa Weibo.
Bright Memory: Infinite seria uma espécie de redenção. Uma nova versão construída sobre os alicerces do projeto original, agora não mais aos cuidados de uma única pessoa autodidata e bastante empenhada. Com uma pequena equipe e material 100% de autoria da FYQD-Studio, o que poderia dar errado? Bright Memory: Infinite chega exclusivamente para PC e Xbox Series X|S, com download gratuito para aqueles que compraram o jogo original nestas plataformas.
Uma segunda chance
É doido ver que na página da Steam do Bright Memory os jogadores adoraram o game. Talvez pelo upgrade gráfico, que inseriu ray tracing no jogo e o deixou bem bonito. Mas é evidente que a versão mobile e para consoles não recebeu o mesmo feedback positivo. Infinite surgiu do interesse em fazer uma sequência, previamente planejado como um segundo episódio, mas acabou se transformando em um novo jogo, mantendo a protagonista e expandindo seu mundo futurista.
Ambientada em 2036, a trama aborda a nova missão de Shelia: investigar um misterioso temporal causado por um buraco negro que se abriu na região de Lishui. A agente da SRO, uma organização de pesquisa de eventos sobrenaturais, é orientada pelo Diretor Chen ao mesmo tempo que ensina o jogador as novas mecânicas de gameplay. Shelia agora pode combinar seus movimentos físicos com armas de fogo, fazendo melhorias em seu braço da exounidade, em sua lâmina e em atributos para as armas. Para isto, basta coletar relicários de esmeralda que você encontra pelo cenário.
Embora o jogo ofereça novidades como a possibilidade de repelir projéteis inimigos com a espada, dar um soco de choque e aprimorar armas de fogo (sendo que todas as habilidades possuem 3 níveis para destravar), a evolução de Shelia ocorre muito rápido. Os relicários são fáceis de encontrar e em pouco tempo a protagonista já estará superpoderosa, trazendo pouquíssima dificuldade para derrotar os inimigos mais duros na queda. Claro, há um motivo pra isso: o jogo duro apenas 2 horas. A linearidade dos cenários, cheios de paredes invisíveis, já entrega isso nos primeiros minutos de campanha.
FPS à moda antiga, mas com gráficos atuais
Bright Memory: Infinite é um jogo bem bonito, mas cheio de imperfeições: as animações são um tanto duras, há diferenças estranhas de qualidade – o visual de General Lin é muito mais realista que o de Shelia, inexpressiva, que mais parece uma robô – e flagrei até modelagens 3D com poucos polígonos (low poly) em meio a tantas coisas bem feitas. Os cenários são belíssimos, com detalhes que dão veracidade ao estilo oriental proposto. Pena que nem tudo é destrutivo, a física não está presente em tudo, mas no geral a coisa funciona. O combate é muito bom, bastante dinâmico e divertido.
A chuva e ventania incessante dá uma sensação de perigo constante, e os efeitos de iluminação gerados pelo ray tracing potencializam este impacto no visual. Tem reflexos em poças d’água, em objetos metálicos, em todo lugar. Além disso, o jogo conta com a tecnologia NVIDIA Reflex e DLSS para ganho de performance. Sem o DLSS ativado, o jogo sofre pra rodar o ray tracing, mesmo que na configuração mínima do efeito. Testei o jogo no PC em DirectX 12 com uma GeForce RTX 3070 Ti e rodou relativamente bem na qualidade máxima. Já em DX11, a boa otimização do jogo garante uma boa experiência mesmo em GPUs mais modestas.
Em termos de ação, o título segue a fórmula dos games antigos do gênero: passe por uma área, mate todo mundo e prossiga para a próxima área. Sim, os inimigos surgem do nada, inclusive nas suas costas, o que certamente vai irritar muita gente. Nem Doom Eternal faz isso com os jogadores. Pelo menos a sensação de tiro e mira é bastante satisfatório, com inimigos morrendo mais rápido com tiro na cabeça e outros sendo decepados por sua lâmina, com direito a câmera lenta e sangue pra todo lado.
Quando o trailer mostra tudo
Por culpa da curta duração do jogo, os trailers de divulgação acabaram revelando mais do que deveria de Bright Memory: Infinite. Os vídeos mostram os três chefões (que são espetaculares), o combate na asa de um avião, uma outra com o carro (que antes era um DeLorean), entre outras coisas. Sobrou pouco pro jogo mostrar. A história é superficial e não desenvolve seus personagens. Não dá tempo de criar empatia por Shelia. A protagonista genérica não escapa nem da sexualização, com trajes sensuais desbloqueados ao completar desafios e até física nos seios, que por ironia não existe durante o gameplay.
O combate, ainda que polido o suficiente para agradar e entreter, fica repetitivo rapidamente. Quando você não está enfrentando hordas de inimigos repetidos (criativos, pelo menos), está passando por áreas que forçam o parkour ou a furtividade. E neste último caso, em que Sheila deve matar soldados com um cutelo, chega a ser frustrante: se for vista pelo inimigo, o jogo congela e recomeça de novo. Até os loadings torturam o jogador.
Em certo momento, surge um carro pra dirigir e até nisso o game falha. O controle é sensível demais, dificultando a jogabilidade na hora de virar para os lados. Dá pra atirar mísseis, que são teleguiados se a mira estiver próxima dos veículos inimigos à frente, mas o desafio aqui é praticamente nulo. É correr em linha reta, passar por uma caverna dentro do tempo limite, interagir com uma cena com Quick Time Event e pronto, acabou.
Portfólio de peso
Eu gostaria muito que Bright Memory: Infinite fosse outra coisa, um jogo grande, feito com calma. Mesmo sendo o que ele é, é impressionante para um indie. No Brasil, inclusive, não tem nada igual. Mas fica a impressão de que este projeto seja apenas uma grande demonstração técnica das capacidades de Xiancheng Zeng. Um portfólio dos sonhos, que pode render contratos ou até mesmo emprego fora de seu estúdio particular, para fazer parte de uma equipe gigantesca e produzir um jogo AAA.
De um jeito ou de outro, desejo sucesso à FYQD-Studio para seguir em frente nesta batalha. Bright Memory: Infinite me cativou com o combate, com a trilha sonora épica e com os chefões, que exigem táticas diferentes para serem vencidos. Tá longe de ser perfeito, me deparei com bugs e glitches irritantes, a Inteligência Artificial dos inimigos nem sempre funciona, mas o conjunto da obra merece atenção.