Em 1998, a Valve lançava seu famoso Half-Life, um FPS que revolucionou o gênero e a história dos videogames para sempre. Até então os jogos de tiro em primeira pessoa eram pouco criativos e com histórias genéricas, visando sempre a ação e tiroteio desenfreado. Quando Dr. Gordon Freeman apareceu, tudo mudou. Na trama, Freeman é um físico teórico graduado no MIT que trabalha no Laboratório de Pesquisa Black Mesa, localizada no Novo México e fundada pelo governo para desenvolver experimentos secretos.
Em um dia considerado muito importante no Complexo Lambda, Freeman segue para o Laboratório de Materiais Anômalos para ajudar com os experimentos rotineiros. Ele tem a tarefa de empurrar uma amostra para o raio de varredura do Espectrômetro de Anti-Massa, para análise. No entanto, ele cria uma catástrofe repentina chamado de “cascata de ressonância”, abrindo um portal entre a Terra e uma dimensão chamada Xen. Criaturas passam a invadir o laboratório, matando todo mundo. Além da ameaça alienígena, o governo autoriza militares a neutralizem todos os funcionários envolvidos, incluindo você.
Como diferencial, o jogo apresenta a história em capítulos (ao invés de fases), uma excelente atmosfera de terror, quebra-cabeças inteligentes, uma boa variedade de inimigos, chefes, armas criativas e uma jogabilidade precisa. Não demorou para Half-Life virar um clássico, ganhando mais de 50 prêmios – a maioria de “Melhor Jogo do Ano” – e inaugurar uma franquia mundialmente aclamada. Aliás, a Valve só é o que é por conta desta franquia, que já vendeu mais de 20 milhões de cópias no mundo.

De Half-Life a Episode Two
Half-Life foi produzido usando uma modificação da engine de Quake, chamada GoldSrc (Goldsource). Com o SDK (Software Development Kit) disponível para desenvolvedores, logo surgiram vários mods famosos como Counter-Strike, Day of Defeat, Team Fortress Classic e The Specialists, entre muitos outros. Aliás, o próprio modo Deathmatch do game original já impressionava na época.
Com o sucesso, a franquia ganhou três expansões desenvolvidas em parceria com a Gearbox Software. A primeira, chamada Half-Life: Opposing Force, conta os eventos do lado oposto, colocando o jogador na pele de um militar chamado Adrian Shephard. A segunda expansão, Half-Life: Blue Shift, conta os mesmos eventos mas sob a perspectiva do guarda de segurança Barney Calhoun. A terceira, Half-Life: Decay, foi lançada apenas para PlayStation 2 oferecendo um multiplayer cooperativo, onde dois jogadores encarnam as personagens Gina Cross e Colette Green. Independente da qualidade, recomendo Opposing Force por oferecer mais novidades e diversão que as outras expansões.
Em 2004, a Valve lançou Half-Life 2 (e a nova engine Source) e surpreendeu o mundo mais uma vez. Gráficos de ponta, física realista, efeitos visuais de encher os olhos, e uma história fenomenal. Half-Life 2 foi nomeado como o “Melhor Game da Década” passada, vendeu mais de 12 milhões de cópias e rendeu uma continuação (que deveria ser) em três episódios, mas somente dois viram a luz do dia. São aventuras maravilhosas, mas curtas demais para saciar a fome dos fãs. O tão aguardado terceiro episódio nunca aconteceu. Na verdade, a Valve preferiu transformá-lo em Half-Life: Alyx, um jogo de realidade virtual. Devido ao preço elevado do Oculus Quest aqui no Brasil, fiquei só na vontade mesmo.

Revisitando um clássico
Quem jogou Half-Life e suas continuações sabe que a história cresceu tanto que não dá pra ficar sem uma conclusão. E Half-Life: Alyx, embora bastante elogiado, não oferece um desfecho ou mesmo a presença de Gordon Freeman. A franquia merece um final de explodir a cabeça, com uma evolução técnica beirando o imaginável, assim como aconteceu com Half-Life 2. A tech demo exibida na E3 de 2003 explodiu cabeças naquela época. Para ser sincero, é impressionante até os dias de hoje.
Black Mesa foi originalmente idealizado em 2004, logo após o lançamento de Half-Life 2. Um grupo de fãs apaixonados pela franquia pegou o SDK do Source e iniciou um projeto para refazer Half-Life do zero. Esta equipe, que conseguiu juntar 13 pessoas (a maioria remota, espalhadas pelo mundo), pouco tempo depois passou a ser chamada de Crowbar Collective.
Após 10 anos de desenvolvimento e contratempos, Black Mesa entrou pro Acesso Antecipado em 2015, sendo distribuído de graça pela Valve por meio do programa Steam Greenlight. A equipe já somava mais de 30 pessoas e muita coisa já havia sido refeito: cenários, modelo dos personagens e alienígenas, armas, diálogos, e animações. Uma vez usando o Source, os desenvolvedores tomaram a liberdade de alterar algumas coisas para melhor, como os combates e quebra-cabeças. O jeitão de labirinto do game original também foi eliminado, com algumas mudanças estruturais nos mapas.

O visual do game é naturalmente superior ao original, apresentando várias técnicas gráficas modernas. Um belo exemplo de como fazer um remake em alta definição. Dá para notar o capricho logo na abertura do game, que começa com uma trilha sonora original durante o passeio de trem pelas instalações subterrâneas da Black Mesa. Ao ser recepcionado, outra boa impressão: as ótimas dublagens dos guardas e cientistas. Comparado com Half-Life, os diálogos originais ficaram tão datados que dá vergonha.
O remake traz a campanha distribuída em 19 capítulos, incluindo os últimos em Xen – totalmente reimaginados pela Crowbar Collective e que só saíram no final de 2019, ainda como parte do Acesso Antecipado. Agora como um jogo completo, óbvio que não poderia faltar o popular modo multiplayer. São 10 mapas icônicos refeitos para curtir com a fanbase, bastante ativa no Steam. Já o modo cooperativo, original do projeto, foi abandonado devido às dificuldades com a programação. Mas não dá pra reclamar disso, né?
Black Mesa é simplesmente imperdível. Quem jogou e terminou o game original, vai apreciar este remake com muita emoção. Aqueles que nunca jogaram, vão entender a importância de Half-Life para o gênero. A modificação ainda presta várias homenagens à franquia através de pequenos detalhes que prefiro não dizer pra não estragar a surpresa. Eu, finalmente, encontrei um pouco de paz na espera interminável por Half-Life 3. Sim, eu ainda tenho esperanças!