FPS é um dos gêneros mais saturado de todos. São poucas as mudanças entre um jogo e outro, geralmente notadas na tecnologia empregada (com gráficos mais realistas, física, etc). Até hoje é difícil de ver algo que se destaque mais do que a série Half-life, por exemplo. Em agosto de 2007, BioShock mudou esse cenário apresentando mecânicas novas, boa história e uma excelente direção de arte.
Falar sobre uma continuação não é fácil. Com o hype nas alturas, BioShock 2 corresponde às expectativas como um bom jogo, mas não consegue superar a obra original. O game se mantém demais na sombra do antecessor, de forma a nos fazer pensar que a 2K Games ficou com medo de tentar algo diferente ou novo. É claro que há inúmeras melhorias e aprimoramentos, porém sem deixar de fazer uso da fórmula do primeiro BioShock.
Relembrando, BioShock conta a história de Jack, um sobrevivente de um acidente aéreo no meio do oceano atlântico. À deriva, ele encontra um farol e descobre uma cidade submarina chamada Rapture, que abriga uma sociedade com propósitos utópicos, sem leis ou regulamentos dos países da superfície. Isso tudo em meados de 1950. Os cientistas da cidade criaram os Plasmids, substâncias genéticas com capacidades de alterar o DNA humano concedendo poderes aos seus usuários. Porém essas descobertas vem com um preço.
Os cidadãos de Rapture se tornaram viciados nas tais substâncias, ficando mais agressivos. Com isso, eles passaram a fazer de tudo para obter ADAM, elemento usado para crias tais substâncias genéticas. Ao chegar em Rapture, Jack encontra a cidade mergulhada na guerra civil influenciada principalmente pelo descontentamento com o fundador da utopia submarina, Andrew Ryan. Neste cenário, alheio a tudo, estavam os Big Daddies e as Littles Sisters. Big Daddy é um homem geneticamente alterado que, em conjunto com sua armadura de escafandro e armas, é um tanque de guerra vivo, cujo objetivo é defender a Little Sister a qualquer custo. Já a Little Sister é uma pequena garota que extrai o precioso ADAM de cadáveres espalhados por Rapture. A história do jogo original contava com algumas reviravoltas de roteiro, escolhas morais, e ema jogabilidade dinâmica e viciante que apresentava varias possibilidades interessantes.
BioShock 2 se passa 10 anos após o fim do primeiro game. Pouco ou quase nada se fala sobre o que aconteceu com Jack ou mesmo se a decisão dele (e do jogador) de ter um final bom ou mal influenciou em alguma coisa a cidade de Rapture. Aqui você joga na pele de Delta, o primeiro dos Big Daddies, um protótipo com algumas diferenças em relação aos que o procederam. A razão de você acordar de seu sono é uma conexão muito forte com a sua Little Sister, uma garota chamada Eleanor. Seu objetivo é voltar pra ela, seguindo o contato telepático que ela mantém com você.
Ao começar a aventura, você logo perceberá uma das grandes melhorias nesta sequência: a possibilidade de Delta poder usar armas de fogo e Plasmids ao mesmo tempo. Isso adiciona um nível totalmente novo à jogabilidade, possibilitando combos entre plasmids e as armas, já que não há mais a necessidade de ter que ficar trocando entre eles. Por falar nisso, seu arsenal também tem algumas novidades. Agora as armas possuem upgrades que melhoram características como dano, quantidade de tiros e precisão. Há um terceiro upgrade que adiciona uma característica especial, sendo que cada arma tem a sua. Balas que ricocheteiam, ateiam fogo ou eletrocutam inimigos são alguns exemplos. Já os plasmids tiveram poucas adições, mas em compensação a cada nível os poderes ativam novos efeitos, como o Electro Bolt que pode eletrocutar vários inimigos no nível dois ou o Security Bullseye que, depois de evoluído, pode ser usado para conjurar Bots de segurança para lutar ao seu lado.
Essas pequenas mudanças valorizam ação mais cerebral que o jogo proporciona. Assim como no game original, o jogador precisa elaborar boas estratégias ao invés de sair correr e atirando nos inimigos. Apesar de Delta ser um Big Daddy, ele é bem mais frágil do que se possa imaginar. Em BioShock, o jogador tinha até nove barras de energia e EVE (a substância que é gasta ao usar os Plasmids). Agora você tem apenas 5 barras de cada, o que incentiva o combate mais cerebral.
Assim como no primeiro jogo, você encontra vários Big Daddies ao longo das fases. Ao derrotar um, você tem acesso a Little Sister dele e o dilema de extrair todo o Adam possível dela (mas matando a garotinha no processo) ou salvá-la dessa condição de garimpo de cadáveres (e ganhando uma recompensa menor). Delta pode também adotar uma Little Sister por um determinado tempo e levá-la até um defunto para extrair ADAM. Isso vai atrair violentamente a atenção da população incandescida de Rapture, gerando breves sessões de “defenda este ponto” e garantindo mais ADAM ao jogador. Mas você pode ignorar estas mini-missões simplesmente condenando as Little Sisters. Apenas lembre-se que, novamente, suas decisões definem o final do jogo (são quatro diferentes).
Entre outras novidades, o sistema de hack mudou. Antes, toda vez que você hackeava uma arma de defesa, máquina que vende itens ou câmera de segurança, você passava por um minigame chamado Pipe Dream, que consistia em construir um caminho de canos para que o líquido fizesse o percurso do ponto A ao B. Era uma forma interessante, mas que se repetia a ponto de se tornar uma tarefa ingrata.
Agora temos uma arma disparadora de dardos que executam o processo de hack remotamente, sem a necessidade de ter que encostar-se ao objeto para começar o processo. Ao invés dos vários canos, temos um minigame de precisão em que uma agulha fica percorrendo uma espécie de régua com divisões coloridas. Seu desafio é parar nos espaços verdes para conseguir hackear o objeto. Se parar nos espaços brancos, você toma um pouco de dano. Nos vermelhos, um alarme soa e Bots de segurança vão atrás de você. Se parar nos espaços azuis, você ganha itens bônus. Além de ser um desafio menos chato, já que exige apenas reflexos rápidos, a dificuldade cresce conforme o jogo avança. Outro detalhe interessante é que agora o hacking é em tempo real. Ou seja, a ação não pausa, deixando as coisas um pouco mais difíceis mas mantendo o clima de ação.
No lugar da câmera fotográfica, usada no primeiro game para analisar os inimigos, entra a câmera filmadora. Basta botar a câmera para gravar tudo, sem a necessidade de ficar desarmado. O jogo agora te recompensa com pontos de experiência para cada tipo de inimigo eliminado, variedade nos seus ataques e a cada nível alcançado nas suas pesquisas. As recompensas variam entre maior capacidade de munição, novos Tonics (habilidades passivas e equipáveis) e até novos tipos de ataque. Com tudo isso, a jogabilidade ficou ainda melhor.
Como foi dito aqui pelo meu colega Guilherme Bova, o primeiro BioShock foi impactante não só pela sua história e argumento, mas também pela direção de arte, remetendo obviamente aos anos 50, com estilo Art Déco que além de ser único, dava um charme único ao game. E o que 10 anos na história do jogo fazem com esse visual? Numa cidade submarina com manutenção precária e uma população que adora distribuir tiros por aí, a condição não é das melhores. Rapture parece muito mais suja e abandonada. A sujeira e entulho se acumulam pelos cantos e as goteiras e vazamentos são constantes. Em algumas seções, vemos até gelo e coral crescendo e se acumulando pela cidade.
Do ponto de vista técnico, os efeitos e texturas não parecem ter mudado muito. Aliás, vários modelos de cenário e objetos foram reaproveitados do primeiro jogo. A maioria dos estágios parecem iguais exceto por um ou outro cenário, como o parque de diversões de Andrew Ryan. Em compensação, os cenários parecem estar mais extensos e verticais. Há mais portas que levam a salas, corredores escondidos e câmaras secretas, o que deixa a exploração bem maior. Os inimigos são praticamente os mesmo de BioShock, com algumas novidades nas roupas, animações e dublagens. Destaco especialmente um novo Big Daddy, chamado Alpha, que não possui Little Sister e existe unicamente para te combater.
Outra novidade é a adição do modo multiplayer. Após terminar o game, a diversão continua nos combates online com outros jogadores. O curioso é que esse período do multiplayer se trata de uma prequel, um momento antes da guerra civil que começou a destruir Rapture. Os modos são os de sempre, Deathmatch, Team Deathmatch e Capture The Flag, mas com nomes diferentes. Temos a evolução de personagens conforme você ganha rankings, podendo ter novos Plasmids e melhorar suas armas. Apesar de ser bem feito, não é o tipo de multiplayer que fará você jogar por muito tempo. O modo de campanha continua sendo o principal atrativo aqui.
Agora por que, no começo do review, eu disse que BioShock 2 não é uma sequência tão bem sucedida? Bem, aparentemente a equipe de produção do jogo ficou com medo de arriscar ou alterar a fórmula da franquia. Esta sequência é basicamente igual ao jogo original, com apenas algumas adições e um novo rumo para a história. No papel de vilão, sai Andrew Ryan e entra Sophia Lamb, uma psicóloga que nos áureos tempos de Rapture batia de frente com as idéias de sociedade que Ryan mantinha e que agora, depois de 10 anos de ausência, uniu os remanescentes de Rapture sob a “Família”’ sendo ela a grande líder. Coincidência ou não, ela é a mãe biológica de Eleanor, a sua Little Sister, e por isso quer impedir a todo custo que você chegue à ela. Não por ser uma mãe protetora, mas por querer usar Eleanor para outros propósitos. O problema de Lamb é que, ao contrário de seu antecessor, ela tem um carisma como vilã quase zero. Ela é um clichê no melhor estilo vilão de James Bond. A todo o momento ela se comunica com você por rádio apenas para falar sobre como você vai falhar na sua missão, sempre zombando da sua inteligência e com discursos enfadonhos que beiram o exagero.
Como no primeiro jogo, temos um companheiro de viajem que lhe informa detalhes de Rapture e das coisas que aconteceram nas diferentes regiões que você adentra. Antes era Atlas e agora temos Sinclair, que chega a ter mais personalidade. Mas, de novo, a exemplo do primeiro BioShock, esse companheiro guarda um segredo. Sequências do game também são bem familiares, como logo nos primeiros minutos de jogatina, quando você adquire o primeiro Plasmid e aprende a usá-lo para abrir portas, atacar inimigos, etc. É o mesmo tutorial do primeiro game, praticamente na mesma ordem. Ainda temos outros momentos da trama que são familiares, como a hora em que você perde contato com seu antagonista e companheiro e acabada parando em um lugar controlado por uma especie de sub-vilão, aonde precisa superar seus desafios pra continuar a jornada. Antes era Sander Cohen nesse papel, agora temos Alex the Great.
Essa vontade de refazer momentos do roteiro do primeiro jogo poderia até passar despercebida se na sequência tivéssemos algo diferente e não apenas uma fórmula. Por exemplo: as Big Sisters, como o nome sugere, são Little Sisters que cresceram e agora, à serviço de Lamb, são a contraparte dos Big Daddies só que com muita agilidade, capacidade de usar Plasmids e ainda podem sugar vida de qualquer outro inimigo que esteja por ali. Elas são uma adição e tanto entre os inimigos, mas eu esperava que os encontros com elas fossem aleatórios e de forma inesperada, adicionando suspense e medo ao explorar Rapture. Mas não é isso que acontece. Cada encontro com uma Big Sister tem hora marcada para acontecer. Tão marcada que mesmo jogando pela primeira vez você vai conseguir notar quando uma está prestes a aparecer. Até mesmo o protagonista Delta é mal utilizado na sequência. Lembrando que ele é um Big Daddy e pode andar no fundo do oceano, os produtores poderiam ter criado momentos épicos. Mas, nos momentos debaixo d’água, nada acontece exceto uma caminha do ponto A ao B.
Faltou algo novo em BioShock 2. As adições são bem vindas, o gameplay melhorou muito e a direção de arte continua excelente. Mas pra quem é fã do primeiro jogo é difícil não visitar Rapture pela segunda vez e não esperar algo que realmente fique registrado na memória, assim como foi a primeira experiência. Mesmo sendo um jogo que optou por não mexer no time que está ganhando, ele poderia ter sido muito melhor se ousasse mais.