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É muito gratificante quando acompanhamos um jogo indie crescer e competir lado a lado com grandes títulos AAA. Depois de três anos, a Asobo Studio retorna com A Plague Tale: Requiem para comprovar que o crescimento dos irmãos Amicia e Hugo de Rune também é sinônimo de um jogo ainda maior e melhor.

Assim como em A Plague Tale: Innocence, esta continuação direta reforça o significado por trás de seu título e explora sua evolução para criar uma narrativa ainda mais emotiva e imersiva, transportando-nos para a França do século XIV.

O início da salvação é o conhecimento da culpa

Se no primeiro jogo tínhamos uma preocupação em mostrar a perda da inocência dos personagens principais, esta frase de Sêneca, importante filósofo e mestre da arte da retórica, contribui para entendermos que A Plague Tale: Requiem focará na questão da culpa pelos atos e decisões.

A família De Rune reunida novamente, mas será que para sempre?

Conhecido pelo excelente trabalho com o desenvolvimento de um jogo do gênero “narrative-driven”, com o gameplay e a experiência focada na narrativa, seguimos acompanhando a família De Rune fugindo da Inquisição e indo para o Sul. Seis meses após os acontecimentos anteriores, Amicia, reunidos com sua mãe, Béatrice, e o amigo Lucas, buscam por uma cura definitiva para a misteriosa doença do pequeno Hugo, que completa o grupo de personagens.

Evitarei ao máximo os spoilers, até mesmo por algumas gratas surpresas que o jogo reserva ao longo das suas 15 horas, quase o dobro do primeiro jogo. No entanto é importante ressaltar algumas passagens, pois em Requiem temos uma variedade maior de acontecimentos que justificam a brutalidade intrínseca nesta mescla entre história real e fantasia.

Deixamos de ver quebra-cabeças colocados aos montes para preencher o jogo para situações que criam peso e dão profundidade para os personagens. Amicia se culpa por seus atos sangrentos, Lucas questiona a real necessidade da brutalidade, Béatrice torna-se cada vez mais crédula em sua alquimia e Hugo está determinado em crescer e enfrentar os riscos ao conviver com a Macula.

O colorido de Requiem contrastará fortemente com a escuridão de Innocence

Sai a Inquisição como víamos no jogo anterior para conhecermos novas ameaças locais, de fazendeiros à governos locais e suas guardas, todos os personagens são colocados em cheque ao termos o gamer no centro de uma importante discussão: a vida humana pode ser descartável? Se a sua resposta for “não”, então por quê Amicia e Hugo podem perder suas humanidades, fragilizadas pelo horror em seus passados, para massacrar seus algozes?

Guiados por uma visão durante um sonho de Hugo, acompanhamos a jornada da família De Rune em busca de uma misteriosa ilha ao mesmo tempo que ponderamos a busca por conhecimento enquanto conhecemos mais sobre aqueles que confundem religião com ciência. Nesta viagem conhecemos uma boa variedade de cenários, que são explorados e a história permite acompanharmos aventuras em cidades medievais, campos, florestas, castelos, cais e até água, fugindo da repetição que existe em Innocence.

Ao invés de vivermos apenas através de fases escuras e claustrofóbicas, agora temos áreas maiores para explorarmos e testarmos diversas formas de avançar, seja furtivamente ou utilizando todos os recursos dispostos para os personagens e suas habilidades. Impressionante perceber a evolução do Asobo Studio em criar acontecimentos que justifiquem irmos do quarto de Hugo até a murada de um reino à bordo de uma precária embarcação, tudo isso de maneira frenética e em questão de minutos.

Hugo seguirá seus sonhos e crenças em busca de uma cura definitiva

Envelhecendo como um bom vinho

Os anos entre o Innocence e Requiem fizeram com que os desenvolvedores conseguissem evoluir muito com os personagens, justificando brilhantemente bem as escolhas para a jogabilidade que temos ao vivenciarmos esta jornada no papel de Amicia.

As melhoria já são perceptíveis no início, desde os tutoriais iniciais, com o refinamento na movimentação pelo cenário, até mesmo nos movimentos para alcançar lugares ou se esconderem, os itens disponíveis para solucionarmos quebra-cabeças ou vencermos combates ficaram ainda melhor.

Continuamos com a atiradeira, um estilingue medieval, para arremessar pedras e componentes criados a partir do uso da alquimia para criar misturas como, por exemplo, Ignifer e Extinguis, que servem, respectivamente, para incendiar e apagar chamas.

Temos como novidades o acréscimo de novos itens e misturas, como Piche e Pirita, que contribuirão para afastar ratos, em pequenas e grandes áreas, além de incinerar inimigos e potencializar as chamas já existentes nos cenários ou até mesmo como apagá-las em grande quantidade.

Naughty Dog, me empresa sua mesa de melhorias?

Além das pequenas facas e adagas, usadas em situações de desespero e no combate corpo a corpo, temos a opção de usar a balestra para lidar com inimigos fortemente armados ou protegidos. No entanto também podemos sacrificar as faquinhas para abrirmos caixotes com muitos itens e que servirão de mesa para aplicarmos melhorias nas armas.

Vale ressaltar também que, por mais que o jogo tenha foco na furtividade e realmente não seja seu forte seguir com tentativas de combate corpo a corpo, mesmo que agora as pedras de arremessar sejam infinitas, ou atirando próximo de seus inimigos, os desenvolvedores acertaram muito em como escolheram os controles para o menu rápido, para fabricar seus itens, selecionarmos o que queremos e utilizá-los em combos, facilitando muito o desafio em vencer quem estiver ao seu alcance de maneira criativa.

Nada neste jogo está jogado gratuitamente ou sem explicação e, sem entrar em muitos detalhes para não estragar a experiência, a violência em torno de Amicia cresce para justificar as escapadas que damos da narrativa para vivenciar boas sequências de ação.

It’s over three hundred thousand? É muito rato, Vegeta!

O mesmo vale para a habilidade Imperium, a sintonia de Hugo com os ratos que aparece no fim do primeiro jogo, fazendo com que os roedores deixem de serem apenas uma ameaça para ocuparem um lugar importante como elementos fundamentais na resolução de quebra-cabeças e até mesmo para derrotarmos inimigos.

Obra de arte com influencias, mas não renascentistas

Se a França do Século XIV ficou conhecida pela influência do Renascimento italiano, o mesmo paralelo pode ser traçado para A Plague Tale: Requiem, porém as influências não são italianas e sim de grandes títulos AAA.

A familiaridade com The Last of Us é gigantesca, seja pelos laços de Amicia e Hugo ou pelas escolhas no menu rápido para a fabricação de itens e armas. O mesmo acontece com a sinergia de Hugo com os ratos, que resgatam da série Batman: Arkham e Hitman as soluções de controle e visuais para entregar uma boa experiência na resolução de desafios.

Com a chegada da nova geração o visual do jogo ficou ainda mais belo e agradável, proporcionando experimentações não apenas no gameplay em áreas mais abertas e com diversos caminhos ou soluções, mas também no sentimento que ele carrega. É impressionante a tensão criada ao somar a belíssima interpretação da dublagem, apenas em inglês, com os acontecimentos brutais em tela.

Se Amicia não consegue controlar seu ódio, quem dirá Hugo com os ratos!

O mesmo vale para o trabalho nas expressões faciais dos personagens, com olhares aflitos, o ódio carregado em seus dentes cerrados ou lampejos de inocência quando a morte parece certa. Este trabalho também está nos NPCs, fazendo com que tenhamos raiva, ódio, alívio e felicidade com certos acontecimentos, seja ao nos livrarmos de alguma ameaça, um acontecimento inesperado com alguém ou quando conseguimos sobreviver à maré de ratos.

Falando em “mar de ratos”, os desenvolvedores foram categóricos em afirmar que saltamos dos 3 mil roedores pretos, com seus olhinhos brilhantes e longas caudas, para 300 mil animaizinhos prontos para inundar os cenários. Ainda mais ameaçadores e por todos os cantos, os puzzles envolvendo as chamas ficaram ainda mais desafiadores. Basta você pisar levemente aonde a luz não chega para virar jantar dos ratos.

A trilha sonora acompanha toda essa atmosfera, criando aquele silêncio ameaçador quando começamos a desconfiar de que algo vai acontecer, para crescer com os acontecimentos que enfrentamos até explodir em nossos ouvidos, assim como os sentimentos dos personagens.

Sabe aquelas imagens que você quase consegue ouvir a música de fundo?

Temos uma trilha melancólica quando Béatrice é confrontada pelos filhos, algo mais delicado quando Lucas questiona a violência do mundo, uma música mais incidente quando Hugo cresce (em todos os sentidos) e, para finalizar, o rompante emocional de Amicia acompanhado da Viela de Corda e a Rabeca, instrumentos típicos da Idade Média, no volume mais alto possível, para expressar os extremos que chegamos durante esta jornada.

Um jogo digno do título de “melhor do ano”?

Por mais que possa ser familiar em muitos pontos, A Plague Tale: Requiem comprovou que aprendeu com o passado e, por mais que trouxesse mais do mesmo em certas sequências de quebra-cabeças, conseguiu evoluir para oferecer novas formas de jogarmos aquilo que já vimos anteriormente.

Ou seja, a experiência não será a mesma e dificilmente acontecerá de maneira igual entre os jogadores, favorecendo até mesmo o fator replay. Este que acaba sendo potencializado pelas habilidades passivas de Amicia, que surgem como grande diferencial em Requiem, pois, dependerá unicamente da maneira como você joga para evoluir características ligadas ao estilo de jogo mais furtivo (Prudência), combate (Agressifivdade) e crafting (Oportunismo).

Essa escolha de mecânica para as habilidades é extremamente interessante

Adicionado à equação de sucesso, nós temos também os colecionáveis que surgem como itens coletáveis ou momentos vivenciados, para completar o álbum que Amicia possui. Com certeza eles exigirão atenção, contribuindo ainda mais para a imersão, e agregarão mais peso para a narrativa, afinal como eu disse anteriormente, nada aparece gratuitamente ou sem explicação.

Até a chegada de A Plague Tale: Requiem, eu não tinha sido impactado pelo trabalho da Asobo Studio, porém a construção dos personagens e a narrativa desenvolvida, nos mantendo sempre no controle do que precisa ser vivido e experimentado, fez com que eu finalizasse a sequência para imediatamente iniciar o primeiro jogo.

Assim como todos os jogos que oferecem elementos de stealth e mesmo quando tenho a quebra da imersão ao perceber que a IA dos inimigos é limitada ao nos movimentarmos furtivamente entre eles ou quando precisamos escapar, nos escondendo até que esqueçam que uma ameaça está à espreita, os desenvolvedores recompensam com situações únicas envolvendo o peso na atuação de cada personagem.

Não é O Hobbit, mas “I’m going on an adventure”

Repleto de sentimento ao redor da beleza visual, que é completada pelo excelente trabalho com a trilha sonora, A Plague Tale: Requiem chegou em 2022 para competir com os grandes títulos que pouco oferecem em narrativa ou não conseguem criar uma experiência unificada como este, fazendo com que a luta seja acirrada pelo topo da lista de melhores jogos deste ano.