Acreditava conhecer de trás pra frente a cartilha dos jogos de sobrevivência: chegar em um ambiente com uma mão na frente e a outra atrás, extrair recursos à exaustão, erguer um império e conquistar a segurança. Towers of Aghasba inicialmente pode parecer um novo exemplar desse gênero, mas ele utiliza suas mecânicas para nos apresentar algo que vai no caminho inverso. Você não é o conquistador. Você não é o invasor que o ambiente tenta destruir. Você é aquele que vai restaurar não apenas a glória do seu povo, mas também a própria natureza.
A desenvolvedora Dreamlit traz para a mesa um jogo sólido em vários aspectos e promissor em muitos outros. Além disso, é evidente que o estúdio está ouvindo sua comunidade. Muito do atrito que senti no meu primeiro dia de teste foi resolvido com correções no segundo dia. O que sobrou está extremamente divertido e a Dreamlit ainda promete um ano inteiro de desenvolvimento pela frente, para polir sua pequena pérola.
Nesta terra, em se plantando, tudo dá
Em Towers of Aghasba, controlamos um protagonista sem nome, sem rosto e sem idade ou gênero muito definidos. Ele é tão somente um avatar mascarado para nossa agência e logo se torna uma espécie de faz-tudo para sua tribo. Chegamos nessa ilha, depois de um longo exílio. Uma geração inteira nasceu e não conheceu suas terras natais. O motivo desse êxodo se perdeu na memória, mas aqui estamos novamente, para um recomeço onde viveram nossos ancestrais. Após um naufrágio, não há mais volta. É aqui que a tribo irá ficar até o fim de seus dias. O navio partiu com a promessa de um novo mundo e encontramos uma terra árida, morta, sem esperanças.
Ou será que não? Ao contrário de tantos outros jogos de sobrevivência, em que derrubamos árvores, quebramos pedras e extraímos com fórceps aquilo que o solo nos oferece, na criação da Dreamlit somos orientados a fazer o caminho inverso. Nós iremos plantar, nós iremos cultivar, nós iremos restaurar. Em muitos aspectos, Towers of Aghasba está para os jogos de sobrevivência como Terra Nil está para os jogos de estratégia. Iremos pegar esse terreno no osso e devolveremos toda a exuberância de ecossistemas inteiros.
É aqui também que somos apresentados aos aspectos mais mágicos do jogo. O que nos guia não é a tecnologia do Homem, mas a Magia da Natureza. Encontramos entidades e criaturas exóticas que nos explicam como tudo funciona. É nessas horas que Towers of Aghasba atinge seu ápice de encantamento. É impossível não se apaixonar pela fauna que vai surgindo, pelos seres que conversam com você e pelas cutscenes geradas dentro de seu motor gráfico.
Towers of Aghasba não é sobre a sobrevivência do mais forte
Desta forma, a Natureza não está aqui para ser um obstáculo. Não há fome ou sede, como existem em outros jogos. Não há necessidade de dormir (embora isso seja possível). Todos os recursos desejados podem ser extraídos de formas não-agressivas, ao ponto de algumas mecânicas quebrarem a lógica. O jogador pode fabricar um machado e pode derrubar árvores, mas o processo é lento e pode gerar, no máximo, duas unidades de madeira, até mesmo das árvores mais altas, enquanto um simples graveto colhido do chão já gera uma unidade de madeira.
Outra mecânica diferenciada está no acúmulo de Amity, uma energia vital que apenas o protagonista consegue manipular. Cada ato destrutivo, seja cortar uma árvore ou matar um animal, tem um impacto negativo na quantidade de Amity acumulada pelo protagonista. A cada ato positivo, seja plantar uma semente, arrancar uma erva daninha ou alimentar um animal, gera mais Amity, que depois será utilizada para cumprir objetivos que irão restaurar ainda mais biomas e até estruturas humanas.
Também cai por terra a necessidade quase exibicionista de se erguer um império sob o Sol. Ao contrário de outros jogos de sobrevivência, Towers of Aghasba é orientado por uma história. Você constrói o que precisa quando é necessário e a forma dessa construção já está definida de fábrica. Até existe a possibilidade de você montar seu cafofo individual parede por parede, mas não há nada no jogo que incentive esse processo. Não há um acúmulo de bancadas que você sinta a necessidade de organizar embaixo de um teto.
Essa sanha construtora que carrego comigo de vários outros títulos do gênero me foi saciada de uma forma inesperada: ver meus biomas florescendo, se espalhando sobre o chão antes morto e atraindo novos tipos de criaturas. Ou reconstruir os marcos civilizatórios de meu povo, esquecidos em cantos remotos do vasto mapa aberto, enquanto desvendo o passado de todos.
Há algo errado no paraíso
Towers of Aghasba é um jogo que leva algumas horas para ser aprendido e exige um pouco de trabalho árduo para avançar. E qual jogo de sobrevivência não é assim? Nem esse, que, apenas se camufla como jogo de sobrevivência. Sua cadência mais lenta e mais presa em trilhos pode afastar aqueles que buscam ação imediata ou liberdade absoluta.
O que também pode ser frustrante é o sistema de luta extremamente simplista. Há inimigos nesse novo mundo, que fazem parte de uma força ressecada e corrupta que gera monstruosidades. Esses seres vagam pelo mapa e atacam qualquer coisa que se mova. Enfrentá-los não é difícil, mas também não é prazeroso. Matar as criaturas não afeta em nada a balança de Amity, então é tão somente um inconveniente pelo caminho, resolvido por mecânicas de combate que podem ser resumidas em atacar e esquivar.
Nenhum desses problemas me incomodou de verdade. O que chegou perto de afundar minha imersão foram as animações faciais dos personagens. A Dreamlit tomou a sábia decisão de não dublar os NPCs em uma língua que eu conheça. Há algo de polinésio em seu dialeto, mas não sou conhecedor, apenas sinto que se encaixou maravilhosamente com a atmosfera cultural do jogo. Em contrapartida, quando os personagens tentam sorrir ou expressar satisfação, o resultado obtido é tenebrosamente o oposto. É genuinamente perturbador.
Graficamente, Towers of Aghasba parece feio em seus primeiros momentos. Há como que uma neblina, um filtro sujo por cima de tudo e as coisas parecem bastante desfocadas na distância. Acredito que seja uma decisão estética. Uma decisão equivocada, mas que funciona quando desabrochamos o primeiro bioma: há um forte contraste entre o terreno normal, onde até o ar parece imundo, e o ecossistema exuberante que surge, onde até o ar parece brilhante. Ainda assim, a maior parte do continente é uma terra desolada. Imagino se, no final do jogo, será possível transformar tudo em uma paisagem verdejante, de ponta a ponta…
Towers of Aghasba é um sopro de ar puro em um gênero que já parecia esgotado em suas fórmulas. Mal posso esperar para ver esse reflorestamento concluído.