The Outer Worlds pode ser ambientado em planetas distantes tingidos por cores saturadas, mas o peso de suas escolhas equivale à gravidade que nos mantém presos ao solo terrestre. A Obsidian, famosa por seus RPGs confeccionados em torno das escolhas do jogador, oferece de fato a divertida aventura prometida por trailers e materiais de divulgação, mas nada neste game, distribuído pela Private Division, passa como inconsequente.
Logo de início, o game coloca em suas mãos um enorme objetivo: salvar a tripulação de uma nave à deriva e repleta de humanos em estado criogênico. Mais especificamente, você faz parte desta tripulação, mas ao ser resgatado pelo misterioso cientista Phineas Welles – que guarda semelhanças visuais com Rick, de Rick and Morty -, é despertado de seu sono criogênico e enviado – ou usado? – com o objetivo de trazer a Welles os recursos necessários para colocar a nave de volta em atividade.
Não importa o que aconteça, a culpa é sua
Se a confiança em Welles pode ser receosa, a descoberta de um universo repleto de corporações predatórias e interesses dúbios com certeza faz do cientista a alternativa mais palatável. Como grande trunfo da Obsidian, a construção de mundo é impecável ao tratar de temas como rotinas de trabalho abusivas, sexismo e meritocracia dentro de um contexto fantástico, que no roteiro forma uma ponte convincente com onde nossa espécie se encontra agora.
Temas cotidianos e pertinentes entram em questão logo na primeira grande quest de The Outer Worlds, que envolve uma decisão pra lá de conflituosa acerca de deixar uma cidade manter seu sistema industrial abusivo ou promover uma mudança de paradigmas que permitirá seus habitantes a desfrutarem de um modo de vida mais equilibrado. A escolha parece simples colocada desta forma, mas o caminho até ela é cheio de guinadas inesperadas.
Ao longo das narrativas todas, a qualidade dos diálogos se mantém consistente, e há de se ressaltar o quanto a Obsidian é capaz de uma escrita espirituosa. Equilibrando muito bem o humor mordaz com a intensidade temática, garantindo que o jogador leve as questões a sério mesmo quando estiver propenso a jogar tudo para os ares, a equipe de roteiristas selecionada por Tim Cain e Leonard Boyarsky faz um trabalho invejável.
Há tempos não sentia a necessidade de cuidado com o que dizia em um ambiente virtual, mesmo com feedbacks ligados. Simples linhas de diálogo que me pareciam inconsequentes foram capazes de sabotar uma importante possibilidade de trégua entre duas grandes facções no planeta Monarca, e apesar da frustração de ter de recorrer à violência por conta deste erro desavisado, o fracasso apenas reforçou o talento dedicado à produção deste RPG.
Como em tantos títulos denominados como “western RPGs”, há a possibilidade de encontrar aliados que te acompanhem nas diversas missões que The Outer Worlds tem a oferecer. Só que, diferentemente de outros títulos do tipo, não deixei que todos entrassem em minha party logo de cara: o esquentado Felix, por exemplo, falhou miseravelmente em sua “entrevista de emprego” para ocupar a tripulação de minha nave. Claro, acabei recrutando o sujeito quando percebi que nada de tão ruim poderia acontecer tão cedo, mas esta hesitação inicial já me fascinou.
Da mesma forma que Greedfall incentivou a boa relação com seus aliados, The Outer Worlds apresenta quests específicas de cada um deles e proporciona bônus para diferentes estatísticas de acordo com quem o jogador decide levar consigo em viagens ou missões. Isso ajuda a promover a rotatividade entre companheiros de party, permitindo, além dos diferentes combos de habilidades, que cada personagem tenha uma chance de estabelecer diálogos inusitados in-game.
Escolhas, escolhas, escolhas
Da parte do jogador, este deve escolher entre diferentes atributos, afinidades e talentos desde que o game se inicia, e o percurso apresenta escolhas interessantes quanto ao desenvolvimento do personagem principal. A mais marcante das novidades está na maneira como The Outer Worlds nos faz ponderar sobre a importância dos pontos de talento individuais, através das fobias que podem passar a afligir o protagonista.
Em certas situações intensas de combate, o jogador será apresentado a uma tela que estabelece uma troca: em troca de um ponto de talento adicional, seu personagem passará a ser dono de uma fobia específica que o tornará mais suscetível a dano quando combatendo um inimigo específico, ou menos inspirador aos colegas em batalha. A escolha entre um progresso mais lento, mas mais seguro, e outro mais acelerado com maiores riscos, é cativante.
Além dos talentos, outros fatores que fazem grande diferença são as armas, que agregam a muito mais do que números de dano por segundo e números de level. Aqui, como em Fallout, há diferentes tipos de dano como plasma, choque e corrosão, além do típico dano balístico, e estas denominações são essenciais para os confrontos com criaturas e máquinas mais poderosas, portanto é sempre bom chavear e manter no inventário uma boa variedade delas – algumas porque são apenas divertidas, como o reorganizador de mandíbula.
Surgindo como a versão do VATS de The Outer Worlds, a habilidade de dilatação temporal permite desacelerar o tempo a seu favor para acertar diferentes pontos fracos nos inimigos, e como aqui o tempo não congela e os acertos dependem da mira do jogador, os combates ganham uma urgência ainda maior do que na franquia da Bethesda. Não é sempre essencial, mas também não ficará em desuso.
Deve-se dizer como o combate do game da Obsidian se beneficia das melhorias quality of life em quesitos como mira, movimentação e feedback. Assemelhando-se um tanto aos jogos Bioshock e um tiquinho de Mass Effect, o fluxo do combate aqui é um deleite, incentivando a agilidade do jogador ao mesmo tempo que oferece recursos divertidos, como os ataques especiais dos aliados que podem ser ativados com o simples toque dos botões direcionais.
Estas melhorias de quality of life também se aplicam na exploração, como os contêineres que se abrem automaticamente para que o jogador colete itens o mais rápido possível. Devo dizer que demorei a acostumar com este aspecto, já que acabava furtando itens sem querer, mas é sempre bom quando um game me faz repensar meu hábito de apertar botões sem pensar. The Outer Worlds exige um tipo de foco nos comandos que chega a ser refrescante.
Pequeno grande universo
Contando com mapas mais condensados, separados por áreas e planetas, ao invés de um vasto mundo aberto, o jogo refresca ainda mais seu respiro pela variedade visual dos locais e falta de espaços vazios, deixando sempre aparente o progresso do jogador. A natureza aberta das missões também fica em destaque com estes mapas mais curados, já que muitos espaços podem ser adentrados por rotas diferentes.
A excelente direção de arte surge como fator essencial ao apelo de The Outer Worlds, construído na Unreal Engine 4 com modelos gráficos modestos que são turbinados tanto pelos efeitos de pós-processamento – ok, há um excesso de aberração cromática – quanto as decorações / arquitetura dos cenários. O trabalho inspirado com as cores ainda garante um charme cartunesco à proposta retrofuturista, que passa do estilo Americana ao Art-Déco.
Apesar da performance técnica satisfazer, quase nunca passando abaixo da marca estabelecida da taxa de quadros, encontrei um bug mínimo e algumas escolhas mais duvidosas de design. A respeito de bugs, uma missão específica exigia coletar dez couros de uma criatura, mas o objetivo foi registrado como completo após coletar bem mais do que isso. De resto, não há nada que tenha afetado o avanço da jogatina de forma significativa.
Quanto às escolhas duvidosas, devo dizer que, da maneira como o nivelamento é pensado, as primeiras áreas do game tornam-se muito, mas muito fáceis caso o jogador progrida e volte a elas para completar missões paralelas. Era capaz de derrubar qualquer inimigo com um único disparo de uma arma média, quando havia apenas progredido por pouco mais de dez horas de jogo. Uma scaling mais rígida, que mantivesse um limite entre a diferença de levels entre jogador e quests, poderia ajudar a resolver tal problema.
Para um título repleto de leitura, The Outer Worlds também conta com fontes muito pequenas de texto, e para quem não joga colado ao monitor / televisão, a compreensão dos escritos é dificultada pela falta de opções de customização para expandir as letras. É um recurso que pode ser implementado em uma atualização, junto com, possivelmente, a opção de remover alguns efeitos de pós-processamento – sério, a quantidade de aberração cromática é astronômica.
Aqueles ávidos por uma experiência RPG de qualidade, no entanto, não terão tanto do que reclamar quando The Outer Worlds é um título tão bem resolvido no que faz. Além de sólido em praticamente todos os departamentos, o jogo se excede em alguns outros que servem de pilares para qualquer exemplar do gênero que ambicione os holofotes: narrativa, contexto, combate e customização.
Sem exagerar demais na duração, podendo ser completado em pouco mais de trinta horas – em meu caso, levou bem menos que isso, na marca das vinte e duas -, The Outer Worlds parece vir de uma geração de games que eram capazes de dizer a que vieram com concisão. Não se sabe da possibilidade de futuros DLCs, que pessoalmente ficaria muito feliz se existissem, mas o jogo da Obsidian já é, em seu estado atual, um dos melhores títulos lançados neste ano de 2019.