Quando o Gamerview recebeu este jogo da Square Enix, topei o desafio de jogar The Centennial Case: A Shijima Story para escrever este review com a esperança de que o trabalho feito pela desenvolvedora h.a.n.d., Inc. pudesse me levar ao sentimento nostálgico de quando meu Pentium 2 rodava, com muito esforço, os jogos com live action da década de 90.
Dirigido por Koichiro Ito, conhecido pelo seu trabalho com Hideo Kojima em Metal Gear Solid V, e produzido por Junichi Ehada, uma das mentes por trás de Onimusha e Nier: Automata, The Centennial Case resgata os FMV (full motion video) de outrora, trazendo uma boa história em um estilo de jogo muito (ênfase neste “muito”) nichado, que pode prejudicar a construção de uma franquia ou até mesmo outros títulos deste gênero.
A proposta aqui é levar o jogador para o comando de um dorama, novela japonesa com estilo bem peculiar de atuação e desenrolar da história, através de centenas de cenas gravadas previamente e dispostas ao longo da trama. Diferente dos jogos da Quantic Dream (Detroit Become Human, Beyond: Two Souls e Heavy Rain), aqui temos uma linha tênue entre jogo e filme, trocando o trabalho em computação gráfica e o controle de personagens, para a escolha de situações na tentativa de seguir com a história. Mais parecido com a proposta da Capcom consolidada na franquia Phoenix Wright: Ace Attorney, a Square Enix preferiu dar à A Shijima Story um “quê” de novelão interativo.
Senta que lá vem história
The Centennial Case: A Shijima Story levará você para uma história repleta de mistérios e assassinatos envolvendo a família Shijima e a lenda da Tokijiku, uma fruta da juventude que oferece vida eterna para quem consumí-la. No controle da jovem romancista Haruka Kagami, que também atua como detetive particular amadora, você terá o desafio de entender, investigar e desvendar o segredo que perdura por um século, revisitando os acontecimentos de assassinatos ao longo dos últimos 100 anos.
Por convite do jovem Eiji Shijima, desconfiado dos estranhos acontecimentos e a recente descoberta de uma ossada nas terras da família Shijima, e acompanhado da sua editora, Akari Yamase, você vai até a Mansão Shijima para acompanhar a cerimônia de passagem do comando familiar do patriarca da família, Ryoei Shijima, com a intenção de explorar o passado e o presente em quatro casos de assassinato, ambientados em diferentes épocas do Japão.
Sobre a produção cinematográfica que a h.a.n.d., Inc. preparou para o jogo, por conta da pandemia, a produção contou com um elenco enxuto e para justificar essa escolha colocaram Kagami lendo antigos casos e imaginando como os envolvidos seriam a partir das pessoas que estavam ao seu redor na Mansão Shijima. Ou seja, um mesmo ator interpretou mais de um personagem ao longo das décadas, fazendo com que você encontre, por exemplo, a atriz Nanami Sakuraba interpretando a escritora Haruka Kagami (2022) e a jovem Yoshino Shijima (1922), a responsável por escrever o misterioso conto que Haruka do presente está lendo. Até mesmo uma vitima do passado aparecerá como um culpado no futuro, com todo o elenco abusando de maquiagens para se transformarem em seus diversos personagens.
Cada conto surge como um caso de mistério e todos eles funcionam de maneira independente, porém ambos contribuem para a história principal. Diferentes épocas são representadas, com enredos diversos e estilos diferenciados, ao melhor estilo “After Party” (série da Apple TV+) como se cada um fosse de um episódio diferente de doramas do Crunchyroll. Desde o presente, num ambiente bem característico japonês, passando por uma antiga casa de leilão e indo até um clube dos anos 70, cada etapa da história é bem representada e possui um clima próprio.
Para dar vida ao projeto, a Square Enix trouxe Yasuhito Tachibana como produtor, conhecido do público japonês e recentemente descoberto pelo ocidente pelo trabalho em The Naked Director, da Netflix. Mesmo com as atuações exageradas e as atuações teatrais características das novelas japonesas, o elenco é muito bom e completa o cuidado artístico de Tachibana. Para completar, Yuki Hayashi trouxe seu estilo musical, conhecido pelo seu trabalho em Haikyuu!, Boku no Hero Academia e Pokémon Jornadas, para dar um ritmo agradável ao clima de mistério e urgência que os casos necessitam.
Melhor assistir ou jogar?
Mesmo contando com uma grande produção artística e trazendo mais de 10 horas de conteúdo, divididos em seis capítulos, The Centennial Case peca em alguns pontos e acaba sendo mais agradável de ser curtido como uma mini-série de seis episódios do que um jogo propriamente dito. O grande vilão da jogabilidade está no tabuleiro de raciocínio, solução encontrada pelos desenvolvedores para reunir as fases de jogabilidade e que intercalam os acontecimentos em tela, servindo para solucionarmos os mistérios.
A primeira delas, Fase de Incidente, mostra os fatos que estão acontecendo e que servirão de conteúdo para seu entendimento e investigação. Após o incidente ser exibido para o jogador, desde um diálogo, dúvida ou até mesmo uma situação, seja corriqueira ou criminosa, você entra na Fase de Hipótese. Nesta segunda etapa somos transportados para uma espécie de subconsciente de Haruka em que um minigame surge para reunirmos todas as pistas e suposições em uma trilha que lembra uma colméia, que servirá para desbloquearmos hipóteses que poderão ser usadas na continuidade dos fatos e história.
Na Fase de Hipótese surgem os pontos mais fracos do jogo, pois você precisará usar um cursor em tela, mesmo jogando nos consoles, para arrastar pistas que estarão do lado direito da tela para a trilha hexagonal, numa espécie de quebra-cabeça. O problema é que não existe um desafio muito grande, pois as cores e formas indicam o local exato em que você precisa mover essas pistas, criando uma hipótese que será usada por Haruka. Após desbloquear todas as hipóteses necessárias, você entrará na Fase de Solução e poderá colocar as hipóteses nos hexágonos roxos para solucionar as questões apresentadas na Fase de Incidente.
Diversas hipóteses falsas surgirão com a união equivocada de pistas, porém dificilmente você cometerá esses erros. Caso isso aconteça, você verá uma cena que não continuará a história e poderá revisitar a trilha para resolver corretamente. Sem contar o tempo desnecessário, que quebra o ritmo dos acontecimentos, você perderá pontos e conquistará um ranking menor ao fim de cada episódio. O que salva nesta etapa é a trilha sonora, que ajudará no ritmo e suspense durante sua permanência no subconsciente de Haruka.
Com as fases que acontecem no subconsciente cognitivo de Haruka chegamos ao principal problema do jogo: durante as cenas o jogador precisará prestar atenção em muitas informações ao mesmo tempo. Você terá o “filme” acontecendo, ao mesmo tempo em que no rodapé da tela você terá informações rápidas sobre os personagens e pistas relevantes (com navegação feita pelo direcional). Diversos pop-up também aparecerão na tela com “avisos” importantes e que exigirão interação do jogador. Com a falta de opção dublada ou legendas em português, some a legenda em inglês e, no meu caso, o áudio em japonês, já que toda e qualquer dublagem em inglês é péssima.
Tendo tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, eu precisei pausar e voltar as cenas ou até mesmo abrir o log de mensagens para ler o que acabou de acontecer ou revisitar os acontecimentos durante a Fase de Hipóteses, para conseguir coletar todas as pistas necessárias e até mesmo entender corretamente o que estava acontecendo. Não existe Clarice Linspector neste universo que consiga criar um mistério bom o suficiente que sobreviva a tantas interrupções e quebras de ritmo como The Centennial Case trouxe como experiência de jogo.
Foi o Coronel Mostarda com a corda, na sala de estar
Para suprir a confusão de informações e facilitar o entendimento dos fatos, os desenvolvedores criaram conteúdo em texto, diagramas e infográficos para quando você quiser consultar detalhes que possam ter passado ou até mesmo esquecido. Afinal manter vivo na memória certos detalhes de 100 anos de história ou a relação de fatos e pessoas, com certeza seria um desafio muito grande para este tipo de jogo.
Além de ser mais uma pausa, somada aos pontos que comentei acima, a resolução de certos mistérios aparecerá muito antes do tabuleiro de raciocínio e a criação de hipóteses. Infelizmente a partir do capítulo qutro o jogo mudará essa dinâmica de pistas e no quinto capítulo, o penúltimo do jogo, você terá uma partida de “point and clique”, para navegar por diversos itens de interesse. Essa quebra e mudança na jogabilidade vem acompanhada da necessidade de coletar mais informações para o plot twist que a história vem preparando desde o segundo capítulo, quando mais personagens e fatos são estabelecidos.
No fim do jogo você terá aquela sensação de que seria mais vantajoso assistir o mistério da família Shijima como um seriado num streaming qualquer, para evitar a sensação de que terminou de jogar uma partida de Detetive, mas que as deduções não necessariamente precisam dos elementos do jogo e que você pudesse ficar “chutando” até finalmente acertar.