Sabe aquela sensação boa quando você tem a certeza que tem em mãos um excelente jogo? Agora acrescente o fator nostalgia. Pronto! Yooka-Laylee é o resultado dessa equação. Desde o primeiro minuto em que você iniciar a sua jornada por esse mundo mágico criado pela Playtonic, você será teletransportado para 1996.
A década de 90 nunca foi tão forte e, ao mesmo tempo, tão bem adaptada para as novas gerações. Impossível não lembrar dos principais jogos de plataforma que ganhavam notoriedade no Nintendo 64 e Playstation. Depois de quase dez anos o trabalho de Gregg Mayles, designer da Rare, teve frutos dignos de tantos elogios em um estúdio derivado ao seu.
De volta aos anos 90
Yooka-Laylee consegue reviver os melhores e principais elementos do gênero plataforma 3D ao mesmo tempo em que constrói sua própria identidade. Não é por falta de motivos que grandes nomes dos games contribuíram para a construção da jogabilidade que encontramos em um título indie.
A movimentação fluida pelo cenário, de Mario 64, as escaladas por plataformas de Gex: Enter the Gecko, os habilidades de Donkey Kong 64 e diversidade na maneira como explorar o cenário de Spyro the Dragon e Ape Escape. Claro que muitos outros jogos desse gênero contribuem de alguma maneira, seja pela trilha sonora, que lembra muito Klonoa, ao visual vivo, colorido e diversificado de Crash Bandicoot. Até mesmo os erros de câmera daquela época ainda persistem neste título, mesmo mais de 15 anos do seu tempo áureo. Afinal, nem tudo é perfeito.
Desde o anúncio do jogo e o lançamento da campanha de crowdfunding, que por sinal é uma das mais bem sucedidas ao completar sua meta em três horas, Yooka-Laylee surgiu como o sucessor espiritual de Banjoo-Kazooie. Não é para menos, pois temos a mesma mecânica de combinação de um animal maior e uma ave em colaboração contra um mal existente. A diferença é que não se trata de um sucessor, mas sim de uma evolução que demorou uma década para chegar. Não se engane ao pensar que terá o mesmo jogo de 1998, mas prepare-se para gratas e divertidas surpresas na experiência proporcionada pelo gameplay.
Dupla Dinâmica
Não me recordo de ver, sem ser com a Nintendo, uma dupla de personagens que conseguem trabalhar de maneira coesa e consistente. O que ficou perdido nos anos 90, com os jogos de plataforma 3D, retorna totalmente repaginado com ótima movimentação, habilidades bem pensadas e cenários construídos para serem explorados de acordo com os personagens.
O principal destaque está na escolha dos animais: um camaleão e um morcego. Ambos fazem total sentido para a proposta de jogabilidade, utilizando as características animais reais como diferencial para que seus poderes complementem a jogabilidade. Um camaleão usar sua fisiologia para absorver poderes ou características ambientais, além de se camuflar, ou um morcego utilizar seu vôo e sonar, nunca fizeram tanto sentido e sutileza ao engrandecer a forma como podemos explorar cada canto desse universo. Tudo é muito natural em Yooka-Laylee, contribuindo significativamente para a curva de aprendizado ser curta, mesmo com a ausência de tutoriais.
Yooka, uma mistura de camaleão com dinossauro, e Laylee, a morceguinha roxa de nariz vermelho, possuem um design carismático e fofinho. Inicialmente pensados como um tigre, para manter a imagem de animal forte, e uma ave que não repetisse a espécie de Kazooie, Steve Mayles idealizou uma dupla que se complementasse: um com características mais afáveis e relaxadas contrapondo o estilo sarcástico e agitado.
Prolongando ainda mais o potencial dos dois personagens, indo além das habilidades e movimentação, a Playtonic pensou nas famosas transformações que foram usadas ao extremo em jogos anteriores. Como fazer o jogador explorar ainda mais os mundos disponíveis no jogo? Simples! Vamos criar variações no visual e que transforme também a maneira como a exploração acontece. De Camaleão e Morcego para uma Erva Daninha em uma floresta tropical, um caminhão em um mundo gelado ou até mesmo um helicóptero em um cassino. Tudo pensado para você conseguir alcançar todos os pontos do mapa ou criar as estratégias mais inesperadas para completar diversos quebra-cabeças.
Isso sem contar na habilidade de Yooka em absorver poderes ou características do ambiente. Uma planta de fogo fará o camaleão disparar bolas incendiárias; basta uma bola de canhão para ele se tornar Black Yooka e ficar pesado para andar contra o vento. Isso também acontece com gelo, água e até mesmo mel, dando uma aderência pegajosa para que você possa caminhar por cima do gelo fino e escorregadio.
Impossível não se identificar e criar vínculos com os personagens. Com falas carregadas de humor, manias de comportamento e interações bem programadas, seja entre a dupla ou com o cenário, Yooka e Laylee conseguem manter o interesse do jogador até mesmo nas horas em que você se sentir perdido no jogo. Basta pressionar um dos analógicos para conferir um dos quatro tipos de animação e o bom humor retornar para o jogo. A vontade, ao final do jogo, é de ter uma miniatura deles para você jamais esquecer as horas de diversão que teve ao lado de dois amigos.
Overdose de carisma e bom humor
Esse é mais um daqueles games que não se apoiam somente aos protagonistas. Com um grupo de personagens estranhos e ao mesmo tempo carismáticos, Yooka-Laylee possui sua maneira única de transmitir esse carisma e que vai além do visual e da trilha sonora. Acompanhando a jornada dos heróis temos Trowzer, a cobra de calças responsável por vender suas habilidades, Dra. Puzz e sua arma de raios transformadora, e, o meu preferido, Kartos, não o “God of Ore” (sacaram a piadinha?), como Laylee supõe, mas sim um carrinho velho de mineração que fará os mais nostálgicos a lembrar de Donkey Kong Country.
A cada cenário novo, um conjunto de personagens vão compor o grupo de coadjuvantes dessa aventura. Porcos cavaleiros de Hamalot (destaque para Lady Leap-a-Lot), Clara, a caveira exploradora, Olley, o carrinho de supermercado, entre outros personagens marcantes e que merecem ser descobertos por você mesmo.
Os desenvolvedores também prepararam duas surpresas muito gratificantes para os gamers mais nostálgicos e que com certeza adorarão ver uma versão 3D desse personagem pixelado, além de curtir boas horas com os jogos de Arcade que Rextro Sixtyfourus, o dinossauro com visual 64-bit, e seus diversos desafios estilo mini-games.
Não são somente os bonzinhos que merecem destaque. Os vilões de Yooka-Laylee foram muito bem concebidos, do design ao comportamento. Não os pequenos inimigos que vão te perturbar pelo cenário, mas os chefes de cada mundo e até mesmo o grande chefão do jogo: Capital B, todos eles foram muito bem trabalhados. Cada chefão é usado estrategicamente para compor a situação enfrentada naquele cenário, seja para compor o clima ou apenas a estrutura do level design de cada mundo. Um bloco no topo de uma montanha, um leão de gelo, o chefe de segurança ou uma lua maléfica compõem o panteão de ameças. Isso sem contar a característica, que além de acompanhar a fase em que ele “defende”, você contará com um breve background que continua com a proposta do jogo: divertir e manter o bom humor.
Uma história de colecionar
Capital B, uma abelha capitalista e rica, deseja roubar todos os livros desse mundo mágico e ter o monopólio da indústria literária para, com a ajuda do Dr. Quack, um pato que vive dentro de uma máquina de chicletes por moedas, utiliza o Noveliser 64, projeto roubado da Dra. Puzz, para colocar esse plano maléfico em prática.
Você buscará pelos Pagies, as páginas perdidas através de Tomos, livros que guardam os mundos habitáveis do jogo. São quase 150 páginas para buscar, além de muitos outros colecionáveis: moedas de fliperamas, ghost writers, power-ups, tônicos, pequenas borboletas e muito mais. Uma narrativa baseada na busca por colecionáveis e que fará você visitar os 6 mundos, além de ampliar cada um deles em Grande Tomo.
Como um jogo de mundo aberto, ele é composto por pequenos mundinhos semi-abertos, com cerca de 25 páginas em cada. Sem mapa ou direcionamento, com ajuda de NPC, você deverá explorar os dois hubs disponíveis desde o início: Shipwreck Creek e Hivory Towers. Com certeza você ficará perdido entre esses mundos, porém o jogo vai te reeducar e ensinar como voltar a jogar um plataforma 3D como nos velhos tempos. Cabe a cada jogador aprender essa “nova” proposta que Yooka-Laylee se propõe a fazer nessa geração.
Essa combinação do desconhecido e novidade a ser explorada, com uma história simples e cativante, repleta de desafios que fazem você utilizar de diversas maneiras os seus personagens é que fazem o lançamento da Playtonic algo ainda mais único e divertido.
Uma bela melodia de Ukelele
Inspirado pelo instrumento havaiano, Yooka-Laylee é uma obra que será lembrada como um dos melhores jogos de plataforma que ressuscitou o gênero nesta geração, em meio a tantos jogos que insistem na mesmice. Os poucos problemas, com a câmera e o pequeno delay entre o input do golpe que pode causar a perda de energia ao errado seu ataque, não atrapalham a diversão e podem até aguçar sua memória para aqueles momentos hilários de jogos do passado.
Com um conjunto quase perfeito, porém que talvez não chame atenção do público mais novo por ser um jogo mais lento, talvez difícil de se localizar sem auxílio de mapas ou NPCs, Yooka-Laylee nasceu com foco no gamer com pelo menos 20 anos de idade. Claro que existe espaço para os curiosos, porém os que puderem curtir a revolução que Mario 64 e Crash Bandicoot causaram na história dos games é que vão conseguir aproveitar cada minuto desse lançamento.
Essa é a chance que todos nós temos de curtir um bom jogo que, mesmo em 2017, consegue resgatar tudo aquilo que nos formou como gamer. Trocar informações sobre os quebra-cabeças, aproveitar a trilha sonora marcante e num estilo já conhecido por nós, além de sentir saudade após Yooka e Laylee encerrarem sua jornada pelo livro perdido.
Infelizmente o jogo pode ter seu brilho apagado em meio a tantos lançamentos, mas ele merece seu espaço e atenção entre os gamers e fã do gênero. Com certeza ele fará o que The Witness fez em 2016 ao conquistar um espaço no topo como um dos melhores, senão o melhor jogo, e indie, do ano. Afinal, não é todo dia que encontramos um Camaleão e uma Morceguinha por aí, não é mesmo?