Sempre acho interessante o movimento contrário com que as coisas acontecem nos últimos anos. A ordem de criação, inspiração e adaptação entre livros, filmes e games vem sofrendo caminhos inversos. UnExplored faz parte desse grupo e, ao invés de somente se inspirar em games, a Ludomotion parece ter criado um playmat interativo para D&D. Lançado recentemente para o Nintendo Switch, o game prima pelo que parece ser uma mesa de RPG com muita exploração, interpretação e surpresas pelos cenários.
Mesmo sendo mais um roguelike pro console, diversas escolhas fazem desse um título indie excelente. Porém não acredito que seja um jogo para todos os públicos, pois suas peculiaridades e estilo próprio fazem dele algo único e incomum, desagradando os jogadores que não estão familiarizados com este cenário ou referências.
Filhote do Diablo
Hilário perceber que somente entre os meses de julho e agosto, UnExplored é o quinto lançamento desse gênero (roguelike) e que também carrega a criação aleatória para os seus cenários. Tudo isso para construir o ambiente em que você será inserido por diversas horas da sua vida em frente ao Switch. Nesta ocasião o jogador, no controle de um ogro peludo de um olho, precisa explorar os vários andares de uma masmorra para resgatar uma relíquia. Sem muita história ou informações, com cenários diferentes para cada nova partida, acompanhamos o desenrolar de uma aventura ao melhor estilo dungeon crawler em que você precisa sobreviver aos inimigos, resolver puzzles e não morrer ao pisar em uma armadilha.
Suas homenagens são várias e as fontes de inspiração ficam bem claras quanto mais você jogar. Com uma visão superior, ao melhor estilo Zelda, você terá acesso aos ambientes mais diversos possíveis. O visual cartunesco pode criar estranheza num primeiro momento, até mesmo para assimilar o personagem bizarro que controlamos. Uma vez acostumado, a direção de arte se mostra uma escolha assertiva até mesmo por trabalhar com grid e os elementos serem muito bem representados ou delimitados, evitando confusão para identificar algo mortal durante a exploração. Na dúvida, arremesse algo ou avance preparado para lutar.
Quanto às armas e acessórios, UnExplored busca em Diablo as várias opções de utilitários para sobreviver: armas, escudos, itens, pergaminhos, etc. O mesmo vale para os itens que você equipa, transformando o menu do personagem e sua “maleta” em uma ficha de personagem. Tudo em UnExplored foi feito para traduzir uma experiência muito próxima de um RPG de mesa, em que o Mestre é a inteligência artificial por trás da criação procedural para os andares.
Ao invés da maioria dos jogos com criação randômica, a Ludomotion optou por usar algo conhecido como Cyclic Level Generator. Essa técnica é responsável por gerar os ambiente de cada andar, colocando-os de maneira interligadas e com cada um sendo desenhado pelos desenvolvedores, resultando em uma fase completa sem caminhos perdidos ou que não nos leve a lugar algum. Podemos explorar todos os cantos e dar a volta por todo o cenário, procurando sempre por melhorias para o personagem e, claro, a escada que nos levará ainda mais para baixo. Por ser um roguelike, você já sabe que se morrer o seu progresso será zerado e tudo deverá ser começado novamente. Por conta disso os desenvolvedores fizeram duas escolhas muito interessantes: na primeira, o nome do seu personagem vai recebendo “The First”, “The Second”, “The Third” a cada vez que você morre, preservando o seu ouro e as conquistas. A segunda boa escolha e que favorece muito a experiência de jogo é cancelar a criação randômica com a opção “seed” no menu inicial, preservando o último cenário gerado para a sua próxima partida.
Mecânicas Tolkinianas
Já que tudo parece um bom jogo de interpretação e rolar de dados, nada melhor do que sempre começar em uma taverna. Nesse lugar inicial você poderá customizar o seu personagem (que começa como aventureiro) e, dependendo das conquistas desbloqueadas, ter acesso à classes (arqueiro, mago, bárbaro, guerreiro, mosqueteiro, clérigo) diferentes para o seu personagem, assim como comprar novos equipamentos ou itens iniciais. À partir do primeiro andar da Dungeon of Doom, você estará sozinho e precisará abusar da curva de aprendizado preparada pelo jogo. Você morrerá diversas vezes para entender como ele funciona e suas diversas mecânicas, tudo inspirado no universo criado por Tolkien.
O combate, optado em ser dual stick, também oferece duas armas diferentes para o personagem, além de alternar entre elas durante o combate e carregar um ataque para inflingir mais dano ao inimigo. A movimentação em combate é essencial e tenta simular ao máximo uma luta de espada em um mundo fantástico. Você pode arremessar as poções (de água, gelo, fogo, explosiva, etc), buscar abrigo embaixo d’água para se proteger e logo sair para atacar ou até mesmo se jogar de algum lugar para tentar a sorte (se sobreviver) em um andar abaixo.
O que parece simples, por conta do design que o jogo possui, merece sua atenção em dobro por conta das opções e da profundidade de informações. Afinal o seu personagem possui status que precisam ser melhorados com o desenrolar da jornada. A preocupação dos desenvolvedores com as opções proporcionadas pelo gameplay foi tamanha que você pode brincar com água equipada em uma mão, aproximar-se de uma fonte de fogo para combinar com outro item e ter um chá! O mesmo para frascos, tochas e outros itens que podem ser combinados ao utilizar as duas mãos do personagem.
Outro resgate interessante de mecânica que UnExplored pega emprestado de Diablo e Prince of Persia é o uso de itens para identificar demais objetos encontrados pelo cenário para utilizá-los, caso contrário você poderá beber uma poção que fará você explodir ou envenená-lo. Isso sem contar nos equipamentos em seu personagem acabará equipando sem função alguma ou alteração nenhuma em seus status. Para isso, procure sempre por pergaminhos que revelarão o que você tem em seu invetário.
Unlocked Edition
Com o lançamento tardio para a plataforma da Nintendo, UnExplored ganhou uma edição especial, com Unlocked Edition no título. Nessa versão temos o acréscimo de três novas opções: Mithril Run, Ripley Run e The Dark Ritual. Essas novas opções de jogo deixam de lado a exploração do jogo base para apostar em dois modos survival para coletar o máximo de ouro ou sobreviver as hordas de inimigos; em The Dark Ritual você ainda conta com uma adaptação para uma versão Lovecraftiana do jogo, evitando que um grupo de ocultistas em uma missão contra Cthulhu.
No fim, fico impressionado como um jogo consegue aparentar tamanha simplicidade e ao mesmo tempo oferecer tanto conteúdo e profundidade. Com a adição dos DLCs, você ainda conta com novos modos, um visual diferente e proposta de inimigos além do padrão encontrado em Dungeon of Doom. A curva de aprendizagem, longa e demorada para ser entendida por completo, contribui muito para quem busca um jogo interessante e com boa duração. Talvez se não fosse pela trilha sonora agradável, caso você não seja tão curioso ou paciente, você pode estar olhando para o jogo errado e poderá se entediar em diversos momentos mais calmos.