Era uma vez um jogo fantástico, criado com Arte.
Trazia um mundo mágico, um espetáculo à parte.
Sua heroína se chamava Tsioque, se pronuncia “choque”.
Enfrentando monstros, “por favor, não me toque!”
Que experiência charmosa, criança adorável
Uma história bem feita, um adventure memorável.
Girl Power
TSIOQUE (assim mesmo, com maiúsculas) parece um conto de fadas, tem cara de conto de fadas, tem uma jovem princesinha como protagonista, mas subverte loucamente as regras do gênero e coloca uma roupagem pós-moderna nas antigas narrativas. Como toda boa história, não está confinada a um único público e certamente irá colocar um sorriso bobo no rosto de qualquer um entre 5 e 105 anos que se dispuser a atravessar sua curta, mas inesquecível aventura.
O jogo é a filha digital de Alek Wasilewski, que escreveu, dirigiu e desenvolveu seu sonho com a ajuda dos camaradas dos estúdios Smile e OhNoo Studio. É perceptível o grau de dedicação e paixão destilados no jogo e o quanto de sua experiência pessoal afeta a narrativa, dando um tom intimista e ancorado na realidade para um conto que talvez pudesse se perder em terrenos de pura fantasia. Como toda boa história, há lições a se tirar de TSIOQUE, mas também há fartas doses de entretenimento.
Na aventura, Tsioque é o nome de uma princesa aprisionada em seu próprio castelo, dominado por um feiticeiro sombrio. Com um exército de monstrinhos feios, mas desajeitados, o vilão deseja paz e tranquilidade para dar continuidade a seus planos de dominação, mas, é claro que nem a menina e nem seus próprios capangas irão dar sossego.
Solta de sua cela nos minutos iniciais, Tsioque irá perambular por diversas partes do castelo, buscando uma forma de derrotar o feiticeiro, escapar pela porta de frente e evitar ser capturada pelos guardas monstrengos.
Longe de estar indefesa ou precisando de ajuda, a princesinha irá colocar a mão na massa, resolver enigmas e frequentemente olhar com desprezo ou enfado para os desafios que surgem no seu caminho. O tom de jogo mistura fábulas com humor negro, com situações inusitadas e hilárias. Até mesmo personagens secundários ou elementos aparentemente largados no cenário são motivo para que aconteça alguma coisa que provoque o sorriso e aqueça o coração em uma noite gelada. A atenção aos detalhes é impressionante.
Um adventure que não empaca
Uma confissão: não sou bom em adventures point and click. Eles me fazem sentir burro por não enxergar a solução “óbvia” que seus desenvolvedores criaram. Como eu não poderia imaginar que o rato no meu inventário deveria ser utilizado em combinação com a barra de chocolate para reiniciar o reator naquela cena? Felizmente, TSIOQUE é um bom exemplo de um adventure orgânico em que os enigmas são compreensíveis, mesmo dentro da lógica própria dos mundos de fantasia e mesmo em alguns momentos onde você precisa decidir no que clicar em questão de segundos. Eu nunca imaginaria que veria um bom uso de um quicktime event nessa vida, mas aqui está um jogo indie que dá um banho em grandes produções.
Não satisfeito com seus puzzles que não são fáceis demais nem insanos, Wasilewski e sua trupe ainda colocaram uma cereja nesse bolo com sequências que exigem coordenação motora de seus jogadores. E, mais uma vez, o resultado não soa nem forçado, nem irritante. Estão incluídos aí uma louca escapada escadaria abaixo (que até conta com um botão de pular essa parte, opcional para os menos afortunados), um mini-jogo de costura(!), um desafio de alquimia e outras situações igualmente interessantes e contextualizadas na história.
Infelizmente, a impressão inicial de TSIOQUE pode ser prejudicada justo no cenário de abertura. Para escapar de sua cela, a princesinha precisa repetir uma determinada ação três vezes, com diferenças sutis entre elas, o que pode dar a sensação de que não está surtindo efeito. Essa mecânica de repetir algo com resultados diferentes é explorada em um par de outras partes e não foi uma boa decisão.
Posso dizer tranquilamente que empaquei apenas duas vezes nas três horas de jogo, nada que uma boa noite de sono e outra sessão não resolvessem.
E viveram felizes para sempre…
Apesar de trazer poucos diálogos e sustentar seu humor e boa parte da narrativa em elementos visuais, é uma pena que o jogo ainda não conte com suporte algum ao nosso idioma. Sem entender o idioma em algumas dicas, determinados puzzles se tornam insuperáveis. TSIOQUE foi lançado originalmente em Inglês e Polonês, mas ganhou legendas em outros idiomas na semana seguinte e o próprio Wasilewski afirmou que estuda a possibilidade de uma versão para o Português do Brasil.
O conhecimento da língua se torna ainda mais importante logo mais à frente. O que já estava bom consegue melhorar no seu terço final, quando um determinado evento dispara uma mudança forte no universo de Tsioque. É inesperado e enriquece a história, revelando a verdadeira proposta de Wasilewski. Daí até sua conclusão é uma sucessão de emoções até o ápice comovente, que se completa com uma cena no meio dos créditos.
Diante de tudo que viu e entendeu, é impossível para o jogador não simpatizar com TSIOQUE. É um mergulho curto em um universo singular, mas o jogador que sai do outro lado sai mais feliz do que entrou e isso é verdadeiramente mágico.