Em 2014, quando ninguém mais aguentava jogos com filtros dessaturados, protagonistas sem expressão e retratos inconsequentes da violência militar (isso foi dois anos depois de Spec Ops: The Line, notem), This War of Mine veio como uma brisa de ar fresco. E é estranho falar isso, já que o motivo é justamente porque ele conseguiu retratar os horrores da guerra de uma forma verdadeiramente impactante.
O segredo? A narrativa procedural, não autoral. Isso quer dizer que ela não é pré-concebida por um escritor, mas nasce naturalmente das interações entre as mecânicas do jogo. Os personagens são gerados por um algoritmo, mas lentamente se tornam importantes para nós enquanto os ajudamos a escapar da miséria e destruição que ecoa sobre os civis, não os soldados, durante uma guerra.
Mas essa análise é sobre a recém-lançada expansão Father’s Promise, a parte um de três da coleção Stories. O diferencial dela é que dessa vez as histórias serão autorais, o que meio que vai contra o espírito do jogo principal. Mas as mecânicas de gerenciamento de recursos, o visual impressionante e a perspectiva em 2,5D do original ainda se mantém.
“No final não somos nada além de uma história.”
O lado bom é que, apesar dessa mudança fazerem de This War of Mine um jogo substancialmente menos interessante, eventos pré-determinados permitem que a narrativa trabalhe com cadências mais envolventes e momentos mais chocantes. Certos plot twists só são possíveis porque a equipe tem total controle de como a trama vai se desenrolar, e jogos como The Last of Us mostram que narrativas mais lineares podem sim gerar grandes video games.
Mais que isso, a aposta funciona porque a história contada é excelente. O jogador assume o papel de um homem que perdeu a esposa durante o mesmo conflito que move o jogo principal. A única filha do casal já começa o jogo doente, e cabe ao jogador se desdobrar para cuidar dela enquanto tenta sobreviver ao caos. Os problemas só aumentam quando descobrimos que quem estiver acompanhado de crianças ganha prioridade durante uma evacuação executada pelas Nações Unidas, o que transforma os pequenos em quase-commodities de valor inestimável.
Essa trama é baseada no audiodrama do polaco Łukasz Orbitowski. Não sei o quanto disso se deve a ele e o quanto é responsabilidade dos escritores internos do estúdio, mas a história se desdobra com um ritmo contagioso e nunca cai em clichês, que parecem vir com uma facilidade extrema a outros jogos do gênero. Cada nota parece milimetricamente calculada para máximo impacto, e esses méritos acabam justificando o desvio do modelo original.
A guerra nunca muda
Mas no final das contas isso ainda é uma colagem, ainda é uma narrativa inserida em um jogo que não foi feito exatamente para ela, e esse problema acaba voltando para assombrar Father’s Promise. As mecânicas de This War of Mine foram feitas para incentivar escolhas difíceis, cujo impacto seria sentido ao ver personagens importantes sofrendo por sua causa. Isso é perdido em momentos nos quais essas escolhas são feitas por você, que são concessões necessárias para a história seguir em frente, ou quando suas escolhas parecem ter pouco impacto no desdobramento da história. Às vezes você quer passar a noite buscando recursos ou descansando, mas o jogo precisa que você a passe cuidando da sua filha para a história avançar no rumo certo, e isso me faz me perguntar se o molde de This War of Mine foi o certo para contar essa história em específico (desconsiderando o fato de que ela já existia como audiodrama).
O gameplay em si é extremamente fácil, evitando que o jogador fique empacado em certas seções, quebrando assim a fluidez da narrativa. Momentos-chave da trama às vezes são mostrados em texto, já que a estrutura da câmera não comporta animações complexas cheias de detalhe. Tudo isso são sinais de que essa história não está exatamente onde deveria.
Mas o fato é que Father’s Promise existe como um capítulo de This War of Mine, queira a gente ou não. E mesmo que essas concessões em sua inelegância acabem diminuindo o valor final do pacote, a história que elas permitem ainda é muito boa, perfeita para quem gosta de jogos que misturam sobrevivência com drama humano. E por R$ 10,99, mais barato do que uma ida ao cinema, é difícil se apegar muito às suas falhas. Se o pessoal da 11-bit studios mantiver esse bom gosto para histórias podemos esperar muito dos dois próximos capítulos.
Prós:
🔺 Direção de arte fantástica
🔺 História envolvente e livre de clichês
Contras:
🔻 Narrativa conflita com a natureza do gameplay
Ficha Técnica:
Lançamento: 14/11/17
Desenvolvedora: 11 bit studios
Distribuidora: 11 bit studios
Plataformas: PC