Morreu todo mundo em uma explosão. Eu devia ter previsto que esse seria o triste destino do primeiro voo tripulado da humanidade através do hiperespaço. Porque nada estava certo desde o começo.
The Long Journey Home, da desenvolvedora Daedalic, não tem desculpas para os erros que comete: é um estúdio com um extenso currículo de títulos, muitos de qualidade. Talvez excesso de ambição seja a raiz dos problemas aqui, como em uma expedição espacial típica dos filmes de ficção-científica.
Como a mão que controla a aventura proposta, você deve selecionar quatro indivíduos que irão testar uma espaçonave com capacidade de dobra espacial, para sair de nosso sistema solar já conquistado. O jogo de cara não te diz para que eles serão necessários, nem tampouco qual é a utilidade de cada um dos itens que eles podem trazer à bordo. Das dez opções, quais seriam os melhores? A blogueira de tecnologia que vem cobrindo o projeto desde o início? O bilionário que vem financiado a iniciativa e faz questão de ir? A astronauta veterana diagnosticada com câncer? A física teórica? O astronauta que acredita que a missão está fadada ao fracasso?
São decisões aparentemente importantes, mas que, na dinâmica do jogo pouco importam. Porque The Long Journey Home não é um título sobre pessoas ou o espírito humano, por mais que a trilha sonora se esforce para dar um tom de epopeia moderna a tudo, por mais que os personagens pareçam simpáticos a princípio. Quando o jogo engrenar, você não controla os personagens, eles não tomam decisões, eles não influenciam em nada, ainda que um item ou outro trazido com eles possa salvar sua nave do aperto uma única vez para logo então serem consumidos para sempre.
Mas eu devia ter percebido isso quando gastei um tanque de combustível inteiro indo da Terra à Marte. Escolhi começar pelo “tutorial”, uma vez que o jogo claramente não é intuitivo sobre nada. O processo de controlar a espaçonave dentro de um sistema solar parece ter sido pensado para ser o mais realista possível: sua nave não anda em linha reta jamais, mas em órbitas elípticas influenciadas pela trajetória inicial e pela força gravitacional dos planetas. Conceitos como poço gravitacional e estilingue gravitacional são aplicados aqui sem cerimônia, em sacrifício da jogabilidade.
Aqueles cálculos que a NASA realiza durante anos, com o auxílio de computadores, que lançaram a sonda New Horizons em rota perfeita para Plutão, precisam ser feitos por você em segundos, usando somente o olho, para comandar os propulsores da nave para desviar sua trajetória até o destino que deseja. A própria desenvolvedora em sua descrição do jogo se gaba dos controles difíceis, como se gastar todo o combustível para ir entre dois planetas vizinhos fosse “difícil”. Eufemismo é pouco: cruzei Urano, atravessei o Sol (duas vezes!), danifiquei o casco externo, consumi combustível para talvez quatro explorações inteiras e não acertei o caminho para Marte. Com um reabastecimento, finalmente entrei na órbita do planeta vermelho.
Se você esperava por um novo No Man’s Sky que funciona, com exploração de superfície de planetas exóticos e surpreendentes, a descida do veículo terrestre vai chocar você. Primeiro, porque controlar o dito cujo é quase tão difícil quanto controlar a espaçonave. Antes mesmo de sair do tutorial, eu já tinha danos significativos na unidade e meu piloto estava com uma perna quebrada. Além disso, a área disponível para exploração cabe em duas telas de perspectiva lateral, onde você flutua o seu lander em perspectiva 2D na tentativa de descer em pontos de interesse, dois ou três por planeta, geralmente minérios.
Perdidos no Espaço
Mas, enfim, saltamos para o desconhecido! É importante dizer que The Long Journey Home tem valores de produção cativantes: não apenas a trilha sonora te empurra para frente como as cenas de enredo são bem conduzidas, a visão externa da nave é competente e os menus internos não deixam a desejar. Tudo isso acoplado a duas mecânicas que parecem tiradas de um jogo em Flash… ainda assim, estava empolgado em conhecer o espaço sideral.
Não é segredo que o salto no hiperespaço dá errado: é a premissa do jogo, está no trailer. Largados a vários e vários anos-luz de distância da Terra, a sua nave terá que explorar sistemas desconhecidos e realizar outros saltos ao acaso na direção de casa. É um enredo convidativo, mesmo após ter sido utilizado tantas vezes em tantas mídias. E a Daedalic entrega uma experiência única, com sistemas e situações gerados proceduralmente.
Infelizmente, controlar a nave dentro de um sistema solar é um sufoco que nunca consegui superar. Desembarcar com o lander é algo que pode ser dominado, mas nunca chega a ser satisfatório. Então, a aventura pode ser resumida a lutar com os controles para entrar em órbita, pousar, extrair minérios para compensar os danos no casco de seu voo infeliz e o combustível consumido, acumular matéria exótica para conseguir saltar para outro sistema solar e recomeçar o ciclo.
No caminho, você acaba esbarrando em civilizações alienígenas ao acaso, recebe artefatos ou missões (como realizá-las com tempo contado se eu não consigo apontar essa nave na direção que quero?). Não encontrei nenhuma que fosse minimamente interessante, visual ou conceitualmente, mas o Universo é grande.
Entretanto essa expedição estava condenada desde o início, com pouco combustível, com uma tripulação escolhida sem noção do que poderia ser útil, com avarias múltiplas no casco e no explorador. Acabei gastando todo o combustível e fiquei à deriva, com metade dos passageiros morrendo por sufocação, já que o suporte de vida depende de combustível. Resolvi utilizar o item mais enigmático que veio à bordo: um sinalizador de socorro. Uma raça desconhecida atendeu ao chamado e… reabasteceu nossa nave.
Com a morte de dois tripulantes na consciência, segui viagem para momentos depois ser encontrado por outra raça. Conversamos. Dei a resposta errada para alguma coisa e eles tornaram-se hostis. Nossa nave foi feita em pedaços e os sonhos de uma civilização e de um bom jogo foram destroçados ali mesmo.
Enigma do Horizonte
Desconfiado de que no meio da aleatoriedade do jogo havia escondida uma grande aventura, retornei ciente do que fazer. Escolhi melhor os tripulantes (mais pelos itens que traziam do que por suas personalidades, que, no final das contas, não valem nada). Escolhi melhor a nave: um colosso robusto com tanques colossais de combustível e “baixa manobrabilidade” (se eu não conseguia controlar uma normal, não poderia ficar pior do que já era). Pulei o tutorial para ninguém quebrar nada por acidente e me joguei no espaço.
Agora vai! Por incrível que pareça, aprendi a gastar um pouco menos de combustível procurando órbitas e dominei ainda melhor o explorador de superfície. Aprendi também que é melhor avaliar as condições de um planeta antes de pousar e que é perda de tempo tentar isso em determinadas condições. Minha tripulação estava quase intacta depois do quinto ou sexto sistema, as condições do casco estavam boas, combustível era abundante, o universo estava aos meus pés!
Então, após um salto estelar, o jogo travou. Não apenas travou. Levou meu computador junto, de uma forma que um Ctrl+Alt+Del básico demorou dez minutos para conseguir uma resposta. O disco rígido girava como se ele mesmo estivesse prestes a realizar uma dobra espacial. Meu dedo se aproximou do botão de reiniciar para acioná-lo ao menor sinal de uma ruptura do espaço-tempo. Mas consegui encerrar o processo.
Bugs acontecem, certo? Não seria o primeiro jogo a travar desta forma e, infelizmente, não será o último. Em outro dia, reiniciei o jogo (que tem um sistema de salvamento automático sempre que você fixa órbita em um planeta). Ele carregou perfeitamente, mas eu estava, obviamente, no mesmo sistema antes do salto. Preparei tudo de novo e me joguei no vazio. O jogo parou para carregar a próxima área e… travou o PC todo.
A segunda expedição estava perdida para toda a eternidade em uma falha temporal, condenada a viver no mesmo sistema estelar até o final de suas forças? Resolvi dar um tempo para o jogo. Um dos percalços de se ter acesso a um título antes do lançamento é que os desenvolvedores ainda estão ajustando as coisas, é meio como entrar em um restaurante com baldes de tinta no chão e a fiação aparecendo. Confiei que eles fariam ajustes.
Passou-se uma semana e dito e feito: mexeram no jogo. Meu jogo salvo sumiu. Aquela expedição que aparentemente estava indo bem desapareceu da existência, com seus sonhos e esperanças.
Disenteria
Iniciei então minha terceira expedição, imbuído da experiência adquirida nas aventuras anteriores e ansioso para ver as mudanças no título que levaram os desenvolvedores a descartar qualquer jogo salvo que os jogadores tivessem. Agora há mais dicas na tela, sobre coisas que eu tive que aprender na marra, mas fico feliz por aqueles que virão. Há melhorias significativas na interface. Há mais encontros alienígenas. Demora mais para carregar entre uma transição de cena e outra e consome ainda mais recursos do que consumia antes…
E, pecado dos pecados, controlar a nave continua uma tarefa ingrata. Aceitando uma missão de resgatar os possíveis sobreviventes de uma nave de outra raça, perambulei por um sistema e gastei mais da metade do tanque de combustível. É uma evolução em relação a minha “busca” por Marte, mas ainda assim é de ferver o sangue.
Se eu achava que acertar a órbita de um planeta era difícil, não tinha ideia do que era acertar a órbita de uma lua… Nesse meio tempo, pousei em uma lua contaminada com uma doença extraterrestre, trouxe a praga à bordo e logo minha tripulação quase inteira estava infectada. É arbitrário, é cruel, xinguei as forças invisíveis que movem esse universo, também conhecidos como “desenvolvedores”. Encontrei o local da queda da outra espaçonave, uma superfície calcinada por uma temperatura infernal. Por muito pouco, não perdi o módulo explorador, minha única forma de extrair coisas nesse jogo. Não havia sobreviventes, apenas um artefato. Devolvi a relíquia para seus legítimos donos e eles me pagaram com um punhado de créditos.
Eu estava com pouco combustível, com o lander quase destruído, tripulação contaminada. Mas tinha dinheiro. Dinheiro que gastei para chamar um conserto para os cascos, danificados justamente naquela fútil missão de resgate.
Enquanto a doença se agravava à bordo, resolvi dar saltos de hiperespaço até a Estação Espacial mais próxima, uma maravilha cósmica até então ouvida, mas nunca vista. Chegaria lá sem dinheiro, com a tripulação à beira da morte, sem recursos para negociar e com a esperança de receber caridade de estranhos. Mas é claro que não basta chegar no sistema onde a Estação fica e você está imediatamente dentro dela… você precisa manobrar para entrar em órbita dela. Com o combustível já no vapor, vi minhas tentativas se transformarem em fracasso, enquanto o sistema de suporte de vida desativava e meus tripulantes, já debilitados, morriam um a um, com a espaçonave transformada em uma tumba espacial diante da tal Estação, onde nunca entrei.
The Long Journey Home pode parecer de longe beber nas mesmas fontes que o já citado No Man’s Sky ou mesmo Mass Effect: Andromeda. Aquela sensação de desconhecido, de exploração. Mas, na verdade, percebi, tarde demais, que seu verdadeiro antepassado é Oregon Trail, o brutal e invencível simulador aleatório da conquista do Oeste. Entretanto, mesmo se as mecânicas de voo e aterrissagem funcionassem a contento e a aleatoriedade dos eventos não tivesse um peso tão forte no destino de sua expedição, o jogo seria assolado por outro defeito: a repetição. Você salta de sistema em sistema, coleta recursos e parte para outro sistema. Os encontros com civilizações que deveriam ser exóticas, e que talvez pudessem ser a cereja do bolo em um jogo melhor, aqui não justificam o interesse.
Se algum dia iremos nos lançar no vazio celeste, é melhor estarmos mais preparados do que a Daedalic.