Eu demorei para ter meu primeiro contato com a franquia Zelda, não vou negar. Isso ocorreu em 2000 e poucos, quando era jovem e minhas boas notas renderam um presente do meu pai, que me deu The Legend of Zelda: Link’s Awakening de Game Boy. Até nos portáteis eu cheguei atrasado, perdendo a versão DX (mais ou menos) colorida de Game Boy Color, lançada em 1999, mas não liguei em conferir o título no meu bom e velho tijolão monocromático.
Link’s Awakening me impressionou por fazer o que parecia ser impossível: transportar a magia dos jogos de console para o limitado hardware do portátil da Nintendo. É um jogo feito com maestria, com complexidade e jogabilidade dignas dos bons clássicos da série Zelda, e certamente marcou seu lugar na história, principalmente para mim, já que foi meu primeiro contato com a franquia. Quase 30 anos se passaram e o clássico retorna em um remake de encher os olhos.
Nostalgia sem parecer datado
Com a fama de só viver de Mario e Zelda (e que mal tem nisso?), a Nintendo nos apresentou com um remake completo e também um dos mais diferentes que já vimos. A introdução do jogo já deixa claro que estamos em 2019 e as coisas mudaram. Uma bela animação conta o início da jornada de Link numa ilha totalmente desconhecida e em uma aventura que foge aos moldes da série.
Pra começar, o game é apaixonante. O visual cartunesco, com carinha de bonequinhos de massinha, é cativante demais. A sensação por vezes é de que estamos controlando bonequinhos num tabuleiro. Os NPCs, os inimigos e, claro, o Link, estão todos extremamente polidos e com capricho incrível para um jogo que nem levou tanto tempo assim para ser produzido. The Legend of Zelda Link’s Awakening foi anunciado em junho durante a E3 2019 já com data pra sair no finalzinho de setembro, o que deixou os Nintendistas, incluindo este que vos escreve, eufóricos.
Para os fãs novos e antigos
Em relação ao jogo original, os updates de jogabilidade foram muito bem aplicados. Ignorando a limitação de apenas 2 botões que o Game Boy original tinha, que gerava um certo malabarismo e muitos acessos ao menu para escolher qual item equipar, aqui os botões são melhor aproveitados, gerando um conforto muito maior do que o primeiro game. Ficou mais fácil usar seu arco ao mesmo tempo em que se dá espadadas ou pula (isso mesmo, agora o Link pula livremente). Lógico que o jogo também não facilita tudo: você só pode equipar 2 itens por vez além da espada e escudo que estão sempre equipados, então nada de pular com seu arco enquanto joga bombas e cava buracos ao mesmo tempo.
Outra limitação de hardware da época, e que foi facilmente acertada aqui, foi o fato de que o mapa é “único” e não mais dividido em telas como no Game Boy. Naquela época, passar de um ambiente pro outro era um desafio para o processamento do portátil, aqui esse recurso entra algumas vezes, mais como um fator nostálgico pra quem jogou o original.
A história do jogo dessa vez não é o ponto central. Link naufraga em uma ilha misteriosa e precisa recolher instrumentos mágicos para poder dar o fora dali. Isso mesmo, nada de Hyrule por aqui. O foco do jogo fica por conta da aventura e dos enigmas que cada masmorra apresenta. Como chegar a cada local também é um desafio a parte, por isso é muito importante conversar com cada NPC que passe pelo seu caminho, eles quase sempre tem a resposta.
O mapa do jogo não é dos mais vastos, mas conta com muitas coisas para se fazer. Com 8 dungeons principais onde se coletam itens que vão definir o rumo da história, Link tem por aí boas horas de jogatina. É verdade que não são muitas, o jogo em si é relativamente curto, principalmente para quem já jogou o original.
Um pouco mais de um excelente mesmo
E, pra não dizer que não temos defeitos, o jogo é praticamente o mesmo, com as óbvias melhorias visuais e também o refinamento na jogabilidade. Entretanto, o jogo em si é exatamente o mesmo. Não que o gênero tenha ficado datado ou algo assim, mas nada realmente novo é acrescentado em Zelda Link’s Awakening.
Existem algumas pequenas passagens em visão lateral com inimigos saídas diretamente do mundo de Mario e também um modo de criação de masmorras. Porém, não se engane se você acha que é um Zelda Maker: é um modo bem simples em que você pode usar partes de dungeons que já visitou, para montar sua própria. Segundo o diretor do jogo, Eihi Aonuma, que está no comando da série desde o aclamado Zelda Ocarina of Time, a ideia veio de ninguém menos que Shigeru Miyamoto, criador de tantas franquias da Nintendo como Mario e Zelda.
E o que fazer com sua maravilhosa fase criada com tanto carinho? Bom, a única forma de compartilhar suas criações é através de amiibos. Isso mesmo, nada de compartilhar pela internet ou, na pior das hipóteses, por compartilhamento loca. É uma tremenda bola fora da Nintendo que, por vezes, se recusa a entrar de sola no mundo conectado em que os jogos eletrônicos estão desde a geração passada. É realmente uma pena, pois uma melhor otimização desse modo poderia aumentar o fator replay do jogo que, como eu disse antes, não é dos mais longos.
O segundo ponto negativo fica por conta da má otimização do game. São constantes as quedas de FPS, principalmente na vila com muitos NPCs na tela e em momentos de ação. É verdade que essas quedas são bem raras e nem chegam a atrapalhar pois o jogo não possui uma ação frenética. O curioso é que o jogo anterior, Zelda Breath of The Wild, mesmo parecendo ser graficamente bem mais pesado, também apresentou problemas semelhantes mas numa escala bem menor. Demonstrando que a longevidade do console lançado no final de 2017 talvez não seja das maiores, mesmo quase sempre tendo um hardware inferior, os jogos da própria Nintendo pareciam fazer alguma magia para rodar de forma impecável em seus consoles, coisa que não acontece aqui.
Ainda falando da parte gráfica, o jogo em si desfoca as extremidades da tela, te forçando a prestar atenção no Link, que está sempre centralizado. De início estranhei bastante, principalmente pelo fato de eu querer observar tudo em sua magnitude mas com alguns minutos de jogatina você nem percebe mais isso e talvez subliminarmente faça alguma diferença o ponto focal ser sempre o nosso herói. Desconsiderando isso, o visual é mesmo belíssimo, uma obra de arte.
Enquanto não sai o novo Zelda…
A maior nostalgia fica por conta dos efeitos sonoros, refeitos com esmero mas sem perder nem um pouco da identidade, fazendo com que cada baú aberto, chave encontrada ou inimigo abatido, remeta a uma época mais simples, em que meu Game Boy devorava pilhas com a gana de um leão faminto. Encontrar sua espada na praia e ergue-la sobre a cabeça foi sem dúvida um dos momentos mais marcantes da minha vida gamer, reviver isso foi de uma alegria ímpar.
Coletar cada um dos oito instrumentos musicais para então escalar a montanha e despertar o peixe pássaro que está dormindo dentro de seu ovo é uma jornada que todo mundo precisa passar. Mesmo que não tenha muita relação com a lore da franquia, The Legend of Zelda Link’s Awakening é um jogo que precisa ser jogado por todos os fãs da série.
Ainda que seja um remake exatamente idêntico em seus desafios e objetivos, o jogo não parece datado em nada, estando bem atual. Para quem já jogou, reviver essa experiência de Link’s Awakening agora no Nintendo Switch vai ser mágico. Para quem não jogou, pode ir sem medo também pois o jogo é praticamente independente da mitologia Zelda e serve muito bem como um excelente aquecimento para a vindoura sequência de Zelda Breath of the Wild, ainda sem nome e ainda sem data.