Mesmo não tendo jogado The Escapists no lançamento e fervor da sua chegada, com a interessante premissa em dar liberdade em criar sua própria fuga de uma prisão, sempre tive vontade de criar a minha própria narrativa e usar as mecânicas que o jogo fornece para recriar ou imitar os clássicos do cinema. Um Sonho de Liberdade, Alcatraz – Fuga Impossível, A Fortaleza e até o recente Rota de Fuga estavam em minha mente prontos para serem protagonizados por mim quando descobri que The Escapists 2 seria lançado e eu teria a oportunidade de experimenta-lo. O sonho doce da minha imaginação com o gosto amargo da realidade acabou traindo a expectativa e levando a experiência para algo que oferece muitas possibilidades ao mesmo tempo em que não nos deixa experimentar tudo aquilo que está em nosso alcance.
The Escapists 2, desenvolvido pelo Mouldy Toof Studios, evolui diversos pontos apresentados pelo primeiro jogo, em uma promessa de melhorias, porém acaba se tornando uma grande “redação com tema livre”. Sabe quando você precisa entregar um trabalho de escola e os professores resolvem deixar sob nossa responsabilidade o que queremos desenvolver? É exatamente desse mal que esse lançamento sofre: possibilitar a escolha de construir qualquer coisa e ao mesmo tempo não fazermos nada. Como já dizia o ditado: quem muito quer nada tem; esse é um bom exemplo de como um jogo sandbox, que consegue oferecer diversas mecânicas e missões paralelas, acaba nos afastando do objetivo principal.
Orange is the new black
Ao todo são 10 fases com diversas missões, dentre elas três são as principais e que configuram diferentes maneiras de fugir da prisão. Cada uma delas possui sua própria jogabilidade (falaremos mais tarde sobre isso), level design e customização entre os diversos temas usados; diferente do primeiro jogo que ficava refém das prisões tradicionais, os responsáveis por desenvolverem essa sequência conseguiram diversificar a maneira como jogamos e a temática para cada uma das detenções de segurança máxima.
Depois de um ótimo tutorial, que aborda de maneira simples e rápida as principais mecânicas, você tem a opção de ir do mais tradicional, com fortaleza de concreto e metal, aos mais excêntricos; você poderá fugir de uma prisão que parece ter saído dos filmes de velho oeste, um trem, avião e navio que transportam presidiários, e o mais incrível (e desafiador), que é escapar de uma prisão espacial. Tudo na tentativa de quebrar a monotonia e desafiar os jogadores a algo novo a cada nova fase.00
E a história? Bem, isso você será o responsável por construir. Cada prisão possui sua própria micro narrativa, com pouquíssimas informações e o mínimo para contextualizar e introduzir cada fuga a ser realizada. A breve introdução serve para um rápido vislumbre do cenário em que tudo se desenrolará, além de mostrar pelo menos uma das saídas possíveis.
A partir desse ponto nos deparamos com o maior problema que as fases carregam, pois elas abandonam o jogador com quase nenhuma informação sobre as etapas para chegar até o objetivo principal. Não que sofra do mal dessa nova geração em que os desenvolvedores carregam no colo quem está jogando, com dicas e tutoriais para tudo, mas The Escapists 2 realmente esquece de criar caminhos ou trilhas com acontecimentos ou detalhes informativos e acaba pecando pela ausência de conteúdo útil.
Quando você cria esse buraco por falta de informações mínimas e úteis para guiar a jornada dentro de cada missão, infelizmente o caminho principal pode ser deixado de lado e cada um pode passar a fazer o que bem entender dentro desse universo. No meu caso, achar os indícios que poderiam me levar em um dos fluxos corretos de acontecimentos para o término e cumprimento da missão era algo difícil de encontrar. Por esse motivo, passei a vivenciar o que estava disponível para mim dentro da prisão. Deixei de lado a fuga para criar uma narrativa ao melhor estilo “Orange is the new black”, em que eu acordava, participava da contagem, exercícios e estudos entre uma refeição e outra, para nas horas livres completar as mini-missões disponíveis ao falarmos com os outros prisioneiros.
Era mais agradável usar as mecânicas para criar a minha própria história dentro desse mundinho do crime, a ter que arriscar fugir e ser pego pelos seguranças ou cachorros. A cada falha o meu tempo na solitária passou de 30 segundos para muitos minutos, em tempo real e que precisavam ser “jogados”, parado sem fazer nada, para depois recomeçar tudo novamente.
Fuga implacável
Essa sensação de estranheza ainda aumenta quando, logo após o tutorial que exige que você aprenda algumas dinâmicas sobre o seu caminho até o lado de fora da prisão, podem ser descartadas e não usadas para cumprir a missão. Muita tentativa e erro é necessário para conseguir achar uma brecha entre a jornada obrigatória que você precisa cumprir diariamente como presidiário, até encontrar uma luz no fim do túnel que possa guiá-lo em direção à liberdade; como recurso não muito prático, você tem a opção de usar seu telefonema, pago com moedas obtidas através de trabalho e favores realizados aos outros prisioneiros, para receber dinheiro suficiente capaz de te ajudar com dicas (algumas muito vagas) de como seguir a rota correta para fora da prisão.
Isso tudo acaba ganhando ainda mais peso negativo quando você decide testar as possibilidades, desde as diversas mecânicas às várias sequências que podem nos levar ao objetivo principal, e após encerrar uma missão o jogo insiste em te dar uma nota pela partida realizada. Esse sim foi o ponto mais frustrante, que no fim de tudo o próprio jogo retorna para você e cobra aquilo que ele deveria ter auxiliado para conquistarmos avaliações melhores. Por quê usar de A à F em um jogo sandbox? Com certeza não me fez voltar a jogar o mesmo cenário em busca de uma melhor pontuação, principalmente em cenários em que era mais divertido curtir aquela rotina do que ficar se matando (literalmente) para encontrar a saída!
Por mais que tudo fique muito vago e com seus pontos negativos, é muito gratificante você explorar as diversas maneiras em que cumpre com sucesso seu objetivo. Escavando, indo pelos dutos de ventilação, rappel pelo lado de fora, se misturando em meio às outras pessoas e até mesmo usando elementos do cenário que podem te ajudar, como por exemplo um cavalo, uma nave espacial ou, ao melhor estilo Con Air, um avião (sim, aquele filme com Nicholas Cage).
O que melhora essa questão de recompensa ao escapar é termos em cada prisão o seu próprio modo de jogar; em missões dentro de prisões, você com certeza enfrentará os problemas já comentados por se tratar de algo muito livre e amplo, mas para a minha surpresa os cenários que envolvem transporte de presos, são os que possuem um estilo bem mais agradável de jogo. Com um ritmo melhor e obrigando que a missão seja executada dentro de um tempo pré-determinado, você precisará encontrar a solução que te levará para fora de um trem, navio e avião antes que ele chegue ao destino final. Parecendo até um metroidvania e com menos exploração que o estilo tradicional de The Escapists, você precisará ir para baixo e para cima ou para esquerda e direita para encontrar os itens obrigatórios, construir as ferramentas necessárias e usá-las em um determinado momento ou local correto para encerrar mais uma missão.
Uma sequência bem diferente
Não somente o visual foi refeito, mesmo lembrando o estilo pixelado dos jogos 16-bit ele impressiona pela quantidade de detalhes. Os objetos são muito bem desenhados e definidos visualmente, a movimentação dos personagens, mesmo que simplificada por serem bonequinhos estilo LEGO, não decepciona e é de fácil reconhecimento. Você sabe quando está carregando um item ou está atacando alguém, da mesma forma que a interação com o ambiente é notória e não transformada em uma sequência irreconhecível. A customização e ambientação de cada uma das prisões é muito bem realizada; mesmo tendo pouca vida própria ao redor dos acontecimentos atrás das grades, cada um dos NPCs interagem de diversas maneiras com o cenário e demonstram quase tudo o que está disponível para você explorar.
Ainda sobre a customização, os personagens e NPCs contam com mais de 250 itens para serem modificados e ficarem do jeito que você desejar. Sem contar os diversos itens a serem desbloqueados de acordo com o seu progresso; tudo para aumentar o fator replay do jogo e justificar as quase duas dezenas de slots vagos em cada missão para salvar diversas partidas.
Essa sequência também conta com um modo multiplayer, além de partidas locais ou com dados compartilhados em rede, estilo Dark Souls e suas mensagens dentro do jogo deixadas pelos outros jogadores. Além do online, agora você pode jogar com até quatro pessoas no multiplayer local (com a saudosa split screen). Há o modo coop em que todos se empenham em fugir juntos, e versus em que vocês competem para ver quem consegue escapar primeiro. Seja local ou em rede, você pode testar sua habilidade em por em prática sua estratégia, vencer seus inimigos com combate corpo-a-corpo ou até mesmo criar armadilhas que possam fazê-los fracassar. O importante é você triunfar no final, sozinho ou em grupo, em busca da sua liberdade.
Culpado ou inocente?
The Escapists 2 melhora em muito aquilo que ficou para trás em seu primeiro jogo e oferece uma experiência mais completa. Ao mesmo tempo em que uma enxurrada de novidades que vai deixar você perdido por um bom período, o que pode acabar atrapalhando a expectativa e empolgação ao partir em suas próprias buscas das rotas de fuga. Engraçado perceber como alguns jogos procuram acrescentar mais e mais mecânicas e possibilidades, quando nem sempre o “mais” (em quantidade) resulta em algo benéfico para a experiência. Com diversas horas de diversão e outras várias de frustração (que podem converter todo o trabalho da Mouldy Toof Studios em algo totalmente diferente da proposta), esse é mais um indie que merece sua atenção.