Solucionar quebra-cabeças normalmente exige uma lógica sequencial. Mas e quando a lógica deve ser pensada ao contrário? Essa é a proposta em The Entropy Centre, um indie que veio para andar na contra-mão do gênero e dar aquele alívio para quem insiste em não perder as esperanças com Portal 3.
Engana-se quem pensa que o jogo se sustenta no sucesso da franquia da Valve para funcionar. Temos aqui um gameplay inédito, criativo e um tanto quanto peculiar. Você move diversos tipos de cubos pelo cenário para, então, retrocedê-los com a finalidade de fazê-los ativar dispositivos, criar passagens, abrir portas e solucionar os desafios.
Diante de um cataclisma iminente, que destruirá o planeta Terra, Aria Adams acorda desorientada em uma estação lunar que dá nome ao jogo. Ao interagir com um computador antigo em seu quarto (o que indica uma trama ambientada nos anos 90), Aria confere emails e recorda ser uma operadora de quebra-cabeças júnior. Sua rotina de trabalho envolve solucionar os puzzles para coletar dados para a empresa, que tem o nobre objetivo de controlar catástrofes em nosso planeta.
Uma inusitada companhia
Explorando a estação aparentemente abandonada, Aria ouve locuções bugadas de uma inteligência artificial chamada Tannoy, que contextualiza a história aos poucos. Aria logo encontra um curioso robozinho quadrado, sobre três rodas e com anteninhas que lembram orelhas. Identificado apenas como “E” por um post-it colado em sua testa, ele rapidamente some de vista atravessando paredes. Aria então chega ao laboratório de testes onde está o Dispositivo Manual de Entropia, uma “arma” cujo raio permite voltar um objeto no tempo com um limite de até 30 segundos no passado.
O dispositivo conta também com uma inteligência artificial que auxilia os operadores na progressão, aumentando a sua produtividade durante os exercícios de quebra-cabeça. Mas, neste dispositivo encontrado pela protagonista, está programada uma assistente chamada Astra. Bastante humorada, ela será a sua inseparável parceira de aventura, uma apoiadora emocional cujo rostinho digital aparece no mesmo visor que informa os segundos da manipulação de tempo.
Tentando recobrar sua memória e desvendar os eventos que estão ocorrendo no Centro de Entropia, Aria passa por uma série de quebra-cabeças e mecânicas diferentes enquanto avança pelos 15 andares da instação em colapso. Com o dispositivo, ela pode também reverter áreas destruídas do cenário.
Dificuldade equilibrada para não frustrar
The Entropy Centre começa fácil, te ensinando o básico. O jogo faz isso melhor do que eu, mas vou explicar como funciona o gameplay. Imagine dois botões grandes no chão do cenário, com fios que dão para duas portas trancadas, e um cubo normal. Posicionando o cubo sobre um botão, sua respectiva porta se abre. Mas, ao tirar o cubo deste botão para posicionar no outro, a primeira porta se fecha enquanto a outra se abre. Então, o que fazer para passar pelas duas portas? Você primeiro pensa na trajetória do cubo, passando sobre os dois botões, e depois reverte a movimentação do objeto no tempo enquanto passa pelas portas que se abrem.
O game se desenvolve no tempo certo, com quebra-cabeças cujo desafio aumenta gradativamente até Aria chegar no próximo andar, quando uma nova mecânica é introduzida e os puzzles passam por uma nova curva de dificuldade. Esse balanceamento é importante para que o jogador possa respirar, pois em muitos momentos o cérebro dará nó. E olha que sua ferramenta de trabalho ainda permite resetar a movimentação de um objeto, bem como relembrar sua trajetória registrada no passado.
Okay, não é fácil se acostumar com a lógica reversa, mas é igualmente gratificante superar os desafios. Ainda mais quando a criatividade do jogador, de burlar as coisas, não é impedida pelo game – que inclusive encoraja a comunidade de speedrunners. Em vários momentos eu fiz o que certamente não era pra fazer, mas deu certo. E isso é maravilhoso!
Mestre dos puzzles e da prevenção de desastres
The Entropy Centre apresenta diversos tipos de cubos. Temos o cubo normal, que funciona como um peso e também como bloqueio para raio laser; o cubo de pulo, que joga Aria pra cima (uma vez que o alcance do pulo normal da protagonista é bem limitado); o cubo ponte, que projeta uma ponte holográfica para dar acesso à novas áreas; o cubo laser, que ativa dispositivos alimentados por energia; e o cubo dobrável, cujo a altura permite usar de plataforma para alcançar áreas mais altas, mas não pode ser manipulado no tempo durante sua movimentação pelo cenário. Ou seja, ele só dobra e desdobra.
Além dos cubos, há outros elementos complementares para os quebra-cabeças, como trampolins, pontes dobráveis, painéis de energia, correntezas, esteiras rolantes (que podem ser manipuladas para inverter o sentido), barreiras de energia que resetam a memória da sua arma e centrais cujo botão funciona como um restart geral. A equipe da Stubby Games pensou cuidadosamente em cada área, ainda que glitches possam ocorrer. Eu, felizmente, fiquei travado uma única vez quando passei por uma porta que fechou em mim.
É possível morrer no game, mas somente nas partes que precisa fugir ou retroceder áreas colapsadas, como uma escadaria destruída ou um container que despencou de um guindaste. Se estiver mal posicionado durante o retrocesso, pode ser atingido por um escombro e morrer na hora. Outra coisa mortal, comum nos videogames, é a água. Faz parte dos puzzles, mas em áreas abertas como a praia artificial, poderiam haver paredes invisíveis para evitar o morte dos jogadores curiosos. Até porque certos checkpoints são desnecessariamente distantes.
Responsabilidade máxima
O game possui um visual bacana, mas nada muito inspirado. Há excesso de corredores e ambientes semelhantes, sempre com computadores esperando você acessar emails para se informar sobre os acontecimentos registrados pelos ex-funcionários. Mesmo que a cada andar acessado as coisas mudem um pouco de visual, não há nada que vá chamar muito a atenção. Exceto pela Terra explodindo em pedaços ao fundo, como um lembrete de que o tempo está acabando e só você pode reverter o cataclisma.
E é justamente essa responsabilidade em suas costas que torna a experiência ainda melhor, com a instalação desmoronando aos poucos e robôs hostis querendo te enterrar junto. A aventura fica ainda melhor com a companhia de Astra, que faz piadas na hora certa pra quebrar o gelo e fortalece a amizade com Aria, que piraria num lugar desse se estivesse completamente sozinha e sem saber o que fazer.
Dentre tantos indies incríveis em destaque no momento, The Entropy Centre é uma grata surpresa. Um FPS de quebra-cabeças embalado por uma trilha sonora fantástica que supera as expectativas com seu divertido gameplay. Há coisas que poderiam ser evitadas, como a evidente build de PC portada pra console trazer um menu tão simplório e loadings que nem deveriam existir. Mas, de modo geral, este é um jogo pensado e executado com muito carinho, que certamente passou pelas mãos de muitos game testers antes de chegar ao público. Entrou facilmente pra lista dos meus indies favoritos de 2022.