Sabe quando você cai em um jogo sem saber absolutamente nada sobre do que se trata? Foi exatamente o que aconteceu comigo em The Deer God (o qual testei no Nintendo Switch) e acho que essa é o principal ponto positivo desse título indie financiado via Kickstarter: tentar conquistar os gamers pouco a pouco. E o por que de “tentar”? Apenas por falhar em alguns aspectos, mas que consegue se redimir por apresentar uma proposta nova e reflexiva. Quase como um roteiro criado pela Disney e repleto de desafios, a Crescent Moon entrega uma experiência filosófica sobre morte, vida, karma e reencarnação em um game simples, rápido e talvez repetitivo demais, mas agradável de jogar.
O jogo do Irmão Urso
Conhece aquele desenho da Disney, Irmão Urso? Se sim, é exatamente esse o plot por trás de The Deer God. Começamos como um caçador que após os acontecimentos iniciais acaba morrendo e retornando como um Cervo. Agora em sua nova vida e forma, o jogador precisará seguir em frente cumprindo missões, enfrentando a selva e humanos, além de sobreviver aos chefões, tudo para se redimir da sua vida anterior. Para isso, todas as ações que você fizer contarão para a sua linha de caráter, podendo ir para o Dark ou Light. Ou seja, você tem a chance de escolher ir para o lado negro (oi Star Wars) ou da luz. E como você faz isso? Escolhendo quem serão seus inimigos durante o jogo e derrotando as ameaças, que morrem e deixam uma aura azul, ou partindo para cima dos mais inocentes, que morrem e partem indicando uma aura vermelha; ambos coletarão XP o suficiente para você progredir em sua linha de karma.
Por trás de tudo isso está a mecânica que segue a tendência dos jogos inspirados pela franquial Souls, em que você segue a sua própria linha temporal, independente do seu progresso na narrativa ou cenários, correndo o risco de perder tudo. Seu personagem começa como um cervo bebê e a cada alma coletada, seja para o bem ou mau, acompanhamos o crescimento para um animal mais velho, robusto e com galhadas. O mais difícil é conseguir chegar ou se manter nesse nível, pois a cada morte você será obrigado a renascer e começar o seu crescimento do zero, novamente como um filhote. Se conseguir essa proeza você terá poderes para serem atirados até mesmo da sua galhada, quase como uma mini genki dama! Se for para falarmos de cada golpe vai ser um show de ataques galhofas e tudo ao melhor estilo pixel art, resgatando o melhor das gerações anteriores, mas tudo muito bem representado visualmente pelo poderio gráfico atual.
Enfrentando o desconhecido
O diferencial desse lançamento também é o principal ponto negativo. Isso é possível? Sim! A proeza em fazer um jogo plataforma procedural é sempre muito bem-vinda, porém o desafio em criar missões para serem cumpridas ao longo da sua jornada faz com que fiquemos preso em um looping repetitivo e desagradável. Enquanto não concluirmos algum ponto obrigatório ou encontrarmos uma das estátuas dos antigos deuses, em formato de cervo, você andará para direita sempre em frente e acabará voltando à um ponto inicial para uma determinada missão não finalizada. Talvez seja difícil entender apenas lendo, mas imagine como se andássemos em círculo até que um objetivo seja cumprido.
Por conta do sistema procedural tendo os cenários gerados aleatoriamente, não é possível perceber o ponto de junção entre os cenários para sacar até onde ir e voltar para cumprir esse objetivo. Do nada você retorna para o ponto inicial de uma missão. No entanto, essa “emenda invisível” é muito bem trabalhada com o visual, explorando a mudança de clima, a diversidade da flora e abusando da iluminação para impressionar com sol, lua e até mesmo chuva e neve. Tudo para engrandecer ainda mais a qualidade visual trabalhada pelos estúdios Crescent Moon e Cinopt Studios.
Bella natura
Não tem Tuatha de Danann como trilha sonora, mas excelentes composições que acompanham a sua evolução. Começando com algo mais moroso e suave, para um eletrônico mais empolgante com o avançar da sua velocidade ao galopar pelos belos cenários. Uma excelente maneira de criar a ambientação que esse jogo pede. Talvez falhando com a falta de uma boa música de fundo para os combates dos quatro chefes. A diversidade de inimigos, indo de castor à tartaruga, merecia um trabalho melhor para acompanhar o som que nos entretêm no restante do jogo. Acredito também que poderiam explorar sonora e visualmente a mecânica por trás das três barrinhas coloridas no topo superior esquerdo.
Reforçando a influência da série Souls, você terá uma barra de HP e outra de estâmina, porém a inovação fica por conta da barra verde. Esta sinaliza a sua alimentação, nos obrigando a buscar por comida senão você sentirá o seu corpo sofrer com a fome até morrer. Isso tudo é pouco explorado, muito menos causando um impacto maior pela trilha. Seria a chance de aumentar a urgência ou até mesmo nos fazer gelar por dentro ao ver o nosso progresso se esvaindo pouco a pouco por falta de comida.
O ciclo sem fim
Com mais ou menos cinco horas, você descobrirá o desfecho da história desse caçador. Ou será cervo? Todas as questões filosóficas, a interação com os NPCs e o conteúdo que nos faz refletir sobre um tema incomum. Grandes jogos chegaram nos últimos anos, muitos AAA e alguns indies, mas com certeza The Deer God merece um espaço nesse grupo seleto. A mensagem por trás da simplicidade no gameplay e alguns problemas, seja de jogabilidade ou até mesmo do confuso menu e seus itens, podem ser deixados de lado por algumas horas para curtir um bom jogo. Só resta saber se você curtirá ou achará infame assim como a brincadeira com o título.