O game do estúdio indie Neon Giant me conquistou logo no primeiro trailer: um RPG de ação com temática cyberpunk e visual next-gen. Como fã de sci-fi, The Ascent me deixou na empolgação junto da comunidade de PC e Xbox. Seria este o primeiro grande exclusivo do ano? O que eu não esperava é que o jogo fosse sofrer da mesma maldição de outro título cyberpunk aí, que saiu todo quebrado. Um lá da Polônia, sabe?
Em um comunicado de imprensa, a desenvolvedora alertou estar ciente dos bugs e pediu para aguardar o lançamento. Foi o que fiz, para não ser injusto neste review. No PC, The Ascent estava injogável com DirectX 12, mesmo com Ray Tracing e DLSS desligados. E isso acontecia especialmente nas placas da linha GeForce RTX 30 da Nvidia, dá pra acreditar? No lançamento (29 de julho), soltaram um patch que corrigiu uns 90% dos problemas e, só assim, pude ter uma experiência agradável jogando com uma RTX 3070 Ti.
A história é ambientada na arcologia de Veles, uma metrópole cyberpunk que vemos sob a perspectiva isométrica, embora a câmera mude de ângulo em alguns trechos e fique até mesmo no plano vertical ou horizontal. Os habitantes (humanos e alienígenas) são todos escravos do trabalho, com contrato que dura uma vida, e seu personagem não foge à regra. Você é um contratado do Grupo Ascent, a megacorporação de Veles. Do nada, a empresa abre falência e o caos toma conta da cidade, com os habitantes temendo o fim da seguraça e dos recursos básicos, como luz e água.
Este é o cenário ideal para uma grande revolta, com oportunistas surgindo por todos os lados e corporações rivais entrando em guerra para garantir seu lugar no poder. O objetivo do protagonista é descobrir o que iniciou a falência do Grupo Ascent e, para isso, terá que mergulhar em missões perigosas para desvendar a trama.
Tipo Diablo, só que cyberpunk
The Ascent começa com a criação do personagem e um breve tutorial. Ou seja, você aprende a esquivar, agachar, atirar, recarregar, hackear, distribuir pontos de habilidade após subir de nível, essas coisas. Além da Inteligência Artificial (chamada IMP, com um gosto peculiar por violência), que te passa relatórios e tarefas, você conta com Poone, Noghead, Kira e outros aliados para realizar as missões da campanha.
O esforço com a história é notável. Há bastante lore se você observar o diálogo dos NPCs na cidade, ler documentos espalhados pelo mapa e explorar as missões secundárias. O problema da história mora em sua execução, muito superficial e sem o devido peso. Momentos importantes da trama rendem cinematics, mas nem elas empolgam o suficiente para você se importar. Ao menos comigo, a atenção ficou totalmente voltada pra ação e looting.
A comparação com a franquia Diablo não é a toa. The Ascent bebe bastante da fonte da Blizzard e ainda assim consegue entregar ideias próprias. Se por um lado Diablo III é muito mais complexo e denso, ainda mais se levarmos em consideração o fator replay nos níveis mais extremos (Paragon que o diga), por outro lado temos um indie que entrega uma campanha longa (cerca de 15 horas) que se sustenta em seus próprios limites.
Ao subir de nível, você ganha 3 pontos pra investir em habilidades que vão até 20 pontos cada. A parte legal do grinding está nas armas, armadura e aprimoramentos. Você pode alternar entre duas armas em combate e usar um item tático (granada, torreta, drone de estase, mecha de bolso, etc). A armadura é dividade em três partes (cabeça, torso e pernas) que conferem atributos diferentes, alterando também o visual do personagem. Neste quesito, The Ascent se mostra bastante tímido, com pouca variedade.
Por fim temos os aprimoramentos, a cereja no bolo: você define dois aprimoramentos e dois módulos passivos que, somados, mudam bastante a experiência de combate. São habilidades especiais que consomem sua bateria corporal (nome chique pra “mana”) e trazem pra batalha vantagens como um campo que desacelera os disparos inimigos, lâminas girando ao redor do corpo, um feixe de nêutrons, vários tipos de robôs, e assim por diante. Estes aprimoramentos ajudam demais no combate.
As camadas de Veles
Veles é gigantesca, com vários distritos e andares para explorar. Para amenizar o inevitável backtrack, você pode usar o metrô ou pedir um táxi para navegar entre as áreas. O deslocamento, que também ocorre por elevadores, rende momentos de liberdade no cenário ou um cinematic pra ocultar o loading. O táxi pelo menos tem o seu charme: após deixar você no local desejado, ele decola deixando uma grande nuvem de fumaça pra trás.
The Ascent possui um visual incrível, cheio de capricho nos mínimos detalhes. Os distritos possuem suas próprias características e tudo fica ainda melhor se jogado com o Ray Tracing ligado. Deixe o jogo parado por alguns segundos e você verá a câmera se aproximar do personagem, mostrando ainda mais a riqueza deste mundo. Este é definitivamente o jogo do momento para ver as diferenças técnicas que uma iluminação mais realista causa no cenário, predominantemente metálico e cheio de neon. Veles é viva e povoada como deve ser. Poluída e barulhenta como manda o tema. E destrutiva em certo grau, dando um toque extra aos combates.
O rastreamento de missões funciona bem, mas não espere que o mapa vá te ajudar muito: ele é todo vermelho, confuso, sem opção de filtros (pra ocultar/mostrar detalhes específicos) e difícil de entender seus diversos níveis. Acontece inclusive de você concluir uma missão e não saber pra onde ir em seguida, sem qualquer dica até mesmo no menu das localizações disponíveis via táxi. Se estiver em uma área fechada então, prepara-se para andar muito – saudades dos portais de Diablo III, que você abria em qualquer lugar.
Através do looting você consegue um monte de coisas, incluindo uCreds (a moeda do jogo) e fundos para melhorias do seu arsenal. Uma vez que você tem total liberdade de jogar com as armas que mais gosta, seja de curto ou longo alcance, fica fácil escolher quais melhorar. E quando enjoar delas, basta explorar novas armas. Uma pena que a variedade, mais uma vez, não seja grande.
Potencial desperdiçado
The Ascent peca em duas coisas essenciais: uma boa história, que aqui é completamente descartável, e a (falta de) inteligência artificial dos inimigos. Com a opção de agachar atrás de obstáculos e poder atirar por cima, pra evitar tomar dano a toa, esperava ver os inimigos abordando a mesma estratégia. Mas o que se vê, em todas as situações, são inimigos correndo pra cima do protagonista. Ok, tem isso em Diablo, mas poderia ser diferente aqui. Andar agachado fora do campo de visão do inimigo também não funciona: existe uma área invisível que, ao ser atravessada, “dispara” o ataque inimigo imediatamente. É como se todo mundo fosse vidente nessa p#rr@.
Em algumas áreas há NPCs neutros, que só te atacam quando você chega perto demais. Adivinha? Você quer matar todo mundo, pois o looting sempre fala mais alto. E não, estes adversários não são nada desafiadores. Quando os inimigos são muito mais poderosos que você é porque o jogo não quer te permitir em tal área naquele momento. Dá pra burlar? Com jeitinho dá, até pra aproveitar o alto ganho de XP, mas boa sorte em não morrer com um único tiro.
The Ascent tem muita coisa legal além dos gráficos: a trilha sonora é ótima, os chefões são bem divertidos e jogar este game em co-op (local ou online, para até 4 jogadores) deve ser uma experiência bastante agradável. Uma pena que em minha jogatina, com sala aberta online, ninguém entrou. Acabei terminando a campanha sozinho, mas satisfeito. As missões secundárias deixadas pra trás podem ser concluídas posteriormente e o looting aumenta, junto da dificuldade dos inimigos de acordo com seu nível atual.
Ainda falta um bocado pro jogo ficar redondinho. A tradução em PT-BR está incompleta (misturado com textos em inglês), há bugs de física, telas de tutorial que se repetem e gargalos na performance com DX12, mas nada que alguns patches possam resolver. O que infelizmente não tem volta são as decisões limitadoras de game design que, por consequência, reduzem o fator replay. Em menos de 20 horas você faz tudo. Rejogar a campanha desde o começo? Ninguém vai querer.