O cenário indie pode ser um dos responsáveis por manter vivo os nostálgicos games de plataforma e a Frima Studio buscou nos espetáculos da Broadway sua inspiração para contribuir para o gênero com Talent Not Included. Nada diferente do que já conhecemos do estilo batido de pular e atacar para escapar dos inimigos e obstáculos para chegar ao ponto final de cada estágio, porém o mérito desse título está em como ele monta cada um desses cenários e desafios.
Uma mistura dos melhores expoentes da geração 8-bit deram ao gameplay um toque de familiaridade para que ele construísse seu próprio estilo, baseando-se em apenas um fator importante: a curva de aprendizado. Prepare-se, pois o espetáculo vai começar e o ator principal é você!
Pouca história e muito humor
Tudo se passa na terra mágica de Notthatmuchfurther, que em tradução livre seria algo como “Não muito distante”. Acompanhamos a história de três atores desesperados e destemidos, prontos para darem suas vidas, literalmente, pela melhor performance das suas vidas. Esses são os três atores que sobreviverão pelo espetáculo criado pelos monstros Zordok, Kevin e Derp, que decidiram deixar matar pessoas para criarem uma peça sobre videogames.
Por não terem dinheiro para contratar atores de verdade eles recorrem ao Zot, um crítico de teatro e monstro de três cabeças, para então conhecermos Cécile, o Guerreiro, Bonnie, a Ladina, e Gundelf, o Mago. Dividido em três atos, cada um com três monstros como chefões, você será desafiado “ao vivo” para uma platéia empolgada durante 45 fases e um chefão final, que abusa de suas três formas (por mais fácil que seja descobrir quem é, não vou estragar a surpresa).
Toda essa história é mostrada logo no início, apenas com a abertura do jogo. Ao invés de utilizar as fases para desenvolver a narrativa, Talent Not Included a troca por diálogos hilários entre os atores e o chefão de cada ato. Nada contribui significativamente para a construção da narrativa, porém colaboram para criar vínculo entre o jogador e os personagens. Mesmo que sem profundidade e background, o humor dessas breves interações são agradáveis respiros, já que após algumas horas de jogo a mesmice das fases pode entediar pela repetição.
Depois de três atos e um chefão final é fácil perceber o potencial narrativo desperdiçado, que poderiam ser explorados por ser uma peça teatral, para apostar apenas em uma jogabilidade simples e agradável. A evolução da dificuldade segue sozinha, sem crescimento algum para os personagens e ignorando a história, para um final fraco digno da geração 8-bit.
Visual com estilo cartunesco
Sabe aqueles livros pop-ups? Que você vira cada página e as imagens saltam pra fora? Talent Not Included tem todo o seu visual construído como se o jogo fosse um desses livros, pronto para saltar da tela. Com muitas cores num estilo visual polido e bem acabado, mesmo que simplório e sem muitos detalhes, toda a estética do jogo lembra as animações da Disney como, por exemplo Hércules, A Nova Onda do Imperador e Atlantis, com traços mais geométricos. Já o trabalho de modelagem e o 3D me lembraram muito as animações da DreamWorks, com esmero na iluminação e na caracterização dos ambientes.
Toda a caracterização de uma peça teatral acontece em um palco dividido em sete cilindros, responsáveis por causar as diversas alterações e trazer para a tela os obstáculos, estruturas e inimigos. Isso mesmo! Não são fases prontas que estarão esperando por você, mas sim cenários que são montados em tempo real a partir do momento em que você “aciona” a transição de telas ao coletar um item com ícone de engrenagem.
Não pense que o visual bonitinho está lá à toa, pois ele é o responsável por traduzir a mecânica do jogo. Tudo funciona por meio de engrenagens, como se fossem elementos de figuração e cenário de um teatro real. Tudo é temporizado, com momentos certos para entrar e sair, além do tempo de permanência em cena. A cada giro dos cilindros, uma nova formação cenográfica surge como dificultador para você ganhar pontos ao colher pequenos doces ou destruir inimigos.
Os inimigos também foram pensados para acompanharem a ideia de um teatro improvisado. Você verá pessoas penduradas por cordas, guerreiros autômatos feitos de papelão e até mesmo animais criados a partir de peças mecânicas. Eles surgem com as mudanças do cenário, porém é nesse ponto que Talent Not Included peca: nada é procedural. Não como obrigação, mas basta jogar uma vez, mesmo morrendo e refazendo cada cenário, para você decorar exatamente as posições de todos os elementos e o caminho correto para a vitória. Se os sete cilindros formassem cenários gerados proceduralmente, mesmo que dentro de um grupo pré-definido de variações, o desafio e o fator replay aumentariam muito.
Sem trilha sonora, mas com muita sonoridade
Por mais que tente imitar os grandes espetáculos da Broadway, com seus cenários se formando em tempo real e com o palco mutável de acordo com a progressão da história, a Frisma Studio não se preocupou com a trilha sonora. São músicas incidentais, fracas e pouco memoráveis, a ponto de você esquecer que está tocando algo de fundo enquanto está distraído com o visual e a ação de cada ato.
Não posso dizer o mesmo dos efeitos sonoros. Todos eles são perceptíveis, desde o tilintar das armas às explosões, porém o destaque fica por conta do teatro em si. Quando o herói sobe no palco, você ouve o som do holofote ligando e focando nele enquanto a platéia vibra com a sua presença. O barulho que as engrenagens dos cilindros fazem, a atmosfera de cada cenário e os sons causados pela sua interação com todos os elementos, é realmente incrível.
O que mais me impressionou foi ver que, quanto mais difícil ou menos HP (coraçõezinhos) você tem, a platéia passa a bater palmas e incentivar ainda mais. Afinal os pontos obtidos na fase podem levar à ovação da platéia, que substituem as estrelas do estilo de pontuar o seu progresso já conhecido por Angry Birds e outros jogos. O público também ficará do seu lado quando você morrer e jogará tomates no chefão, que surge na tela para rir da sua cara a cada falha.
Repetição, diversão e repetição de novo
O baixo fator replay e o cansaço por conta da repetição acontecem pela obrigatoriedade de vencer os quinze cenários de cada ator, além de enfrentar o mesmo chefão três vezes. Tudo isso apenas para conseguir ter acesso ao último chefe e ver o final do jogo. Com o avançar das fases em cada ato, você verá que um complementa o outro, adicionando os elementos do que já foi visto anteriormente e acrescido de novos desafios. O problema é que se tivéssemos apenas cinco ou no máximo dez fases para cada personagem, não cairíamos na mesmice tão rápido.
As fases são divididas por dificuldade: com a Cécile é mais fácil, com Bonnie é normal e com Gundelf fica mais difícil. O jogo te obriga a jogar todos os cenários para desbloquear o último chefe, pois somente após derrotar os monstros três vezes é que você encerra a atuação de cada um dos atores. O combate com cada chefe pode parecer um mistério, mas passado o impacto inicial, você notará que é muito simples vencê-los. Essa facilidade não faz sentido com os reencontros repetitivos.
O game não depende do encerramento para se caracterizar como um bom jogo. Ele não conta com a história nem com sua variedade de desafios para que o gameplay seja algo prazeroso, mas sim por resgatar o gênero plataforma em sua essência mais crua. Se você conseguir ignorar a repetição, dá pra curtir bastante a aventura até sua conclusão. Só não espere por uma batalha final desafiadora contra Zot.
Talent Not Included é mais um bom e divertido jogo, porém mais próximo da realidade de um título simplista para plataformas mobile a ter destaque nos consoles, principalmente saindo para Xbox One depois de um bom tempo do seu lançamento para PC e no começo de um ano repleto de jogos melhores.