Desde quando a Square Enix resolveu abrir seu baú de preciosidades, trazendo remakes e remasters dos seus principais sucessos do passado, jamais imaginei que Tactics Ogre: Reborn seria o responsável por resgatar o RPG de turno e com combate tático.
O sétimo jogo da franquia Ogre Battle chega para mostrar como explorar uma excelente narrativa ao mesmo tempo em que exige muita dedicação dos jogadores, mas talvez em uma geração cada vez menos tolerante com jogos cadenciados, pesados e lentos.
O Game of Thrones dos videogames
Originalmente lançado em 1995 para SNES, chegando somente no fim da década de 90 ao Ocidente em versões de Sega Saturn e Playstation, Tactics Ogre: Reborn é uma atualização da edição que saiu para PSP com o subtítulo “Let Us Cling Together”.
Escrito por Yasumi Matsuno, ainda hoje ocupa o topo da lista de melhores RPGs japoneses, dividindo com Final Fantasy Tactics e Vagrant Story, ambos com as narrativas criadas pelo mesmo mestre. Se você não teve a oportunidade de jogar este clássico no passado, chegou a hora de você ajustar esse erro em sua trajetória gamer!
Desde a primeira vez em que tive a oportunidade de jogar Ogre Battle: The March of the Black Queen, o início deste universo magnífico, rico em lore e mitologia, fiquei impressionado em como a história era muito bem construída e desenvolvida.
Três facções buscam assumir o controle de Valeria: os Bakram, que dominavam a nobreza do reino; os Galgastani, como a maioria da população; os Walister, que sofriam severa represália e buscavam aliados para seu levante. Com esta última nação, governada pelo Duke Ronwey, conhecemos também o nosso trio de protagonistas.
Sob a perspectiva do órfão Denam Pavel, acompanhamos a sede de vingança da sua irmã, Catiua, e o apoio de Vyce Bozeck, amigo de infância dos irmãos Pavel. Com a entrada de Lanselot Hamilton, antigo cavaleiro do Reino de New Xenobia, e até outros 12 personagens em sua party, conhecemos diversos nomes importantes e que ao longo da história terão seus rumos separados ou reunidos, conforme suas decisões.
E o por quê esta narrativa é tão brilhante a ponto de ser comparada à obra de George R. R. Martin? Simples! Ao longo de mais de 40 horas apenas para a história principal, nós acompanhamos um excelente equilíbrio entre o desenvolvimento da trama política de Valeria e a evolução pessoal dos personagens, integrando e contribuindo para este universo, fazendo de Valeria uma precursora de Westeros.
Todos os personagens, incluindo os protagonistas, são muito bem explorados, oferecendo pequenas e diversas diferenças na tomada de decisões em cada partida, mas focando no trio principal para desenvolver a narrativa, trazendo o passado de Catiua e o antigo Rei, Vyce surgindo como contraponto de Denam, além de Hamilton ser o responsável por resgatar o passado de “Let Us Cling Together”.
Já a trama política é desenvolvida pelos conflitos e também pontuada pelo caráter do jogador, sendo espelhada como personalidade de Denam Pavel. Somos colocados em teste no final de cada um dos quatro capítulos deste jogo com escolhas extremamente importantes. Já no primeiro capítulo, após uma ordem recebida diretamente do Duque Ronwey, temos a opção de seguir por um caminho neutro, caótico ou leal, fazendo com que ambos cheguem na reviravolta responsável por retornar a história à linha principal e que nos levará ao final do jogo.
Melhorias com foco na nova geração
Impossível trazer para 2022 um jogo com mais de 40 horas em sua história principal e que facilmente se desdobrará em quatro ou cinco vezes este tempo, para conferir os três caminhos possíveis, além de outras pequenas variações da narrativa. Isso sem contar o epílogo Palace of the Dead, com 100 andares, liberado após terminarmos o jogo pela primeira vez.
“Ah! Mas Elden Ring tem muito mais horas”, porém ele não possui uma jogabilidade em turnos e combate tático, que exige muita estratégia e, principalmente, grind para a evolução dos personagens. Tactics Ogre: Reborn realmente é um excelente jogo, porém muito exaustivo para ser apreciado em sua totalidade.
Para que isso ficasse menos datado e mais viável para a realidade de hoje, já que não temos nem o tempo ou estilo de vida de 1995, a Square Enix apostou em mudanças e que foram muito bem-vindas à esta nova edição.
Facilitando a exploração da história temos o World Tarot, uma mecânica que permite retroceder na linha do tempo, e que também oferece uma derivação deste sistema para refazer até 20 turnos em batalhas, conhecido como Chariot Tarot.
Já que falamos das batalhas, além do “ctrl + z” em tempo real, os jogadores podem usar a opção Scout para “bisbilhotar” a formação dos inimigos que enfrentará para reorganizar sua party e acessórios. Isso também só é possível, pois os desenvolvedores removeram os encontros aleatórios pelo mapa ao disponibilizarem a opção de treino para que o jogador opte pelo grind e evolução dos personagens secundários.
As melhorias também são visíveis na HUD e menus, sendo mais rápido navegar pelas milhares de informações dos personagens ou combate, além da facilidade em escolher suas ações, com menus mais simples e breves, ao controlar algum personagem no campo de batalha. Também temos a opção de automatizar nossa party, concentrando nossa atenção apenas em Denam Pavel, além de agilizar as partidas com velocidade em 2x.
Um xadrez belíssimo e desafiador
Todas as melhorias visuais possíveis foram trazidas para Tactics Ogre: Reborn, mesmo que não cheguem aos pés de Triangle Strategy e mantendo a proposta original do clássico.
O visual e as texturas foram retrabalhadas para alta definição, além do mapa de batalha em perspectiva, com zoom in e out, ganhando também uma visão aérea (como um grid) para facilitar o entendimento do relevo e como trabalhar a estratégia do seu posicionamento, ataque e defesa.
A trilha sonora criada por Hitoshi Sakimoto foi totalmente regravada com orquestra ao vivo, trazendo melodias belíssimas e que pontuam muito bem os momentos de tensão ou calmaria das reviravoltas e mistérios de Valeria. Além da música para auxiliar na imersão, o jogo foi totalmente dublado em japonês e inglês, porém infelizmente não temos legendas ou localização em PT-BR.
Beleza à parte, Tactics Ogre: Reborn carrega uma dificuldade muito acima do normal para jogos de RPG ao abandonar o estilo de jogo criado em sua versão de PSP. Além da unificação do MP e TP, que existiam separadamente nas versões anteriores, não temos mais a evolução por nível de classe, fazendo com que cada unidade avance de maneira independente e diferente, dependendo de sua classe.
Nesta nova versão de level up e upgrade, os jogadores terão mais liberdade para criar diversas builds para cada um dos personagens na party, além de combinar o uso de habilidades e magias livremente.
No entanto, na minha opinião, a dificuldade do jogo fica ainda maior com este estilo de evolução, já que as possibilidades de customização são quase infinitas (de sucesso e fracasso) e não temos como nos apoiar ao grind excessivo das versões passadas, a não ser que você aposte em muitas partidas de treino.
Some isso ao fato dos desenvolvedores terem optado por priorizarem a estratégia, fazendo com que nossos inimigos estejam sempre no mesmo level ou acima, exigindo dos jogadores explorarem sua party, construção dos personagens e as fraquezas, dos elementais (que representam as divindades de Valeria) e do terreno.
Além disso temos o permadeath, que inclusive altera o rumo da história com quem vive ou morre, para que muito esforço e horas de jogo dedicadas em um personagem se percam com o menor descuido entre uma batalha e outra.
Gostei muito dos artifícios criados pelos desenvolvedores para evitar que você fique parado no campo de batalha, como costuma acontecer com Vagrant Story e Final Fantasy Tactics, adicionando cards de buff e que surgem aleatoriamente para que você mova seus personagens até eles.
Além disso temos o famoso loot em formato de “sacolinha”, que dropa ao derrotarmos os inimigos e que precisam ser “capturados” ao termos um personagem terminando seu movimento em cima do espólio. Continuando as novidades, também temos a adição de missões em batalhas, que oferecem recompensas ao cumprirmos algumas “exigências” durante o combate.
Um clássico à frente do seu tempo
Assim como foi para de Denam, Catiua e Vyce, sua jornada não será fácil e diversas reviravoltas estarão em seu caminho, seja durante os combates ou vivenciando os conflitos políticos.
Assim como em 1995, Tactics Ogre talvez ofereça uma experiência incomum e que não conquiste o grande público e sua audiência continue nichada, o que parece ter acontecido com a maioria dos JRPG com este estilo mais lento e cadenciado.
Estranho perceber que a Square Enix fez com que Triangle Strategy ou Legend of Mana oferecessem opções recentes e mais amigáveis, principalmente para os inexperientes neste gênero, ou até mesmo a enxurrada de títulos mobile, que oferecem sistema auto battle e boas histórias (olá Another Eden), dando à Tactics Ogre: Reborn a tarefa de ser complexo, difícil e até mesmo frustrante.
No entanto este é um título que merece ser apreciado, assim como um bom vinho que envelheceu bem. Seja pela proposta em sua narrativa ou por este incrível retrabalho feito pelos desenvolvedores, o valor de investimento será muito bem justificado com as centenas de horas de jogatina.
Depois do que vimos até aqui, agora só falta esperar pelo anúncio de uma nova edição para Vagrant Story e que tenhamos o mesmo empenho visto neste lançamento.