Sabe essa onda de “souls like”? Tem gente que adora e tem gente que odeia. Eu faço parte dessa turma que não gosta. Tentei mudar de ideia ao encarar várias vezes os games da série Souls, assim como outros games numa pegada semelhante, como Abyss Odyssey, Jotun, Titan Souls, Furi e Hollow Knight. Bons games, sem dúvida, mas que não são pra mim. Aliás, Jotun foi o game de estreia do estúdio canadense Thunder Lotus, um boss rush belíssimo todo desenhado à mão. O mesmo estúdio nos trouxe agora Sundered, um metroidvania com o mesmo traço artístico.
Sundered é difícil? Pra cacete, como eu já esperava. Mas por ser um metroidvania ele me fisgou de um jeito que, mesmo morrendo inúmeras vezes, eu não conseguia parar de jogar. Seguindo a tradição de ter uma heroína como protagonista, Sundered apresenta a andarilha Eshe aprisionada em um mundo hostil e em ruínas, no qual ela deve lutar para manter sua humanidade.
A comparação mais óbvia seria com Hollow Knight: um metroidvania incrível, com uma grande gama de inimigos, desafios e chefes criativos para enfrentar. Porém ele segue o sistema punitivo de Dark Souls: morre uma vez, sua alma fica vagando com suas moedas (Geo). Se morrer duas vezes antes de alcançar sua alma, você perde tudo. Para mim, perder recursos é uma punição maior do que a própria morte, uma vez que você precisa de Geo para comprar armas, itens e mapas. Por este e outros motivos, eu preferi encarar os desafios de Sundered.
Um mundo em constante mudança
Eshe começa com habilidades básicas, como pular e rolar, até encontrar uma espada e usá-la para atacar os inimigos. Durante a exploração você encontra habilidades como pulo duplo, correr pela parede, esquiva, realizar um ataque carregado, atirar, usar um gancho e etc. Tais habilidades ficam em altares gigantescos e, ao serem descobertos, são marcados no mapa. Conforme você desbrava o mundo, dividido em três seções distintas, marcações vão sendo feitas no mapa para você não se perder.
Uma das ideias aplicadas em Sundered são as áreas geradas proceduralmente, marcadas no mapa na cor cinza. Apenas algumas áreas do mapa são fixas, com um design próprio bastante caprichado. O restante é criado aleatoriamente a cada loading para dar aquele ar de novidade. Infelizmente, esta decisão de game design acaba criando um incômodo na exploração, uma vez que os caminhos mudam constantemente e podem lhe custar a morte – representada por uma sombra enterrando Eshe ao chão.
Depois de umas boas horas, eu já havia visto todas as variações procedurais possíveis. E quando isso acontece – e vai acontecer com todos os jogadores – o tédio vem forte. Por sorte, a curiosidade sempre fala mais alto, não importando quantas vezes morrer. Você sempre recomeçará mais apto aos desafios, como uma lição aprendida. E o mais importante: você não perderá os estilhaços obtidos, usados como moedas no jogo, após coletar de inimigos abatidos ou ao destruir jarros e caixas.
Ao iniciar o game ou morrer, você estará em um santuário onde gasta os estilhaços em melhorias (vida, escudo, armadura, dano, canhão de tiro e sorte), numa árvore cujo as ramificações levam a melhorias mais importantes, como aumentar o tempo de regeneração do escudo. No centro, há três encaixes para equipar bônus, que você encontra durante a exploração. Os bônus são classificados de 1 a 3 e possuem uma vantagem e uma desvantagem. Por exemplo: aumenta em 12 sua armadura, mas reduz em 30% o dano do canhão. Alguns bônus não possuem desvantagens, enquanto outros são tão desvantajosos que não dá vontade de usar.
Cuidado com o gongo
Os inimigos não são muito variados, exceto por cores que representam sua força, porém o game lhe entrega um desafio insano através da quantidade. Sempre que o gongo tocar virá uma chuva de inimigos para te azucrinar, alguns deles com escudo. Em muitos momentos, a melhor coisa a se fazer é correr para uma área que lhe favorece no combate. Ou simplesmente fugir, já que nem sempre o elixir de vida e o escudo podem lhe salvar em situações assim. E não pense que será fácil fugir: os inimigos perseguem você como se não houvesse amanhã, inclusive teleportando pelas áreas para forçar o jogador a enfrentá-los. Chega a ser claustrofóbico, de dar medo mesmo.
Morrer faz com que o jogador mude sua estratégia, explore outras áreas e aprimore suas habilidades. Trinta minutos depois, ao visitar a mesma área em que morreu, a horda de inimigos já não é mais tão impossível assim de vencer. Ainda assim, é importante ficar esperto: quanto mais próximo estiver de uma recompensa, maior a quantidade de inimigos. Há inclusive áreas em que o gongo toca sem parar, até você realmente fugir. Por outro lado, são momentos perfeitos para conseguir bastante estilhaços. Outra forma de obter estilhaços é destruindo o que o jogo chama de tesouro corrompido, espalhados pelo mapa. Mas fique atento: alguns deles brilham e, ao serem atingidos, disparam o gongo.
Obviamente, como em todo metroidvania que se preze, você terá que ir e voltar muitas vezes pelo mapa. Para facilitar, há portões que quando abertos formam atalhos entre as três seções. No primeiro que temos acesso, no início da aventura, apresenta áreas verdes e uma fábrica com armadilhas. Em outra, à esquerda do santuário, o vermelho predomina representando áreas cavernosas. E na seção à direita, com áreas verticais e num tom azul, vemos cenários celestiais e muitas criaturas aéreas.
Corromper ou não corromper, eis a questão
Sundered oferece quatro chefões gigantes e incríveis para enfrentar. Há também mini-chefes que dão boas recompensas, além de também oferecer boas batalhas. Claro que, para enfrentá-los, será necessário encontrar as habilidades de Eshe. Sem isso, fica impossível avançar no jogo. Ao eliminar cada um, você consegue um estilhaço ancião. Junte três para montar um estilhaço completo e você poderá corromper uma habilidade já conquistada (voltando no respectivo altar) ou incinerar o estilhaço em uma fábrica para obter recompensas. É esta decisão que definirá um dos três finais do game. Mas vai por mim: corrompe tudo que é mais legal!
Visualmente, o game é lindo. Todas as animações, mesmo que simples, foram feitas à mão. Tudo flui muito bem, a jogabilidade é impecável, e quanto mais poderoso Eshe fica mais legal é de enfrentar os inimigos. Porém devo admitir que minha primeira impressão ao jogar Sundered foi bastante pessimista: não gostei dos primeiros inimigos e a dificuldade me assustou bastante. Mas após insistir por mais algumas horas, minha opinião mudou drasticamente.
Sundered está totalmente em português e custa apenas R$ 37 no Steam (PC). Se você busca um jogo desafiador, com uma boa duração (cerca de 15 horas), eis aqui a minha recomendação. Não é um jogo perfeito, ainda mais com essa ideia de fazer boa parte do mapa ser procedural. Esta decisão fará o jogador se sentir frustrado ao longo de toda a experiência, mas com um pouco de paciência é impossível não ficar feliz e satisfeito com a aventura proporcionada.