Stories Untold não é “Stranger Things”, por mais que o marketing bata nessa tecla.
Stories Untold não é um adventure de texto, por mais que pareça muitas vezes.
Stories Untold não é uma viagem nostálgica aos anos 80, por mais que contenha elementos estéticos dessa década.
Stories Untold tampouco é um jogo de horror, ainda que você leve sustos e tenha sensações desagradáveis na espinha.
A grande verdade sobre Stories Untold é que ele não é nada do que parece ser, o que o torna desde já uma das maiores surpresas de 2017 e também torna essa análise um exercício acrobático para fugir de qualquer detalhe que possa estragar a sua experiência por revelar demais.
Então, por onde começamos?
O poster usado como capa do jogo foi desenvolvido por Kyle Lambert, o mesmo responsável pela arte gráfica da série da Netflix. Isso, mais a inserção de vários elementos dos anos 80 facilitaram a suposta ligação entre Stories Untold e “Stranger Things”, mas as semelhanças começam e terminam por aí. O primeiro jogo da No Code guarda um grau de parentesco até mais forte com Alien Isolation: Jon McKellan, um de seus criadores, trabalhou na produção do título da Sega antes de fundar sua própria desenvolvedora. Ele trouxe consigo a atenção minuciosa à reconstituição de objetos e ambientes do início dos anos 80, assim como os efeitos visuais.
Stories Untold é uma versão ampliada de The House Abandon, um experimento gratuito desenvolvido por McKellan antes de virar um jogo completo. O projeto foi bancado pela Devolver Digital, uma rara produtora que não tem medo de apostar no inviável e provocar a indústria, seja em termos de marketing, seja em termos de títulos nos quais ninguém mais investiria.
Dividido em quatro episódios, o jogo subverte o que se espera de um adventure de texto, subverte o que se espera de uma narrativa e até mesmo subverte a relação entre jogo e jogador: ele está te contando casos perturbadores e sua intervenção se dá em um nível bem diferente do que você estava esperando. Em alguns momentos, você será sujeito da ação, em outros um espectador e em outros será ambos. Através de séries de tarefas, que às vezes beiram o impossível (eu tive que aprender Código Morse em uma delas) ou o enfadonho, ele te insere em situações das quais você nunca tem o controle absoluto.
Seu destino está selado, aperte os cintos e prepare-se para o impacto. Aprecie a trilha sonora em sua descida (ou ascensão, depende do ponto de vista).
Agonia e Método
Como todo título experimental, Stories Untold não é indicado para qualquer um. Se você não tiver um bom domínio do Inglês, para ouvir, ler e, principalmente, escrever, é melhor nem se aventurar, já que não há localização e a narrativa é fortemente amarrada pela compreensão do que tem que ser feito e como tem que ser feito.
Mas, ser metódico é outra condição imprescindível para atravessar os episódios. Em muitos deles, você terá que repetir atividades que vão se tornando progressivamente mais complexas, são quase testes psicotécnicos e é bem provável que você trave em vários momentos, o que acaba prejudicando o ritmo da trama. Se seu trabalho do dia a dia consiste em seguir instruções com precisão e depende de um fluxograma para progredir, irá se sentir bem à vontade. Caso contrário, pode acabar avaliando mal o jogo.
Por outro lado, apesar das instruções, Stories Untold não é um jogo que te pega pela mão e te guia pelo enredo. Na verdade, ele oculta detalhes, o que pode levar à frustração. Mas explorando as telas e pensando fora da caixa, você consegue superar os desafios. Então, se você também só sabe seguir instruções e não é muito dado à improviso, novamente pode acabar avaliando mal o jogo…
O capítulo final amarra todas as mecânicas anteriores e libera de forma quase catártica tudo que você aprendeu até aquele momento. Não que a conclusão traga qualquer tipo de alívio: agonia é a tônica do jogo.
Quando sobem os créditos e o Steam aponta sua Conquista, você se questiona sobre o que foi tudo isso que aconteceu. Um gosto metálico aparece na boca assim como a sensação de ter passado por um marco nos jogos eletrônicos, ainda que aos trancos e barrancos, ainda que possa ser esquecido mais à frente. Todo seu ódio pela interface (e você irá odiar a interface, acredite) some como mágica. E, talvez, você tenha finalmente a resposta sobre se o meio é Arte ou não.