Acredito que esse seja o primeiro jogo, desde que escrevo para o Gamerview, que desisti de tentar ir até o final. Shiny era um dos títulos que esperava para este ano, por ser o trabalho de um estúdio indie brasileiro e porque desde os primeiros detalhes sempre apresentou uma boa direção de arte. No entanto, o que eu não esperava é que, mesmo com referências pop para a construção do personagem principal, por apostar no gênero plataforma, além de uma proposta narrativa interessante, infelizmente esse é um jogo com ótimas ideias, grande potencial, porém mal executado.
Longe de ser falta de competência dos responsáveis por ele, mas talvez ligado à limitação técnica ou de experiência no desenvolvimento, o trabalho da Garage 227 merece a nossa atenção, mas infelizmente não merece dedicação suficiente para enfrentar os erros e conseguir ir até o fim. Você vai entender o motivo.
Star “Wall-E” Wars
O jogo começa com uma sequência animada que explora superficialmente a história, sem textos ou falas, e a partir daí nós acompanhamos um pequeno robô chamado Kramer 227, que é deixado para em Aurora, que está na rota de colisão com o sol. Descobrimos que ele consegue, utilizando eletricidade, reativar seus outros amigos robôs para tentarem escapar desse local prestes a virar poeira cósmica. E para evitar o terrível fim, você precisará enfrentar os desafios por 20 fases diferentes e testar suas habilidades contra diversos obstáculos.
Kramer consegue entregar elementos de um ótimo personagem: carisma e personalidade. Pense nele como um droide da franquia Star Wars criado à partir do design das máquinas de Bioshock, lembrando até um pouco o Big Daddy, e com expressões transplantadas dos personagens de Wall-E. Com pouca expressividade, você consegue se importar com aquela missão altruísta de um ser sem sentimentos. Isso ajuda muito no desenrolar do jogo e é acompanhado de dois outros pontos fortes: o visual e a trilha sonora.
As outras máquinas, robôs e latas motorizadas que você encontra pelo caminho, possuem o cuidado de serem diferentes entre si, com visual distinto e o são apresentadas como sucatas para nós, porém peças importantes para aquele grupo de “esquecidos”.
Bonito e musical
Além da ótima escolha e decisões na construção do personagem principal, o estúdio brasileiro foi muito feliz na trilha sonora de Shiny. Pontuada com músicas mais intensas em fases com desafio e urgência maior, em que você não terá muito tempo para pensar e sim apenas correr para frente fugindo do perigo que te persegue, na maioria do tempo você será acompanhado por uma trilha mais calma e melancólica.
Durante o jogo fiquei com vontade de ficar parado apenas para ouvir o que estava no fundo e atraía a minha atenção. Com um estilo eletrônico e lembrando muito as melodias criadas pelo grupo Nouvelle Vague, a tranquilidade ajudava durante as minhas tentativas em sobreviver aos obstáculos. Ao contrário de muitos jogos do gênero plataforma, que tentam acelerar o modo de jogo apenas por apostar numa trilha mais rápida e empolgante, os desenvolvedores optaram por algo mais cadenciado e que condiz muito mais com a proposta de jogabilidade.
Se as cutscenes possuem certa limitação técnica, parecendo até mesmo aquelas sequências que chamávamos de CG do primeiro PlayStation, as fases apresentam um visual que impressionam pela beleza.
O cenário de fundo é sempre muito bem cuidado, talvez com ambientes um tanto quanto genéricos, mas sempre completos e que realmente remetem à um planeta usado pelos humanos apenas para exploração. Decadente, com suas estações de mineração, algo parecido com siderurgia, áreas externas de complexos industriais e até mesmo algo parecido com laboratórios, conhecemos diversas localidades e cada uma com sua quantidade de plataformas para serem exploradas em busca dos seus amigos desativados.
O que não combina com todo esse cuidado visual é a escolha de level design para o jogo. Com obstáculos posicionados sem muito critério apenas para tentar dificultar, mas que no final não conseguem fazer diferença nenhuma por conta de bugs, você basicamente sobe e desce por plataformas para sempre seguir em frente.
Foram raras as vezes que precisei desviar o meu olhar ou até mesmo a minha atenção para buscar algum desvio que tentava se esconder, mas que por conta da simplicidade do desenho que o caminho principal possuía, não tinha nenhuma dificuldade em ser alcançado. Shiny abusa de recursos que vimos em gerações anteriores, não da passada e sim da era 16-bit, em que você era obrigado a sacrificar uma vida para coletar um item. Kramer eventualmente precisará se jogar no abismo para alcançar uma bateria, a mesma que dá força e energia para o personagem continuar sua jornada.
Ótimas ideias mal executadas
Kramer, assim como seus companheiros desativados, precisam de energia elétrica para se moverem. Essa é a primeira mecânica e ótima ideia criada pela Garage 227. Ao se mover, pular, abrir portas e ativar robôs, você consome parte da sua barra de energia e para chegar ao fim da fase, você precisa sair em busca das baterias que estão pelo cenário. Se sofrer danos ou não pegar energia suficiente, o pequeno robô redondo cairá desligado e voltará para o checkpoint.
Falando em morrer e voltar no jogo, essa foi a ideia mais legal e bem aplicada na proposta do uso de energia. Você utilizará a eletricidade para, além de reanimar as outras máquinas, ativar o mecanismo responsável pelo checkpoint. Porém, assim como sua energia limitada, o ponto de save automático também será limitado com um marcador bem grande e vermelho, indicando quantas vezes você poderá tentar e morrer antes que seja obrigado a começar tudo novamente.
Além das mecânicas ligadas à sua progressão em busca de energia para escapar de Aurora e reanimar seus amigos desaparecidos, estão os power-ups disponíveis para auxiliar a jogabilidade. Você já começa com uma espécie de invencibilidade, mas poderá ganhar um escudo, ao melhor estilo Sonic, e um jetpack que facilitará muito a sua vida por conta dos problemas ligados à movimentação e física.
O que faz tudo isso que foi elogiado e apontado como ponto positivo ir por água abaixo, aliado ao level design pobre, é exatamente esse ponto: a física do jogo. Ao menos no Xbox One a movimentação de Kramer é dura, truncada e pesada. Ao pular, você não tem a fluidez do movimento indo até o limite do seu pulo para voltar a cair, o robô parece simplesmente pular e despencar rapidamente da altura alcançada.
No início achei estranho quando subimos ou descemos qualquer rampa, em que seu personagem continua ereto e apenas acompanha a inclinação da superfície, como em Bubsy por exemplo. O jogador também não pode se dar ao luxo de continuar correndo para frente e executar seus saltos, pois a força e distância será tamanha que dificilmente você conseguirá alcançar o local certo.
Em plena metade da vida dessa nova geração, em 2017, Shiny é um jogo em que você precisa correr, parar antes de qualquer buraco e pular primeiro, muitas vezes dando pequenos toques no botão de pulo para somente depois colocar para frente e ver se o personagem irá fazer o movimento correto. Estranho, não é mesmo?
O maior problema, que infelizmente o estúdio brasileiro não conseguiu otimizar, foi como deixar mais polido a física e a jogabilidade de Shiny, cuidando da movimentação do personagem para deixar mais fluidos os pulos obrigatórios nas diversas plataformas. Você com certeza verá sua paciência, assim como a minha, se esvair no momento em que precisar pular de uma plataforma móvel vertical para outra horizontal, ou até mesmo entre quatro plataformas que se movem de baixo para cima, sem conseguir ver o momento em que ela está se aproximando.
Honra ao mérito
O primeiro trabalho do Garage 227 mostra que o Brasil tem bons e competentes representantes no cenário indie. Este foi o ano em que joguei vários títulos indies e Shiny não deve ficar de fora da sua lista, porém ele exigirá ainda mais atenção após o lançamento.
Acredito que os problemas de física possam ser sanados com atualizações e esse é o motivo por essa análise enfatizar tanto um contratempo que pode afastar os jogadores. Afinal, a vantagem da nova geração é favorecer o polimento de títulos e dar chance para que todos mostrem o verdadeiro potencial. Não é mesmo, No Man’s Sky?
O conjunto da obra faz de Shiny e Kramer opções boas e baratas para quem procura um jogo simples e rápido, mas que ainda tem muito trabalho pela frente para competir com os demais jogos nacionais e internacionais.