O estúdio italiano Santa Ragione conseguiu realizar o que poucos fizeram até hoje, trazendo para um jogo de terror a proposta de se desenvolver através de quebra-cabeças e ainda oferecer elementos de roguelite.
Saturnalia chega para manter vivo aquele medo, coração disparado e sensação de frio na barriga enquanto você insiste em descobrir mais sobre os mistérios ao redor de uma vila, seus habitantes e uma bizarra criatura.
Tá ouvindo esse barulho? Então corre!
Com uma sequência belíssima de abertura num Fiat 500 (daqueles bem típicos de filmes europeus) e com o pôr-do-sol ao fundo, acompanhamos a história de Anita ao retornar para a vila fictícia de Gravoi com a missão de contar ao seu amado Damiano (um homem casado) sobre sua gravidez.
Chegando ao seu destino, em plena festa de Santa Lúcia, tudo parece muito vazio, soturno e escuro. Depois de uma tentativa frustrada de encontrá-lo na igreja e misteriosos acontecimentos, inclusive com uma tentativa frustrada de fugir da cidade, presenciamos uma medonha criatura mascarada nos perseguindo.
Com um barulho ensurdecedor, que cresce com a proximidade da ameaça desconhecida e se mescla com sons que parecem estalados secos, o nosso coração dispara e o primeiro instinto é correr pelo emaranhado de caminhos, em que suas ruelas serão seus principais obstáculos para descobrir como sobreviver e escapar.
Explorando a vila em busca de respostas, Anita encontrará seu amigo Paul, um fotógrafo que retornou à Gravoi em busca de pistas sobre seus pais biológicos. Ambos se aliarão ao excêntrico Sérgio, que retorna para a cidadela apenas para cuidar da saúde de seu pai, e Claudia, uma adolescente assombrada pelo suicídio de sua tia.
Este grupo de protagonistas será o responsável por explorar a vila, encontrar pistas e recolher itens para avançarem com suas histórias, revelando mais sobre o mistério sobre a criatura, o festival e a vila de Gravoi. Isso sem contar a missão principal: sobreviver.
A vila vive enquanto você morre
Os desenvolvedores foram fundo no cerne do estilo survivor horror para que Saturnalia não se apoiasse em mecânicas de combate, fazendo com que seja ainda mais desesperador cada etapa da jornada em Gravoi.
Cada personagem tem um item ou habilidade própria que contribuirá com a exploração. Uma bússola, câmera fotográfica, telefone via satélite, facilidade em se localizar, fôlego maior para correr e menor estatura para acessar locais mais complicados.
O jogador precisará alternar entre os quatro ou acompanhá-los, seja encontrando pessoalmente ou utilizando o telefone fixo para “contatá-lo”, prosseguindo nas histórias e, consequentemente, na narrativa principal.
Brilhantemente pensado como solução para instigar ainda mais o seu progresso no jogo, temos uma espécie de mapa mental (ao melhor estilo MindNode) com todos os protagonistas, habitantes (NPCs), missões, dicas, itens e ferramentas, para remontar e facilitar o entendimento sobre os acontecimentos e mistérios deste vilarejo.
Se você está achando fácil demais essa brincadeira de esconde-esconde, principalmente por ter os barulhos da criatura avisando quando correr, além de quatro protagonistas e diversas ferramentas, os desenvolvedores colocaram um “quê” de roguelite para dificultar sua vida.
Além dos cinco modos de jogo, que incluem um permadeath e um “Italian Extreme” que são praticamente impossíveis, a história criada para este mundinho justificará a forma como a criatura caçará e capturará seus personagens. Um por um você será acorrentado em uma espécie de altar, fazendo com que Gravoi seja totalmente reconfigurada, mudando a disposição dos prédios, portas e ruelas.
Como se não bastasse a escuridão e pouquíssima luminosidade vindo dos raros letreiros, fogueiras na rua, o flash da sua câmera ou os escassos fósforos que você carrega, o labiríntico espaço criado dentro do vilarejo será ainda mais complexo para você escapar ou utilizar um dos protagonistas para libertar quem estiver no altar.
Afinal os caminhos foram alterados logo na sequência em que você escolher resgatar alguém e a criatura estará à sua espreita, para tentar pegá-lo durante seu ato de heroísmo. Por esse motivo será essencial o resgate sendo feito o mais breve possível.
Estiloso, viciante e assustador
Com uma direção de arte incrível que lembra muito um sketch estillizado e com cores sobrepostas, rachuradas e sem se preocupar com a precisão em seu preenchimento, Saturnalia combina sua trilha sonora sombria e o visual único para criar uma atmosfera maravilhosa.
Mesmo com os pequenos probleminhas de movimentação dos personagens, principalmente se você estiver jogando com o mouse e teclado, as dez horinhas de jogo farão você se acostumar com o estilo de gameplay, inclusive com as escolhas estranhas para os botões de interação, seleção e diálogo.
Oferecendo a chance de avançar de maneira não-linear, inclusive sem encontrar a criatura ao esgueirar-se por entre os diversos esconderijos, Saturnalia surge como um jogo de terror extremamente viciante ao mesmo tempo que seus jumpscares estarão prontos para pegá-lo de surpresa.
Mesmo sendo muito medroso e evitando ao máximo este gênero, o trabalho da Santa Ragione trouxe uma experiência que resgata Silent Hill, Amnésia e Fatal Frame ao criar sua própria fórmula e balanceando muito bem o medo com o entretenimento.
De longe este é um dos melhores títulos de 2022 e que conseguiu rivalizar minha paixão por Resident Evil e seus quebra-cabeças.