Houve uma época e um lugar em que jogos de horror não me afetavam em nada. Foi o DLC Justine, de Amnesia, que me mostrou que eu tinha limites. A sensação de ansiedade que aquele tipo de experiência me proporcionava não era mais satisfatória. Aquela certeza de que o monstro está próximo, mas você não consegue prever onde. Forcei esse limite com Alien Isolation, acreditando que o tempo me concederia mais coragem. Errei redondamente e abandonei um dos títulos mais elogiados de sua geração. Hoje, Routine foi minha terapia de choque.
O título da Lunar Software estava em desenvolvimento nos últimos treze anos. Inicialmente, Routine rodaria na Unreal Engine 3, depois o projeto foi migrado para a Unreal Engine 4, depois reiniciado do zero e, em seguida, migrado para a Unreal Engine 5. O resultado final é uma experiência de terror relativamente curta, mas inesquecível, uma jornada imersiva que valeu a longa espera.

A Lua é assombrada
A cada passo pelos corredores extremamente escuros desse jogo, eu ia com o coração na mão. A antecipação do ataque era meu maior inimigo. O passo lento do protagonista só reforçava a sensação de estar caminhando na ponta dos pés, para não incomodar em um ambiente ao qual o Homem não pertence. O botão de corrida não era uma opção sensata na maioria das vezes e morri em pelo menos duas ocasiões justamente por chegar correndo em uma situação incontornável.
Routine não é o tipo de jogo que atormenta o jogador com uma sucessão quase infinita de inimigos grotescos lançados contra você, como um Dead Space. Tampouco é um jogo que se apoia no susto fácil, em ameaças surgindo repentinamente de forma gratuita. Existiu somente um momento desse tipo em minha jornada e entendi que, na verdade, era um recurso de design para chamar minha atenção para um objeto que não havia percebido e que seria essencial para avançar na trama.

Aqui controlamos um engenheiro de software, chamado às pressas para a estação lunar de Union Plaza para consertar um problema no sistema de segurança. Seguindo a tradição de Isaac Clarke ou Ellen Ripley, somos a pessoa errada na hora certa. Exceto que nosso personagem não cresce em momento algum para cima dos horrores que o espreitam. Começamos nosso tormento como um ser frágil, indefeso e assustado, e chegamos ao final nessa mesma condição, com a psiquê destroçada pelos traumas sofridos.
Existe um ponto de virada na trama de Routine, mas não está relacionado ao protagonista. Contar mais seria entrar no terreno pantanoso dos spoilers. Basta dizer que todo marketing da Lunar Software está focado somente no primeiro terço do jogo. O que poderia parecer como mais um manifesto contra máquinas e IAs se rebelando contra seus criadores ganha contornos de horror cósmico e a tensão é elevada à enésima potência com um novo tipo de inimigo.

CAT: Não saia de casa sem ele
O grande mérito da Lunar Software é construir um título que busca a todo momento puxar o jogador para seu universo retro-futurista. Não existe uma interface de usuário em Routine, com marcadores, barra de vida ou munição. Toda parte mecânica do título está concentrada no seu Cosmonaut Assistance Tool (C.A.T.). Essa ferramenta em formato de arma será sua interface com o mundo, de uma forma muito tátil e muito natural.
O menu de salvamento, tarefas e outras informações é acessível somente usando o C.A.T. e somente em pontos de acesso específicos. Tudo é projetado na parede de forma interativa, então é comum enxergar o relevo de objetos por trás da interface.

O C.A.T. também ganha novos recursos e passa a funcionar como uma espécie de sensor visual para que o jogador consiga enxergar o que o olho humano não é capaz. Para alterar entre os diferentes modos de uso, é necessário literalmente olhar para o C.A.T. e virar alavancas ou botões. Essa implementação adiciona uma camada extra de credibilidade a esse mundo, aumenta a imersão e amplia a tensão, uma vez que Routine não pausa em momento algum e certas situações exigirão que o jogador troque de modo em segundos para escapar da morte certa.
Infelizmente, a Lunar Software insiste a todo momento em não segurar a mão do jogador para nada e pode levar um tempo considerável para compreender corretamente suas mecânicas. Ainda assim, a perseverança e a atenção extrema a notas encontradas, diários de áudio e mensagens em terminais ajudam o jogador a encontrar o seu caminho. Nesse sentido, Routine não chega a ser tão complicado quanto um System Shock, porém jogadores acostumados a resolver seus problemas na bala ou que preferem uma experiência de terror mais linear, poderão sair frustrados.

O cerne da jogabilidade de Routine é resolver puzzles bastante inteligentes, que remetem aos primórdios de Resident Evil. Isso pode envolver visão ultravioleta de pistas e até mesmo a fabricação de um composto químico seguindo instruções.
Há talvez um excesso de pequenas mecânicas que acabam sendo abandonadas no churrasco. Levantar na ponta dos pés foi útil uma única vez, assim como abaixar completamente para pegar algo embaixo de uma mesa. A ação de reiniciar manualmente um servidor também acontece em um único momento da trama. Outras funcionalidades são bastante úteis em determinada parte do jogo e esquecidas logo em seguida.
Há pelo menos um pequeno bug no jogo, em que não é possível interagir com elementos claramente interativos no cenário, mas consegui resolver esse problema mirando uma vez no objeto com o C.A.T.. Um segundo bug em Routine pode ser somente uma inconsistência ou uma falha minha de compreender o funcionamento de um determinado inimigo. Reagir contra esse inimigo ora o afastava “permanentemente”, ora o paralisava por um intervalo de tempo bastante curto. Obviamente, o segundo resultado acontecendo de forma inesperado me provocou algumas mortes.

ROUTINE aprisiona com flores e horrores
O áudio em Routine é outro pilar que sustenta a incômoda sensação de estar fisicamente nesse território. A direção de som trabalha muito bem com o posicionamento da origem dos sons e é possível saber (em alguns momentos) quando o inimigo está se aproximando. Esse recurso foi vital para eu notar que não estava seguro em uma área que julgava protegida e onde havia parado para decifrar um puzzle.
É um jogo de gato e rato que alterna momentos de tensão e perseguição com momentos de exploração detalhada de cada ambiente, com o agravante de ser bastante difícil diferenciar os dois momentos. Ousaria dizer que não existe cenário 100% seguro em Routine, mas isso podem ser meus nervos reclamando.

No meio desse experimento de tortura psicológica, a Lunar Software injeta uma trama complexa que mescla situações quase inexplicáveis, para não dizer lisérgicas, envolvendo flores. Existe uma história subjacente pedindo para florescer. Os vislumbres confusos desse todo muito maior se tornam combustível na grande pira da insanidade que se aproxima do protagonista. A própria conclusão do jogo seria algo que eu não conseguiria explicar em termos racionais, mas posso garantir que é satisfatória.
Routine é um título que não veio para jogar luz em sua trama, mas para puxar o jogador em direção às trevas lunares e nunca mais soltá-lo. Que o próximo jogo da Lunar Software leve o tempo que for necessário para chegar com o mesmo nível de qualidade.
Prós:
🔺Elevado nível de imersão
🔺Puzzles inteligentes
🔺Áudio caprichado
Contras:
🔻História confusa
🔻Inconsistências mecânicas
Ficha Técnica:
Lançamento: 04/12/2025
Desenvolvedora: Lunar Software
Distribuidora: Raw Fury
Plataformas: PC, Xbox One, Xbox Series
Testado no: PC


