Puzzle games em primeira pessoa se popularizaram bastante através de títulos como Portal e Portal 2, e mais de uma década depois ainda vemos uma variedade de games que adequam esse formato a uma nova lógica. Apesar de um fundamento similar, este é um subgênero que, diferentemente de tantos outros com exemplares que se imitam, está cheio de títulos que realmente querem se diferenciar entre si. The Witness, Q.U.B.E. e The Turing Test são todos calcados em ideias distintas que os tornam únicos, mesmo que com variados graus de sucesso. O mais novo aluno dessa universidade é Relicta, do estúdio espanhol Mighty Polygon, e devo dizer que o calouro não faz feio.
Relicta nos promete dois elementos principais a se considerar na solução de seus puzzles: magnetismo e gravidade. O primeiro é o principal conceito que define a lógica de cada sala que o jogador irá visitar, manifestando-se através de cubos cuja polaridade pode ser alterada com luvas especiais. Coloque dois cubos de uma mesma cor juntos, e eles se afastarão. Faça o contrário e eles ficarão juntinhos que nem arroz empapado. O mesmo vale para as superfícies onde os cubos podem ser encaixados. Aliando isso à função de gravidade que permite tornar os cubos flutuantes, então, o jogador pode improvisar todo tipo de elevador ou plataforma para passar de um lugar a outro.
O trabalho de um cientista
Ok, isso pode ter ficado bastante confuso, mas espero que o vídeo de gameplay acima tenha esclarecido um pouco do que estou tentando apresentar. Felizmente, esses conceitos vão se tornando cada vez mais complexos ao longo de Relicta, envolvendo soluções que se dividem em diversos passos específicos. Estes passos não são explicitados claramente através de um tutorial ao início, mas são possibilidades apresentadas de uma forma muito eficaz e natural, cada uma delas descoberta através da elaboração de palpites e experimentação. Sabe, como um bom cientista faria.
Aqui, essa cientista tem nome: Angelica Patel. A narrativa apresentada em Relicta, devo dizer, cativa logo de início pelo claro comprometimento à qualidade dos diálogos e a execução bem respeitável das cutscenes em primeira pessoa, nos apresentando à base científica Chandra, que consiste de seis diferentes ambientes (um deles servindo de hub central) subdivididos em mais fases com estéticas variadas, como uma tundra gelada, uma floresta e um cânion árido. Apesar da progressão pelos ambientes ser pré-definida de acordo com o avanço da trama, ou seja, não podendo ser explorados livremente ou em qualquer ordem, essa variedade é suficiente para dar ao jogo um senso de escala razoável.
De início, a estética mais fotorrealista dos cenários parece entrar em conflito com os elementos visuais indicativos dos puzzles, fazendo questionar se cientistas realmente experimentariam com física de uma forma tão cartunesca. Mas considerando que se trata de um jogo, isso se torna completamente irrelevante, e a sensação de que as estéticas não se encaixam passa a ser substituída pela atenção dedicada do jogador aos ambientes e o que estes lhe dizem sobre o puzzle a ser resolvido. Há, às vezes, um problema oposto, com certos elementos que não se destacam tão bem assim dos ambientes, mas esses são raros e não chegam a emperrar o game nos trilhos ao longo de sua longa duração.
Ainda falando da estética de Relicta, a Mighty Polygon merece crédito por conseguir utilizar a Unreal Engine 4 com grande efeitos em diversas instâncias. As texturas são muito bem definidas, a performance é satisfatória (inclusive com um competente modo de 60fps no PS4 Pro), mas o que mais me impressionou é a forma vibrante com que empregam a iluminação, seja externa ou interna. Os ambientes fechados realmente saltam aos olhos, com luzes que se refletem na superfície de vidros, chãos encerados e as amostras de biomas expostas em vitrines pela base toda. A precisão das Screen Space Reflections (SSR) é impressionante para um título independente, superando muitos títulos AAA.
Rachando a cuca
Debaixo do rostinho bonito, o título apresenta um sistema extremamente divertido de se experimentar, mesmo que a qualidade das salas seja um tanto inconsistente. De início, a ideia de mover cubos e modificar suas polaridades soa e realmente parece atrapalhada, como algo que não teria muito a oferecer por tanto tempo. Assim como a estética, no entanto, essa é outra impressão inicial que logo vai embora caso o jogador realmente se permita passar o tempo com cada puzzle e não seja conservador com suas hipóteses. Perdi a conta de quantas vezes entrei em uma sala pensando ser impossível entender sua lógica, mas cerca de 15 a 30 minutos depois, todas as peças se encaixavam naturalmente.
Contudo, algumas das salas de Relicta realmente são resolvidas no “migué”, com soluções pouco intuitivas e até mecanicamente problemáticas – principalmente quando envolvem pular de um lugar a outro, já que o “pulo” de Angela quase não pode ser chamado disso. Às vezes fica a impressão de que devemos quebrar a lógica do game para passar de fase, e não entendê-la a fundo. Seria como fazer parkour em The Witness para avançar no jogo. Novamente, estas ocasiões não são a maioria, mas acontecem o bastante para derrubar um pouco a qualidade geral da experiência. Fossem os controles de movimento mais fluidos, muito disso talvez não incomodaria.
De qualquer forma, Relicta é um desafiante de respeito que chega para expandir a admirável lista de puzzle games que vimos florescer nesta geração, rompendo a bolha dos PCs para oferecer desafios também aos jogadores nos consoles. Talvez o jogo da Mighty Polygon nunca atinja o status cult de seus companheiros de nicho, mas consegue apresentar o trabalho promissor de um novo estúdio tentando a sorte em um campo subvalorizado.