Quando Pokémon Gold & Silver saíram, uma revolução foi sentida em relação aos primeiros jogos. Tudo aquilo que vimos em Red/Green/Blue/Yellow tinha sido potencializado e evoluiu de forma que não há fã hoje que consiga colocar defeitos. Desde então, apesar das atualizações gráficas e alguns poucos elementos adicionais no gameplay como Abilities, Mega Evoluções, Dynamax, Z-Moves e vários outros, nada mudou essencialmente. A franquia permaneceu estacionada no tempo por 23 anos, sobrando para Legends: Arceus dar um respiro selvagem que todos queríamos.
Dito isso, a Game Freak acertou em cheio e uniu a mecânica de deixar os monstros de bolso soltos pela natureza com a presença de montarias, comandos de ação para o treinador, exploração de ambiente bem acentuada, mudanças de dia, noite e climáticas e diversas outras funções para inovar a série e trazer uma experiência que sonhávamos em ver desde o Nintendo Wii. Se Xenoblade Chronicles e Twilight Princess faziam milagres, por que não o nosso adorado rato elétrico? Convenhamos, já estava na hora.
Impactando diretamente no que veremos no futuro, este foi o “teste” mais bem-realizado de toda a história da desenvolvedora. Vamos combinar, todos sabemos que a empresa sempre lançou alguns dos títulos sem tanto conteúdo para verificar a reação do público, críticas e os demais elementos. Porém, neste pudemos ver um grande capricho e vale dizer que parece estarmos finalmente no caminho certo para abraçar a nova geração de aparelhos, tanto a vigente quanto os que virão no futuro.
Uma nova forma de jogar Pokémon
Para começar, vou direto na jugular e na maior reclamação que vi sobre Pokémon Legends: Arceus. Ainda digo que concordo plenamente: o jogo não está lindo e maravilhoso. The Legend of Zelda: Breath of The Wild impressionou em seu lançamento em 2017, Xenoblade Chronicles 2 saiu em dezembro do mesmo ano e foi tão bom graficamente quanto. Poderia falar do tempo que ambos tiveram de desenvolvimento em comparação ao atual jogo e tudo mais e ainda assim faltariam justificativas.
Porém, lá vai uma verdade difícil de engolir: mais compensa um título não tão bonito e completamente divertido e cheio de alma do que uma verdadeira obra-prima vazia e sem o menor engajamento entre os jogadores. Vamos ser até ruins aqui, quantas pessoas você está vendo online jogando o mais novo título da Nintendo e quantas vimos no lançamento do tão aguardado Watch Dogs Legion, da Ubisoft, por exemplo? Devo falar algo sobre Marvel’s Avengers também ou vocês já entenderam? Gráficos não são tudo, por mais que eu concorde que dava para terem caprichado no conjunto.
Dito isso e ignorando este pequeno fator, este é o game de mundo aberto da franquia que todos sonharam e está ali com toda a força que as criaturas mais famosas possuem. Com liberdade progressiva, você pode andar, chamar sua montaria, jogar seus monstros para pegar itens, combater outros, gerenciar a bolsa e tudo que imaginar de forma quase simultânea. Conforme vai liberando novas áreas, isso vai se ampliando e trazendo uma experiência quase completa de como seria viver nesse mundo.
Além disso, Pokémon Legends: Arceus também inova nas batalhas e traz ainda mais estratégia para um modelo que parou no tempo. Continuamos nos moldes clássicos das batalhas por turno, mas dessa vez elas estão bem mais dinâmicas e oferecem mais estratégia aos jogadores mais apaixonados pelo estilo. Vale dizer que os inéditos Strong Style e Agile Style ainda vão balançar muitos campeonatos no multiplayer online do futuro.
Fora da história principal e dos desdobramentos que são ocasionados por ela, esta é uma aventura única para cada um. Nem adianta eu explicar a trama central, porque para ser muito sincero, ela vai muito além do que vemos na tela. Se não teve nenhum spoiler até agora, continue seguindo em mente que é um jogo que conta a história do passado de Hisui e traz os ancestrais de diversos personagens que vimos na quarta geração.
Eu passei por poucas e boas, enfrentei grandes batalhas, encontrei monstrinhos raros sem ajuda alguma da internet e pude conhecer mais deste universo aqui do que em 10 anos jogando. Este é o elemento principal da aventura, acreditem ou não. Envolver o jogador, fazer ele se importar com o que está acontecendo em tela, com as suas criaturas e até se preocupar com certas variações que ajudarão os oponentes, criando estratégias para combater aquilo da melhor forma, não é para todos. Quantas desenvolvedoras estão tentando fazer isso e até hoje e não obtiveram nem uma parcela de sucesso não está escrita.
Em minha experiência, devo afirmar que foi marcante todo o processo de evolução de meu Pichu para Raichu, que acompanhou parte da minha jornada ali dentro. Vê-lo do indefeso filhote para o devastador de Pokémon Alpha foi gratificante para mim. Evoluir meu Ursaring para Ursaluna e todo o seu processo, apesar de ser bem chato, também me soou como um grande ritual para atingir a forma máxima da criatura e me pareceu uma parte da própria trama. São coisas assim que vão se interligando e formando todo o gameplay, qual apesar de ser bacana no passado, se tornou mais interessante neste.
Ainda que você não tenha comprado a ideia e não quis mergulhar em Hisui, não sabe nem metade do que está perdendo. Nem adianta ver vídeos no YouTube, pois dá para fazer quase tudo no seu próprio ritmo. A primeira área já oferece uma boa variedade de monstros de bolso, inclusive alguns raros, te dá condições de conquistar evoluções poderosas e dá até para montar um time de fazer inveja por ali. As demais só servem para jogar uma última pá de terra no seu coração, que já foi enterrado por morrer de amores pelo que está vendo.
Além dos gráficos e da diversão
Em questão de performance, os maiores problemas de Pokémon Legends: Arceus são causados pela plataforma que ele se encontra: Nintendo Switch. Já cansamos de reclamar das telas estendidas que deixam tudo ainda mais feio quando está na dock e, inclusive, até da grande dificuldade da resolução ser ágil o bastante para não vermos o mapa se formando em nossa frente no monitor. Não sei se isso acontece na versão OLED, porém no comum vi com certa frequência.
Não acreditei até agora no tempo curto que as telas de loading levam, considerando o tamanho do game e das regiões que são abertas. Para terem uma ideia, é muito mais veloz do que o vazio que fica entre o momento que clica para iniciar Brilliant Diamond & Shining Pearl no videogame até aparecer algo na tela. Essas facilidades atraem por completo e todas as melhorias realizadas são em prol do jogador. As questões de interface, diversão, desempenho e tudo que pode fazer é uma carta de amor da Game Freak aos que souberam aguardar até aqui.
A única coisa que realmente faltou para a franquia e até agora seguimos sem são as vozes. Além dos grunhidos das criaturas, todas as falas são escritas e ainda não temos as tão sonhadas dublagens nele. Infelizmente será um caminho longo para a desenvolvedora neste quesito, te afastando um pouco da profundidade que eles tentaram com tanto afinco entregar. Curioso é que, de todos, este é o que mais se aproxima e ainda assim tem esta certa distância.
Vamos bater o martelo e encarar a maior dúvida de quem ainda não comprou Pokémon Legends: Arceus? Sim, obviamente. Se compararmos o jogo com títulos como Horizon Zero Dawn, The Legend of Zelda: Breath of The Wild e diversas outras aventuras de mundo aberto, o mais novo jogo da Nintendo está atrás. Muito atrás, sem a menor sombra de dúvidas. É a primeira experiência da Game Freak neste estilo e dá para perceber o quanto faltou para eles chegarem perto daqueles que conquistaram essas últimas gerações.
Porém, como um jogo da franquia principal? Este é superior em todos os sentidos possíveis da palavra. Se considerarmos Sword & Shield como os últimos grandes games da série, a comparação fica até desleal. A aventura realmente empolga mais, mesmo sem ginásios, contendo menos monstrinhos e cortando relações com várias tradições criadas desde os originais de 1996. Se levarmos tudo em consideração, é o jogo definitivo para qualquer um que se apaixonou durante todos estes 26 anos que vimos o Pikachu pela primeira vez.
Eu entendo perfeitamente quem está com o pé atrás para entrar nessa. Eu estava. Me empolguei bem mais no anúncio de BDSP do que com este. Para a minha surpresa, a liberdade e o novo sentimento de aventura que o lançamento me causou superaram toda e qualquer expectativa que eu estava. Quando adentrei na Obsidian Fieldlands pela primeira vez foi exatamente o mesmo sentimento que tive ao correr em Hyrule de Breath of the Wild. É difícil não comparar os dois, mas é mais ainda não ressaltarmos as semelhanças.
Pokémon em rede vem aí?
Qual é, até as interações online são enriquecedoras para os jogadores. Ainda temos os monstros que evoluem por troca em Pokémon Legends: Arceus, mas agora toda vez que você perde a energia do treinador, alguns itens ficam no caminho. Dá para você resgatar isso em sua jornada para ajudar estas pessoas, assim como as demais podem encontrar os seus para lhe ajudar. Isso rende diversos itens que não se encontram normalmente no mapa e dão uma sensação de suporte que já vimos em Death Stranding, por exemplo.
Um mundo conectado, pela primeira vez. Pode ser de forma tímida, claro, mas casa muito bem com a proposta da franquia. Tem a competição, mas há também uma forma de as pessoas se ajudarem para atingirem um objetivo em comum. O que no passado era limitado apenas às trocas, agora abriu uma porta que permitirá até novas interações nos próximos. Enquanto o MMORPG não vem, é o que dá para aproveitar.
O jogo é o primeiro passo em direção a algo maior e que dará as verdadeiras caras no futuro. Pode até ser que vejamos alguma expansão, DLC ou algo do gênero, mas depois de vivenciar tudo que eu passei durante estes dias, diria que a expectativa é ver como eram as outras regiões no passado. Johto está no pódio dos mais pedidos, mas Unova ou até mesmo Kalos e sua guerra podem trazer abordagens inéditas e que alegrarão os fãs que sentiam falta de uma lore mais profunda.
Pokémon Legends: Arceus, um dia, será reconhecido como um divisor de águas da série. Pode não ser hoje ou amanhã, talvez seja quando você der uma chance para ele no dia que sair alguma remasterização no futuro ou coisas do gênero, mas escreva o que estou falando: o game entrará no hall dos melhores títulos da série. Mesmo com algumas falhas, na última década não houve nada melhor e creio que vai demorar para termos outro grande impacto para firmar a série em sua evolução.