Antes de começar a detalhar a minha análise, eu me sinto no dever de dizer para os jogadores que estão no hype criado em volta deste jogo que Persona 5 é um JRPG da ponta dupla do seu fio de cabelo até a última bactéria da unha do dedão do pé. Adianto isso porque eu sei que com todo esse hype, muitas pessoas podem cair desavisadas dentro de um gênero para o qual nunca tiveram muito saco ou vontade de jogar. Portanto, Persona 5 não irá mudar a sua cabeça quanto a isso.
Embora suas mecânicas e sistemas sejam maravilindos, o jogo ainda é um JRPG raíz que será melhor apreciado por quem tem afinidade e paciência com o gênero. Dito isso, bora falar do jogo!
Que é Persona?
Não é preciso ter jogado nenhum jogo da série para embarcar na história de Persona 5. Embora o começo seja um pouco intenso na forma como apresenta o seu enredo e tema, depois da primeira hora você já estará familiarizado com a complexidade narrativa que o jogo carrega.
Persona 5 começa no presente, com seu avatar (Joker) infiltrado dentro de um palácio. Infelizmente, as coisas não dão muito certo e você é capturado pela polícia, que te arrasta para uma sala de interrogatório. Conversa vai, conversa vem – umas porradas na cara também – e uma promotora se apresenta para interrogar você. A partir daí, o jogo fica num vai e vem entre passado e presente, enquanto essa personagem tenta tirar de você informações sobre os Phantom Thieves, grupo que ficou famoso por roubar o coração de criminosos e fazê-los confessar seus crimes. “Que? Roubar coração? Isso não faz sentido.” E é justamente nessa hora que o jogo te apresenta o Metaverso: um ambiente criado pela manifestação obscura dos desejos perversos inclusos nos corações das pessoas. É dentro do Metaverso que os integrantes do grupo de ladrões Phantom Thieves – no meu caso carinhosamente batizado de Las Bibas <3 – podem tirar as máscaras que usam no mundo real para libertar as suas verdadeiras personas e assim combater o mal.
Isso tudo seria extremamente complicado de entender caso o jogo não fizesse um excelente trabalho em explicar tudo para a jogadora de forma clara e inteligente. Eu, como o bom nerd tetudo que sou, venho estudando neurociência social faz algum tempo e fiquei muito impressionado com o cuidado que o jogo tem para abordar temas como psicologia e cognição. Embora nada muito complexo, Persona 5 não expõe o seu tema de forma descuidada e superficial. E isso é um grande alívio hoje em dia!
Querido diário
Persona 5 é um jogo linear. Realmente linear. Linear hardcore, manja? Pois bem. O seu progresso na história é contado em dias. Todos os dias são separados por manhã, tarde e noite e é função da jogadora administrar seu tempo e atividades dentro do tempo disponível entre missões. Vale lembrar que você tem aulas inclusive de sábado, então geralmente as suas manhãs estão tomadas pelos estudos e você só terá realmente os domingos para aproveitar o dia todo.
Diferentemente do que é visto no gênero RPG como um todo, que geralmente exploram universos fantásticos, Persona 5 se passa em Tokyo, no mundo real e contemporâneo. Isso faz com que a dinâmica linear dos dias que se passam seja muito mais interessante, pois durante a sua jornada a jogadora realmente tem um senso de rotina e pertencimento ao lugar em que vive. A cidade oferece inúmeras possibilidades de atividades lúdicas, trabalhos, lojas, restaurantes e muito mais. E quanto mais tempo gastamos no jogo, mais conhecemos a cidade e suas ofertas. Devo confessar que fazia tempo que não sentia essa noção de rotina, de conhecer os seus vizinhos, de me preocupar com o horário de devolução do livro, de ter que esperar a loja abrir para poder comprar um miojo. Talvez só Shenmue tenha me dado essa oportunidade até hoje. Bem… Shenmue e agora, Persona 5 🙂
No entanto, nem tudo é maravilha nesse universo linear baseado na rotina de estudante. Infelizmente, em vários momentos o jogo toma o controle da ação, tirando completamente a autonomia e liberdade da jogadora durante dias seguidos. Geralmente isso acontece entre missões, quando o grupo de ladrões está investigando seu próximo alvo. E o problema aqui são dois. O primeiro é justamente o fato de que nós somos obrigados a ficar basicamente apertando um botão e lendo texto expositivo atrás de texto expositivo – mais sobre isso lá embaixo -, o que deixa o andamento do jogo bem cansativo. O segundo é que a rotina de estudante às vezes fica bem chata, principalmente na época de provas que duram dias de perguntas e respostas sobre biologia, matemática, história e blahhhhh O.o
Nem só de dungeons vivem os gamers
Sim, Persona 5 tem um dos melhores sistemas de batalha do gênero. A forma como as personas são utilizadas, criadas e capturadas é tão empolgante quanto capturar Pokemon na rua em dia de passeata. E a forma como seus parceiros interagem durante as batalhas é tão sensacional e fluida como aquele rodízio japa que só manda coisa boa. Contudo, por incrível que pareça, a vida social fora das batalhas é tão legal quanto.
Vamos falar das batalhas primeiro. Em Persona 5 as grandes protagonistas são as… Personas (tunduntsss)! Cada um dos membros da sua equipe controla uma Persona, com exceção de Joker, que tem o poder de ter várias máscaras de personas ao mesmo tempo e trocar entre elas durante as batalhas. Essas personas basicamente detêm as magias e determinam os stats de cada personagem, e aqui entram os estereótipos básicos de RPG: a Persona curandeira, a Persona de fogo, a outra de gelo e por aí vai. No entanto, o mais legal desse sistema é capturar e misturar diferentes Personas para criar outras novas. Durante as batalhas, se você conseguir atingir o ponto fraco e/ou dar critical hit em todos os inimigos, é possível escolher entre um golpe em grupo e aniquilar todos de uma vez ou negociar itens, dinheiro ou as Personas em si. Todos os inimigos do game são potenciais personas que você pode capturar – isso se você conseguir convencê-las através de opções de diálogos bem espirituosas. Depois de capturadas, você pode ir até a Velvet Room – um lugar especial no Metaverso – onde será possível decapitar duas personas na guilhotina e usar as suas cabeças na criação de uma nova e mais poderosa Persona. How cool is that?!
Infelizmente, Persona 5 sofre do mal da prolixidade que afeta a maioria dos jogos hoje em dia. Cada fase da história principal é uma dungeon diferente no Metaverso, conhecida como o palácio do chefão daquela fase. Acontece que a partir do terceiro palácio (no total são 8) as dungeons se estendem por um tempo exagerado, fazendo com que a jogadora vá e volte em puzzles não muito inventivos para abrir portas e enfrentar uma profusão de inimigos por corredores repetitivos. Essa prolixidade fica mais clara quando o espaço entre um save point e outro é exageradamente distante, fazendo com que a jogadora tenha que prolongar uma jogatina forçadamente só para encontrar o próximo savepoint. Não me levem a mal, o conceito de cada palácio é muito bom, representando perfeitamente o coração dos seus donos/chefões. O problema é que o jogo força a mão em fazer com que você passe muito tempo dentro desses palácios que, depois de um certo tempo, ficam cansativos. Além disso, lutar não é a única maneira que a jogadora tem para conseguir mais habilidades e força em batalha, fazendo com que o tempo exagerado de duração dessas dungeons pareça mais artificial ainda.
Amigos para sempre
Fazer amigos em Persona 5 não é só legal como também necessário e recompensador. Verdadeiramente recompensador. E eu não falo aqui de alguns pontinhos de habilidade que demoram a somar e sem nenhuma utilidade prática de fato. Dependendo da importância que você dá a suas conexões sociais – chamadas Confidants no jogo – é possível conseguir habilidades extremamente úteis durante as batalhas além de fortalecer as suas personas na Velvet Room.
Além disso, durante o tempo “livre” que a jogadora tem fora do Metaverso é possível praticar atividades que aumentam atributos específicos do protagonista, como Conhecimento, Charme Proficiência, etc. Cada um desses atributos possui 5 níveis de profundidade, sendo possível atingir esses níveis ao ganhar pontos de atributo específicos trabalhando em determinados empregos, estudando na biblioteca ou simplesmente aceitando encontros com seus amigos para atividades sociais, por exemplo. Atributos bem desenvolvidos são importantes porque algumas atividades e amizades dentro do jogo só podem ser desenvolvidas caso você tenha algum atributo bem desenvolvido. Por exemplo, para que eu conseguisse desbloquear o sistema de manipulação de armas de fogo, foi preciso estar no nível 3 do atributo Guts (Coragem). Proeza que eu consegui jogando videogames e assistindo DVDs de ação no meu quarto 😛
No entanto, o carro chefe de Persona 5 – na minha humilde opinião – fica por conta daquele sistema de Confidants que eu citei anteriormente. Digo isso porque eu sou daqueles que realmente acredita que fazer amizades, conversar com outras pessoas, respeitar e conhecê-las de fato é fundamental para que possamos evoluir e expandir nossos horizontes nesse mundão afora. E Persona 5 trabalha essa ideia de forma muito eficiente dentro das suas mecânicas, pois a cada nível alcançado nos rankings de Confidants – fortalecido através do tempo que se gasta com cada um dos seus amigos no jogo -, a jogadora consegue habilidades e “mimos” que fazem uma grande diferença estratégica dentro e fora do campo de batalha.
Persona 5 não é um jogo difícil. Embora eu tenha sofrido em algumas batalhas pontuais, em nenhum momento eu me senti encurralado e sem saída, precisando retornar para Mementos – a dungeon infinita de missões secundárias do jogo – para fazer grinding, subir de nível e retornar à missão principal depois. Aliás, por conta disso, Mementos se tornou um pouco inútil durante a minha jogatina. Acima de tudo, eu acredito que a minha vida tenha sido facilitada durante as batalhas porque eu dava a devida atenção aos meus Confidants fora do Metaverso. Eu imagino que se você for uma jogadora que ignora completamente a vida social e parte para a porrada de imediato, talvez o jogo possa ficar bem mais desafiador.
Estilo é tudo!
Mesmo que, tecnicamente, Persona 5 tenha sido originalmente lançado para Playstation 3 – ou seja, um jogo da geração passada – nada aqui deixa a desejar em termos visuais. Muito pelo contrário. Persona 5 é o jogo mais estiloso que você irá encontrar hoje no Playstation 4. E eu não digo isso simplesmente por conta da ótima renderização em cell shading que dá uma qualidade de anime impressionante ao jogo. O que torna Persona 5 tão estiloso são os detalhes.
Começando pela animação que é impecável. Os personagens se movem pelo cenário de forma muito fluida e, quando em batalha, OH LORD como as animações são boas e cheias de personalidade. Passar a vez para um companheiro engatilha uma animação de high five simples e empolgante, fazer um combo em grupo é um orgasmo visual e a animação de conclusão das batalhas não poderia ser mais orgânica. Essas animações são tão boas que mesmo com trocentas horas de jogo eu não enjoava de vê-las, mesmo que repetidas. No entanto, talvez por termos animações de personagens tão boas, eu acabei sentido falta de uma ênfase maior nas magias e animações das personas que, embora tenham um papel crucial na estrutura do jogo, ficam em segundo plano durante as batalhas, com magias e animações um pouco sem graça, além de serem completamente sobrepostas pela interface do menu de ações durante as batalhas.
Por falar em menu e textos, Persona 5 tem um trabalho tipográfico absurdo de bom! Eu sou suspeito pra falar no assunto, pois sou formado em design gráfico, mas fazia um tempo que não via um trabalho gráfico com textos tão bom em um videogame – desde Sunset Overdrive no Xbox One, na verdade. Os menus também são apresentados de forma impecável, mas são extremamente legíveis e funcionais. A harmonia entre estilo e funcionalidade aqui é uma conquista louvável para a galera da Atlus. Ah! A trilha sonora também colabora muito para criar a ambientação descolada de Persona 5. As músicas do jogo são como as animações, não cansam nunca e grudam na mente como chiclete em sola de tênis novo.
E eu não poderia terminar de falar de estilo sem citar o design dos inimigos e personas. Em um mundo cada vez mais sério e chato onde os videogames apresentam apenas zumbis, soldados e robôs, Persona 5 consegue não só escapar do clichê, mas criar um repertório visual de personagens que talvez a gente só encontre nos animes mais loucos e ousados. Ah, e por falar em animê, as cutscenes animadas que acontecem de tempos em tempos são muito bem feitas e criam uma dinâmica interessante no jogo.
JRPG para o bem e para o mal
Embora jogos orientais exijam um certo gosto e repertório para terem suas histórias bem apreciadas, eu fiquei impressionado ao ver que o enredo de Persona 5, no geral, é bem inteligente e digerível. O formato de flashbacks junto ao Metaverso cria uma estrutura bem dinâmica para o andamento da história. Além disso, as reviravoltas do enredo são bem pensadas. Infelizmente – e bota infelizmente nisso -, Persona 5 falha miseravelmente em executar esse bom enredo. A prolixidade encontrada nos palácios também se estende para a história do jogo. Persona 5 tem muito texto. O equivalente a toda a obra de Tolkien vezes 3. E isso não é ruim por si só, o problema é que aqui, a maioria dos diálogos é redundante, altamente expositiva e … bem… mal escrita.
A redundância em Persona 5 aparece logo nas primeiras horas de jogo, quando toda a explicação sobre o Metaverso, personas e blablabla é repetida inúmeras vezes, tanto em diálogos falados quanto nos textos trocados via mensagem de celular. A inteligência da jogadora é totalmente subestimada nesses momentos, fazendo com que a curva de interesse – mais conhecida como diversão – caia drasticamente. Além disso, como eu falei anteriormente, existe uma profusão de texto no jogo. E esses textões fazem com que existam momentos de longos minutos em que a única ação a ser feita é apertar o botão X para passar os textos ou simplesmente usar a opção de correr com os diálogos – que eu usei bastante, devo admitir. Sabe aquele conhecido que todo mundo tem, que não sabe resumir uma história? Aquela história que a gente já sabe o fim logo na primeira frase, mas o cara faz questão de gastar 30 minutos explicando tudo de forma bem chata? Persona 5 é esse cara.
Mesmo com toda essa profusão de diálogos e caminhos, Persona 5 falha em criar personagens principais memoráveis e realmente interessantes. Parece que os criadores nunca vão até o fim nos tipos de personalidade que tentaram desenhar para cada integrante dos Phantom Thieves. A gostosona nunca assume esse papel de fato, o bad boy é bem manso, a garota certinha não é recatada. É claro que, na vida real, nenhuma pessoa é uma caricatura. Porém, Persona 5 é um jogo exagerado em tudo, tanto que seus vilões são ótimos e detêm os diálogos mais legais, pois o jogo não tem medo de ir até o fim para representar suas personalidades. Até mesmo alguns personagens secundários, como a médica que vende medicamentos na clínica, são mais interessantes que os personagens principais. No final, parece que os membros do Phantom Thieves têm a mesma personalidade moderada, o que faz com que suas histórias pessoais e diálogos sejam esquecíveis na maior parte do tempo.
Agora vamos para a parte mais crítica, na minha opinião. A parte em que o jogo é mal escrito. Pois é minha gente, Persona 5 infelizmente não só duvida da nossa inteligência, como também anda na contramão de discussões mais contemporâneas. É incrível como, mesmo que seu enredo aborde temas sociais pesados e que o contato social seja um conceito tão importante dentro do seu universo, o jogo falha miseravelmente em representar de forma adequada justamente estes temas tão centrais à sua narrativa. Digo isso porque Persona 5 não demora muito para começar a vomitar machismos, sexismos e preconceitos para todos os lados. E isso é ruim. Muito ruim.
Logo no começo do jogo, uma personagem feminina fala para si própria que um homem faria um melhor trabalho que ela em determinada situação. Momentos depois, um garoto fala para outra garota que ela deveria cuidar daquele problema “pois mulheres lidam melhor com esses temas de sensibilidade”. Eu sinceramente ignoraria esses pequenos momentos machistas se eles não fossem tão recorrentes durante o caminhar da história. E não pense que há uma resposta ou crítica sobre esses comentários. Não, não. Muitas vezes eles são usados apenas como alívio cômico mesmo. Tipo os garotos olhando de baixo da saia da menina, ou os gays dando em cima do menor de idade que fica constrangido na praia. Todos esses momentos me fizeram questionar não somente o bom gosto de quem escreveu essas cenas, mas também a responsabilidade dos criadores do jogo em não ofender ou diminuir outras pessoas que não sejam… bem… meninos bobos punheteiros. Pois o jogo parece ser claramente voltado para este público boa parte do tempo.
E se as análises do jogo não estão abordando esse tema, então eu acho que o problema é bem mais embaixo mesmo. Dizer que “Ah é JRPG então é isso mesmo” é um completo relaxo. Principalmente num mundo onde já foram criadas grandes obras de videogame como Life is Strange e Gone Home, que abordam a adolescência e a chegada da idade adulta de forma muito, mas muito mais inteligente, respeitosa e sutil. Embora eu discorde do generalismo da nova coluna do Alexandre Taú, sobre jogos não saberem contar uma boa história, eu acredito que Persona 5 acaba sendo o melhor exemplo do ponto de vista levantado no texto.
Persona 5 faz muitas coisas certas. Sua jogabilidade é perfeita e extremamente recompensadora. O jogo inclui novas mecânicas a todo tempo, fazendo com que o seu progresso nunca caia na mesmice. Me arrisco a dizer que Persona 5 tenha as melhores mecânicas de um RPG do gênero que já joguei na vida. Além disso, é um jogo lindo de se ver. Minha nossa, que jogo deslumbrante. Infelizmente, toda essa exuberância visual e mecânica é atropelada por momentos tediosos de diálogos expositivos longos e redundantes, personagens desinteressantes, cenas sexistas acompanhados de um humor burro.
É justa toda essa comoção em volta de Persona 5, tratando o jogo como a referência máxima em JRPGs e sendo apontado como o ator do renascimento de um gênero já caduco e meio esquecido. Eu só não tenho tanta certeza se isso é algo bom.