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Quem nunca sonhou em ser transportado para um mundo paralelo fantástico habitado por fadas e animais falantes, ser um mago iniciante e viver altas aventuras ao lado de amigos fieis, provavelmente não teve uma infância saudável. Isso é a base dos contos infantis mais doces e também o motor que propulsiona Ni no Kuni: Wrath of the White Witch.

O título nasceu como um jogo de Nintendo DS, com o nome de Ni no Kuni: Dominion of the Dark Djinn, foi refeito para PlayStation 3 e mudou de nome, e agora chega ao PlayStation 4 e PC em versão remasterizada, com a missão de encantar gerações de todas as idades com uma proposta fascinante mas que é atrapalhada por uma jogabilidade mecânica demais para o universo leve que habita.

O menino que sobreviveu

Ni no Kuni: Wrath of the White Witch narra a história de Oliver, um menino como qualquer outro menino em JRPGs: ele é o escolhido para derrotar um grande mal que assola um universo antes pacífico. Aqui, ele é aquele de coração puro que virá de outro mundo (o nosso e chatinho mundo real) com a força e a vontade para se tornar um grande mago e banir Shadar para todo o sempre. Movido por uma tragédia pessoal, Oliver encontra nessa missão a rota de escape para abandonar sua triste realidade e talvez resgatar a felicidade que lhe escapou.

Ni no Kuni: Wrath of the White Witch Remastered
Um lugar que poderia ser inserido com tranquilidade em um longa de animação do Studio Ghibli.

Em sua travessia por terras maravilhosas, ele terá inicialmente a companhia de Drippy, o inusitado senhor das fadas que não se parece nem um pouco com as fadas dos contos antigos. Ele serve como um alívio cômico para a aventura e também aquele que explica os (muitos) meandros das mecânicas do jogo. Ele participa nos combates com dicas e esferas ocasionais que restauram magia e vida. A Oliver, outros irão se juntar no tempo certo, formando a tradicional equipe de RPGs, seja do Ocidente ou do Oriente, criando fortes laços de companheirismo e acrescentando novas variáveis às batalhas. Aqui vale a máxima: o charme da jornada está nos amigos que fazemos pelo caminho.

O jogo desenvolvido pela veterana de JRPGs Level 5 se destaca da multidão pela parceria inédita com o Studio Ghibli, o gigante da animação japonesa. Dotados de uma sensibilidade única na indústria, com longas que conseguem combinar de forma primorosa o prosaico e o fantástico, eles emprestaram seu talento para conceber o mundo de Ni no Kuni. Quem é familiar com a obra do estúdio de animação irá reconhecer os cenários detalhados e pulsantes de vida, os personagens fofos, as crianças que exalam inocência, mas também o bizarro e o inesperado, que dão um leve toque perturbador ao fato de Oliver estar vagando em uma dimensão que não deveria existir.

Ni no Kuni: Wrath of the White Witch Remastered
Será necessário revisitar o mundo real algumas vezes para resolver problemas do mundo mágico.

As cutscenes tem a mão feérica do Studio Ghibli, que não economizou esforços para garantir a qualidade da animação. Quando ocorre a transição para a jogabilidade, a sensação que se tem é a de se estar no controle de um desenho interativo, um sonho que eu acalentava desde Meu Amigo Totoro ou A Viagem de Chihiro. O deslumbre acontece desde os minutos iniciais do jogo e não me largou em momento algum. Assim como Oliver, fui transportado para um universo cálido e desejado.

Temos que pegar todos!

Em Ni no Kuni, há uma perceptível tendência de mastigar tudo em seus mínimos detalhes, com diálogos expositivos e explicações e dicas sobre suas mecânicas mesmo horas e horas depois de iniciada a aventura. A princípio, essa quase obsessão em não deixar o jogador perdido em momento algum pode parecer exagerada, mas o fato que não dá para esconder é que o JRPG possui regras mais complexas que seu visual fofo daria a entender.

Chifrudinho, eu escolho você!

Em outras palavras, Ni no Kuni não é um jogo fácil, não é um passeio dentro de um desenho animado. É um JRPG sólido que exige do jogador a administração de diversas variáveis em vários momentos. Você gerencia o equipamento do seu time, a evolução de suas criaturas, as missões paralelas, a fabricação de itens alquímicos, um livro de feitiços, o comércio de itens. Essa complexidade poderia afastar os miúdos, justamente aqueles que seriam mais beneficiados pela beleza desse universo, mas a Level 5 adota uma abordagem gradativa e didática das novas regras. Desta forma, temos uma curva de dificuldade bastante suavizada, sem abrir mão de um sistema que é atraente para os mais velhos.

Entretanto, é de se estranhar que a desenvolvedora tenha optado por seguir a cartilha de Pokémon de forma tão descarada. É impossível não notar as semelhanças gritantes entre as mecânicas de Ni no Kuni e a bem-sucedida franquia da Nintendo. Aqui, capturamos criaturas que lutarão por nós, com um conjunto limitado de movimentos, enfrentando sob nosso comando outras criaturas e com possibilidade de evoluir (chamada aqui de metamorfose) a partir de doces especiais.

Chegou a hora da treta!

Para bom entendedor, meia palavras basta, e os Familiares são basicamente Pokémons com outro nome. Isso não tira o charme nem das criaturas nem do jogo, mas as comparações podem incomodar os puristas.

Essa dinâmica cai por terra na hora de administrar aliados ou enfrentar chefes de fase. No primeiro caso, a inteligência artificial de seus parceiros é incrivelmente falha, o que deixa o jogador com apenas duas opções: micro-gerenciá-los em batalha de forma frenética ou aceitar os padrões de comportamento, aceitar que eles consomem mana como se não houvesse amanhã e escolher a tática que cause menos prejuízo.

Em relação aos chefes, confiar a batalha aos familiares é optar pelo caminho mais difícil, quando não suicida. A melhor estratégia acaba sendo flanquear o inimigo constantemente e pulverizá-lo com magias. Falta a Ni no Kuni os nuances refinados de JRPGs por turno e o jogo fica no meio termo entre ser fácil de dominar e oferecer um leque de abordagens, não trazendo nem uma coisa, nem outra.

Ni no Kuni: Wrath of the White Witch Remastered
Explorando a vastidão.

De Pokémon, também veio a necessidade de fazer grinding, a cansativa arte de combater inimigos aleatórios de novo e de novo para se obter o nível e a experiência capazes de garantir o sucesso nas missões de história. Vagando pelo mundo aberto de Ni no Kuni, você será perseguido por inimigos constantemente e terá que enfileirar batalhas que nem são o ponto forte do jogo, revendo a animação de vitória vezes o suficiente para enjoar dela, por mais que você curta os personagens envolvidos. Junte isso com as idas e voltas que o roteiro dá, que te obrigam a passar múltiplas vezes pelas mesmas áreas, e temos um jogo que peca pela repetição, o contraponto cansativo de uma história única, que sofre com uma progressão lenta.

Felizes para sempre

Se as mecânicas provocam uma dissonância com a narrativa, é certo que o jogador irá permanecer na jornada por conta dessa última. O universo de Ni no Kuni cativa e traz os elementos necessários para enternecer até o mais bruto dos corações: aliados simpáticos, monstrinhos fofos, trilha sonora espetacular e uma qualidade de animação de cair o queixo.

Quando a história finalmente avança, somos brindados com vilões épicos de tremer o firmamento e situações que exigirão heroísmo dessa inesperada trupe de aliados. Entretanto, como uma boa narrativa do Studio Ghibli, a conclusão ou o conflito não são o foco. Situações hilárias ou exóticas são a cereja do bolo, o toque de mestre que envolve o jogador (ou espectador, ou leitor, o encanto é igual). São momentos que colocam um sorriso no rosto e rejuvenescem.

Ni no Kuni: Wrath of the White Witch Remastered
Não tente entender.

As portas estão abertas também para quem deseja se aprofundar, graças a um livro no inventário do protagonista, que enriquece ainda mais aquilo que já era fascinante. Temos aqui a descrição detalhada dos encantos, das suas regras internas, mas também a história desse mundo, lendas, fábulas dentro da fábula. É um conteúdo opcional, que talvez passe despercebido pela maioria dos jogadores mas certamente irá premiar aqueles que dedicarem um tempo a suas páginas.

A viagem de Oliver para esse universo encantador é a viagem que muitos quiseram fazer na infância. Por esse charmoso resgate, não há grinding que desanime, não há backtracking que não valha a pena. Afinal, uma das lições de qualquer conto de fadas é que não há recompensa sem esforço, não há felicidade sem um toque de melancolia e não há “felizes para sempre” sem passar por desafios.

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